Bolsonaro solto é útil para a mídia e para os direitistas

'Há riscos em se ter Jair Bolsonaro solto, tensionando a sociedade. Ele é a borboleta que bateu asas e pode provocar tsunami', escreve a colunista Denise Assis

Fonte: Denise Assis - Publicada em 23 de abril de 2024 às 16:51

Bolsonaro solto é útil para a mídia e para os direitistas

Jair Bolsonaro (Foto: REUTERS/Adriano Machado)

Flopou? Sim, segundo os números. O ato de Bolsonaro atraiu para a Atlântica 32 mil pessoas – de acordo com o Monitor do Debate Político da USP -, 18% a menos que os 185 mil fanáticos que foram quarar no sol da paulista, em 25 de fevereiro. Àquela altura, como todos se lembram, havia medo e silêncio do lado de lá, e uma incursão policial à casa de praia do “mito”, nas manchetes da mídia. Nas redes, os bolsominions paralisados e sem argumento.

Para quem conhece bem o arco da praia de Copacabana, sabe que naquela extensão o total acima preenche no máximo dois quarteirões e, visto do alto, o ajuntamento mais parece uma cárie na arcada que embeleza a Princesinha. Um ponto na imensidão.

O dado, embora relevante, não quer dizer nada, se mirarmos apenas o topo daquele caminhão – que, dizem, foi pago pelo ventríloquo Malafaia, mas que eu gostaria de ver alguém indo mais fundo nessa história. O que importa tanto na manifestação de São Paulo, quanto nesta, do Rio, é o que foi dito, o que ecoou, mas também o que não está explícito e deve ser observado.

O país vinha em 2023 do impacto dos acontecimentos do 8 de janeiro, das apurações surgindo em ritmo frenético, das prisões, condenações e escândalos, tal como os tópicos vazados da delação do tenente-coronel Mauro Cid, a foto do papai Cid frente a um estojo de joias, e a gravação de uma reunião que chocou a sociedade. Ali foram vistas confissões, estratégias, providências desbragadas. Impactante tanto para os do campo progressista quanto dos “seguidores” de Bolsonaro -, a ponto de pouco se manifestarem nas redes, (seu habitat natural), depois das imagens/provas contundentes virem a público.

Passo seguinte, esperou-se algum avanço jurídico rumo ao seu grupo de militares graduados e a ele próprio. Prisão? A Justiça tem seus meandros e o que se alegou – e a gente acredita -, foi que era necessário ter calma para que a sua prisão se dê de modo irreversível e inapelável. E ninguém quer fazer diferente. Porém, se esperava que ele por inelegível (embora sem perder os direitos políticos) e em situação de constrangimento e restrições – não se aproximar do presidente do seu partido, por exemplo -, se recolhesse à sua momentânea insignificância.

Mas eis que, com a ajuda do filho 03, Bolsonaro se lançou em uma campanha de fora para dentro, para tentar salvar a própria pele. Buscando apoio na ultradireita no exterior, armou-se de coragem e foi para a rua. Sacudiu a sua turma entre 25 e 30% que o segue em qualquer circunstância, reaqueceu a militância e plantou o seu discurso na camada subcutânea dessa história.

Esfriaram-se as investigações e manchetes. Os generais do seu entorno e envolvidos no golpe foram sendo descorados das notícias, enquanto ele, Bolsonaro, voltava a posar de político influente. Para efeito do seu público, estava sendo vítima da perseguição de um ministro malvado do Supremo Tribunal Federal, que o queria liquidado para implantar, ele sim, Alexandre de Moraes, uma ditadura e a censura no país.

Bolsonaro, que deu no pé para os EUA após a derrota, deixando atrás de si um bando de desvalidos na chuva, acampados dias a fio sem orientação e sem perspectiva, agora voltava à cena para pedir pelos “órfãos de pais vivos”. Os mesmos pelos quais ele considerou, não ter nenhuma responsabilidade. Escafedeu-se sem retrato e sem bilhete.

Ele, o predestinado ao poder, por Deus, que o salvou de uma facada para colocá-lo na cadeira presidencial, merece agora (em seu discurso) o perdão, pois tal como a juíza Gabriela Hardt (no dizer dos comentaristas da GloboNews ela só teve a ideia de fazer uma Fundação endinheirada), apenas apresentou uma minuta com regras claras para se perpetuar no poder. Argumentos iguais para situações diferentes. O que é um Estado de Sítio, se não um item da Constituição Federal? Pergunta candidamente.

O seu discurso perigoso, manhoso, desconexo, mentiroso, com obras e dados usurpados de governos que não foram o seu – vide o canal do S. Francisco, que ele coloca na própria conta -, caem nos ouvidos dos seus seguidores como música. É reproduzido nas redes sociais com impulsionamento do seu guru, Elon Musk e se dissemina país a fora. Seu choro daqui a pouco vai ser engarrafado para ser passado em feridas, de tão santificado que vai se tornando, à medida que caminha pelo Brasil varonil verde e amarelo.

