Bolsonaro tentou se impor como o único neoliberal viável na sua 'superlive', mas a PF pode ter estragado o plano
Ação policial nos endereços de Carlos Bolsonaro vai testar a resiliência do bolsonarismo
Flávio, Jair, Eduardo e Carlos Bolsonaro (Foto: Reprodução)
A "superlive" realizada por Jair Bolsonaro e seus filhos neste domingo foi notável como produto de comunicação. Além do alcance em si, com milhões de visualizações, ela teve um roteiro claro e bem definido. Na entrada, o ex-presidente apresentou seus "valores": um político contra o aborto, a favor do armamento e contra as drogas. Em seguida, disse como iniciou sua carreira política numa live que também tinha como objetivo central atrair corações e mentes para a direita radical. Na terceira parte, mandou recados para a classe dominante, ao se colocar como defensor intransigente do agronegócio, do estado mínimo e dos interesses da Avenida Faria Lima, citando, por exemplo, o caso da Vale, que hoje coloca em campos opostos o governo Lula e o capital financeiro. Por último, abriu espaço para que seus filhos vendessem treinamentos para aqueles que pretendem se tornar multiplicadores da ideologia de direita ou se candidatar nas próximas eleições. E – last, but not least – Bolsonaro transmitiu todas essas mensagens usando como escudo a camisa da seleção de futebol de Israel, reforçando sua identidade com o sionismo no exato momento em que se discute o genocídio em Gaza. Na prática, Bolsonaro se colocou novamente como representante dos opressores.
Todas as falas têm coerência e fazem parte de uma tentativa clara da família Bolsonaro de se impor à direita tradicional. Com a guerra cultural no campo dos "valores" e a adesão ao sionismo, o bolsonarismo pesca votos entre os mais pobres, suscetíveis a temas como drogas, violência e aborto, e o público evangélico, que vê nos judeus o "povo escolhido". Com a defesa do agro, da Faria Lima e do estado mínimo, ele tenta manter o apoio das regiões Sul e Centro-Oeste e também dos setores rentistas da classe dominante que o apoiaram nas eleições presidenciais de 2018 e 2022. Finalmente, com a abertura para que qualquer pessoa possa se candidar e se tornar um multiplicador da ideologia de direita, ele pesca votos entre os individualistas que, dominados pela lógica neoliberal, não enxergam perspectivas de progresso numa sociedade mais justa e igualitária. O curso oferecido pelos filhos de Jair é uma oportunidade de "se dar bem" na política, assim como ocorreu com toda a família Bolsonaro, usando como biombo a defesa da família e dos valores cristãos.
Outro aspecto importante da superlive foi a ideia de união familiar. Pela primeira vez, Jair apareceu numa transmissão junto com seus filhos Flávio, que é senador, Eduardo, deputado federal, e Carlos, vereador no Rio de Janeiro. Portanto, mesmo estando inelegível, o patrimônio eleitoral tem dono e pertence à família. Pode ser transferido a um dos filhos, ou mesmo à ex-primeira-dama Michelle. Neste contexto, o recado transmitido à classe dominante seria o de que o bolsonarismo ainda seria a única alternativa política viável para levar adiante o projeto neoliberal no Brasil. Não há mais PSDB, nenhuma alternativa de direita civilizada despontou no horizonte e as candidaturas que estão sendo ensaiadas, como a do governador Ronaldo Caiado, do União Brasil, imploram pelo apoio de Jair Bolsonaro. Ocorre que a cada dia que passa fica mais claro que o ex-presidente não pretende passar o bastão a ninguém que não seja de seu círculo mais íntimo, ou seja, da própria família.
A estratégia bolsonarista foi explicitada na superlive de domingo, mas um fato novo, de grande repercussão surgiu na manhã de segunda, quando a Polícia Federal bateu na porta do vereador Carlos Bolsonaro e em outros endereços ligados ao provável chefe do chamado "gabinete do ódio" e da "Abin paralela". A tendência é que a partir de agora, como uma procuradoria-geral da República atuante e comandada por Paulo Gonet, as vísceras do bolsonarismo sejam expostas em praça pública. O discurso da direita radical será claramente o da perseguição política, mas o fato é que a batida policial irá testar a resiliência do bolsonarismo entre seus eleitores. Nem todos estão completamente gadificados. Ao governo Lula, cabe seguir em frente no projeto de reconstrução nacional e retomada do desenvolvimento, deixando que as instituições façam livremente o seu trabalho.
Leonardo Attuch
Leonardo Attuch é jornalista e editor-responsável pelo 247.
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