As Forças Armadas e presença desditosa de trambiqueiros
"As Forças Armadas não podem ser, como instituição, confundidas com os malfeitos e com eventuais crimes cometidos por alguns de seus membros", diz Vaccarezza
28 mil homens do Exército estarão mobilizados em ações de apoio às eleições municipais (Foto: Brasil 247)
As Forças Armadas do Brasil não podem ser, como Instituição, confundidas com os malfeitos e com eventuais crimes cometidos por alguns de seus membros.
Os fatos divulgados, parte dos desmantelos cometidos por alguns militares e pelo ex-presidente Bolsonaro, não podem servir para enxovalhar as Forças Armadas. A Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário têm atuado, neste caso, com rigor e com foco nos eventuais culpados sem atingir a Instituição do culpado em questão, mesmo quando são muitos. Mas, infelizmente, parte da população e agentes políticos, genericamente, têm acusado os militares de tentativa de golpe em 8 de janeiro e de terem participado dos atos possivelmente criminosos cometidos pelo ex-presidente Bolsonaro e parte de seus assessores diretos. Isto tem um efeito devastador para o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, cujas imagens vinham crescendo do final do regime autoritário até a assunção de Bolsonaro.
Rui Barbosa, em sua luta renhida contra o militarismo do Marechal Presidente Floriano Peixoto, nunca combateu as Forças Armadas; compreendia a importância desta Instituição para garantir a soberania e a defesa do país. Num livro chamado Migalhas de Rui Barbosa, editado pela OAB, escreve: “A profissão do soldado é um compromisso de abnegação, que não tem limites. Hipotecou à pátria a própria vida, no dia em que se alistou sob as suas bandeiras; e com ela fez-lhe o sacrifício de todas as afeições, não reservando ao seu coração nem os vínculos supremos da família, quando a pátria se levantar entre ela e o dever.”
Bolsonaro expressou a organização da extrema direita e, num momento de confusão e desesperança política no Brasil, ganhou as eleições. Se ele pensava em dar um golpe e estabelecer uma ditadura ou cometer crimes de outra natureza, não existem elementos, nem ações que comprometam as Forças Armadas. No entanto, militares da reserva, com pensamentos parecidos aos de Bolsonaro e militares da ativa, incentivados pela politização indevida das Forças Armadas, empreendida pelo governo anterior, colaboraram para este clima de incompreensão e polarização exacerbada que estamos vivendo. Tudo deverá ser investigado e esclarecido antes de se falar de crime e de criminosos. É fundamental que os vencedores das eleições mirem mais no futuro que no passado. Há muitos erros no passado, alguns, como a não punição do General Pazuello, que participou como militar da ativa de um ato político, que deverão ficar no passado como lição para o presente. Eventuais crimes e as responsabilidades individualizadas pelas barbaridades do dia 8 de janeiro, precisam de maior celeridade no julgamento, para, reconhecida a culpa de cada um, ser estabelecido o castigo.
É bastante conhecida a opinião do General e ex-presidente Ernesto Geisel sobre Bolsonaro, em uma obra de Maria C. D’Araujo e Celso Castro, entrevista publicada em 1997, Geisel reclama de militares que falavam em golpe, se refere a parlamentares oriundos das Forças Armadas e pede para não contar com Bolsonaro, pois é completamente fora do normal e um mal militar.
Destaco a firmeza e discernimento político do Ministro José Múcio na condução do Ministério da Defesa ao não vacilar em demitir o Comandante do Exército, nomeado há apenas 20 dias, ser claro ao defender as Forças Armadas, separando o joio do trigo, e propor soluções duradouras para o funcionamento da Instituição, como a elaboração das alterações na famosa GLO e a extensão da área de autonomia ação do Exército na região de fronteira do Brasil. A instituição Forças Armadas não participou da tentativa de golpe, não cometeu crimes e o soldado bate continência para o cargo independente de quem o ocupa.
É certo que nos embatemos com uma história recente de democracia no Brasil, antecedida de golpes, governos autoritários e pouca participação popular na construção dos raros períodos de democracia. A atual etapa democrática conta com pouco mais de 3 décadas e, talvez, tenha sido a de maior participação popular com amplos atos sociais, luta e articulação pelas liberdades democráticas; tudo indica que encontramos, finalmente, o caminho da Democracia para o nosso país. Imaginemos que desde o final do Século XVII, a Inglaterra, com a Revolução Gloriosa, experimenta, aprende e desenvolve a democracia; os EUA desde o final do Século XVIII, com a promulgação da Constituição Federal dos Estados Unidos da América, após a guerra da independência; e, logo depois a França, com a grande Revolução Francesa, referência para o mundo, apesar dos interregnos, da era napoleônica, do golpe de Napoleão III e do governo de Vichy. São exemplos de democracias estáveis, de estados nacionais, que têm projetos para as suas próprias nações e para o mundo, que disputam cada um o seu lugar neste mundo globalizado.
A nação brasileira vem construindo o seu projeto. As Forças Armadas do Brasil participaram de forma decisiva de todos estes momentos. A marca da Ditadura de 64 não pode ser o parâmetro para uma polarização sem fim. É certo que temos que imprimir várias alterações constitucionais e infraconstitucionais para modernizar, fortalecer e valorizar as nossas (do Brasil) Forças Armadas. Não são os embates internos, como a deposição de Pedro I, a maioridade e a deposição de Pedro II, a guerra de Canudos, o golpe de 64, entre outros, que devem nortear a discussão do papel das Forças Armadas. Podemos e devemos olhar pelo retrovisor para evitar repetir erros, mas o nosso para-brisa deve ser maior e norteador do nosso futuro. Precisamos desenhar um projeto para o Brasil, maior democracia e maior potência do hemisfério sul, com a maior reserva de água, floresta tropical e riqueza mineral, com base tecnológica, imensa fronteira agrícola e potencialidade de discutir os destinos do país, da América do Sul e do Mundo. Este projeto nacional nos clama para pacificar o país, para ter poder de autodefesa e de dissuasão, para ter Forças Armadas profissionais e antenadas com o projeto nacional.
Nós podemos, se quisermos, construir uma grande nação.
Cândido Vaccarezza
Dr. Cândido Vaccarezza é um médico e político formado pela Universidade Federal da Bahia e atualmente mora em São Paulo. Ele tem especializações em ginecologia e obstetrícia, saúde pública e saúde coletiva. Durante a pandemia, foi diretor do Hospital Ignácio P Gouveia, referência para o tratamento de Covid na Zona Leste de São Paulo. Como político, ele participou da luta pela democracia no Brasil na década de 1970 e foi deputado estadual e federal pelo PT. Além disso, ele também foi líder na Câmara do Governo Lula e Dilma e secretário de esporte e cultura em Mauá. Reg
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