O grave, meus amigos, o que é preciso prestar a atenção é o seguinte: há riscos em se ter Jair Bolsonaro solto, tensionando a sociedade brasileira. Ele é a borboleta que bateu asas no Rio e pode provocar um tsunami no balneário de Camboriú. Nós, brasileiros, esquecemos e perdoamos fácil. Estamos deixando os fatos esfriarem e concedendo tempo para ele construir o discurso fantasioso em sua defesa.

Basta lembrar que ele deixou morrer 700 mil pessoas na pandemia e os pais, filhos e netos dessas pessoas mortas por negacionismo e desleixo votaram em Bolsonaro. Do contrário, como explicar que ele tenha quase batido o presidente Lula nas urnas?

Do ponto de vista da mídia e eu diria até mesmo da Justiça, interessa manter Bolsonaro solto até o pós-eleições. Ele puxará votos para os candidatos da direita e da ultradireita e conseguirá frear o avanço dos candidatos do campo progressista. Há método na calmaria em torno dos seus atos criminosos. Ele pode ser o freio de arrumação para os planos da centro-direita que sonha com um retorno às lides políticas com alguma dignidade. Bolsonaro, no momento, é útil.

Ninguém vai tocar no general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, que era comandante militar do Planalto quando ocorreram os atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Mais um que o comandante Tomás Paiva tenta transformar em herói, depois de ver naufragadas as tentativas de elevar o brigadeiro Carlos Batista Júnior e, principalmente, o general e companheiro de armas Marco Freire Gomes, ao livro sagrado.

Poucos caíram na lenga-lenga de que Freire deu voz de prisão a Bolsonaro, tão indignado ficou depois de se reunir cinco vezes para discutir a minuta do golpe... Agora Dutra, tal como nos escritos de Hannah Arendt, no dizer do comandante “apenas cumpriu ordens”.

Deixem esse assunto amortecido. Nada de punições agora. O comício, foi isso o que foi aquele ato de domingo (21) na Avenida Atlântica, abriu a temporada de caça ao eleitor. De preferência, todos que possam atravessar o caminho dessa esquerda calada, mas resiliente. Tirar Bolsonaro do cenário político nesse momento distensionaria o ambiente. Mas a quem interessa fazer isso?

Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Bolsonaro solto é útil para a mídia e para os direitistas

'Há riscos em se ter Jair Bolsonaro solto, tensionando a sociedade. Ele é a borboleta que bateu asas e pode provocar tsunami', escreve a colunista Denise Assis

Denise Assis
Publicada em 23 de abril de 2024 às 16:51
Bolsonaro solto é útil para a mídia e para os direitistas

Jair Bolsonaro (Foto: REUTERS/Adriano Machado)

Flopou? Sim, segundo os números. O ato de Bolsonaro atraiu para a Atlântica 32 mil pessoas – de acordo com o Monitor do Debate Político da USP -, 18% a menos que os 185 mil fanáticos que foram quarar no sol da paulista, em 25 de fevereiro. Àquela altura, como todos se lembram, havia medo e silêncio do lado de lá, e uma incursão policial à casa de praia do “mito”, nas manchetes da mídia. Nas redes, os bolsominions paralisados e sem argumento.

Para quem conhece bem o arco da praia de Copacabana, sabe que naquela extensão o total acima preenche no máximo dois quarteirões e, visto do alto, o ajuntamento mais parece uma cárie na arcada que embeleza a Princesinha. Um ponto na imensidão.

O dado, embora relevante, não quer dizer nada, se mirarmos apenas o topo daquele caminhão – que, dizem, foi pago pelo ventríloquo Malafaia, mas que eu gostaria de ver alguém indo mais fundo nessa história. O que importa tanto na manifestação de São Paulo, quanto nesta, do Rio, é o que foi dito, o que ecoou, mas também o que não está explícito e deve ser observado.

O país vinha em 2023 do impacto dos acontecimentos do 8 de janeiro, das apurações surgindo em ritmo frenético, das prisões, condenações e escândalos, tal como os tópicos vazados da delação do tenente-coronel Mauro Cid, a foto do papai Cid frente a um estojo de joias, e a gravação de uma reunião que chocou a sociedade. Ali foram vistas confissões, estratégias, providências desbragadas. Impactante tanto para os do campo progressista quanto dos “seguidores” de Bolsonaro -, a ponto de pouco se manifestarem nas redes, (seu habitat natural), depois das imagens/provas contundentes virem a público.

Passo seguinte, esperou-se algum avanço jurídico rumo ao seu grupo de militares graduados e a ele próprio. Prisão? A Justiça tem seus meandros e o que se alegou – e a gente acredita -, foi que era necessário ter calma para que a sua prisão se dê de modo irreversível e inapelável. E ninguém quer fazer diferente. Porém, se esperava que ele por inelegível (embora sem perder os direitos políticos) e em situação de constrangimento e restrições – não se aproximar do presidente do seu partido, por exemplo -, se recolhesse à sua momentânea insignificância.

Mas eis que, com a ajuda do filho 03, Bolsonaro se lançou em uma campanha de fora para dentro, para tentar salvar a própria pele. Buscando apoio na ultradireita no exterior, armou-se de coragem e foi para a rua. Sacudiu a sua turma entre 25 e 30% que o segue em qualquer circunstância, reaqueceu a militância e plantou o seu discurso na camada subcutânea dessa história.

Esfriaram-se as investigações e manchetes. Os generais do seu entorno e envolvidos no golpe foram sendo descorados das notícias, enquanto ele, Bolsonaro, voltava a posar de político influente. Para efeito do seu público, estava sendo vítima da perseguição de um ministro malvado do Supremo Tribunal Federal, que o queria liquidado para implantar, ele sim, Alexandre de Moraes, uma ditadura e a censura no país.

Bolsonaro, que deu no pé para os EUA após a derrota, deixando atrás de si um bando de desvalidos na chuva, acampados dias a fio sem orientação e sem perspectiva, agora voltava à cena para pedir pelos “órfãos de pais vivos”. Os mesmos pelos quais ele considerou, não ter nenhuma responsabilidade. Escafedeu-se sem retrato e sem bilhete.

Ele, o predestinado ao poder, por Deus, que o salvou de uma facada para colocá-lo na cadeira presidencial, merece agora (em seu discurso) o perdão, pois tal como a juíza Gabriela Hardt (no dizer dos comentaristas da GloboNews ela só teve a ideia de fazer uma Fundação endinheirada), apenas apresentou uma minuta com regras claras para se perpetuar no poder. Argumentos iguais para situações diferentes. O que é um Estado de Sítio, se não um item da Constituição Federal? Pergunta candidamente.

O seu discurso perigoso, manhoso, desconexo, mentiroso, com obras e dados usurpados de governos que não foram o seu – vide o canal do S. Francisco, que ele coloca na própria conta -, caem nos ouvidos dos seus seguidores como música. É reproduzido nas redes sociais com impulsionamento do seu guru, Elon Musk e se dissemina país a fora. Seu choro daqui a pouco vai ser engarrafado para ser passado em feridas, de tão santificado que vai se tornando, à medida que caminha pelo Brasil varonil verde e amarelo.

O grave, meus amigos, o que é preciso prestar a atenção é o seguinte: há riscos em se ter Jair Bolsonaro solto, tensionando a sociedade brasileira. Ele é a borboleta que bateu asas no Rio e pode provocar um tsunami no balneário de Camboriú. Nós, brasileiros, esquecemos e perdoamos fácil. Estamos deixando os fatos esfriarem e concedendo tempo para ele construir o discurso fantasioso em sua defesa.

Basta lembrar que ele deixou morrer 700 mil pessoas na pandemia e os pais, filhos e netos dessas pessoas mortas por negacionismo e desleixo votaram em Bolsonaro. Do contrário, como explicar que ele tenha quase batido o presidente Lula nas urnas?

Do ponto de vista da mídia e eu diria até mesmo da Justiça, interessa manter Bolsonaro solto até o pós-eleições. Ele puxará votos para os candidatos da direita e da ultradireita e conseguirá frear o avanço dos candidatos do campo progressista. Há método na calmaria em torno dos seus atos criminosos. Ele pode ser o freio de arrumação para os planos da centro-direita que sonha com um retorno às lides políticas com alguma dignidade. Bolsonaro, no momento, é útil.

Ninguém vai tocar no general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, que era comandante militar do Planalto quando ocorreram os atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Mais um que o comandante Tomás Paiva tenta transformar em herói, depois de ver naufragadas as tentativas de elevar o brigadeiro Carlos Batista Júnior e, principalmente, o general e companheiro de armas Marco Freire Gomes, ao livro sagrado.

Poucos caíram na lenga-lenga de que Freire deu voz de prisão a Bolsonaro, tão indignado ficou depois de se reunir cinco vezes para discutir a minuta do golpe... Agora Dutra, tal como nos escritos de Hannah Arendt, no dizer do comandante “apenas cumpriu ordens”.

Deixem esse assunto amortecido. Nada de punições agora. O comício, foi isso o que foi aquele ato de domingo (21) na Avenida Atlântica, abriu a temporada de caça ao eleitor. De preferência, todos que possam atravessar o caminho dessa esquerda calada, mas resiliente. Tirar Bolsonaro do cenário político nesse momento distensionaria o ambiente. Mas a quem interessa fazer isso?

Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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