Braga Netto, o general parado pela Justiça comum

"Essa não foi a primeira vez que Braga Netto se viu às voltas com uma operação da PF", lembra a jornlista Denise Assis

Fonte: Denise Assis - Publicada em 16 de dezembro de 2024 às 17:51

Braga Netto, o general parado pela Justiça comum

General Braga Netto (Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil)

O general Walter Braga Netto, preso hoje (14/12), pela Polícia Federal, buscava o poder. Quando interventor no Rio de Janeiro, não admitiu que alguém se interpusesse no seu caminho ou questionasse a sua autoridade. Era o interventor e pronto. Os “estorvos” foram banidos e os milicianos e o crime organizado seguiram sem ser incomodados. Quase um pacto. Ele colheria resultados pífios, mas no seu período à frente da cidade as coisas se manteriam aparentemente calmas. Não deu. Havia uma Marielle Franco no meio do caminho. O Rio tremeu, ante a morte da vereadora. No 247 tive a oportunidade de levantar nas minhas primeiras participações ao vivo, logo depois do crime, uma certeza: a ação tinha mãos de alguém com formação militar. Nos moldes da ditadura (1964-1985). Era para não deixar rastros. E assim foi feito.

Marielle era uma das vereadoras mais votadas do Rio, cresceu na Maré, comunidade da Zona Norte, onde uma das primeiras ocupações do Exército entrou barbarizando, em 2014, sob a chefia do general Braga Netto.

Mas essa não foi a primeira vez que Braga Netto se viu às voltas com uma operação da PF. Em 12 de setembro de 2023, a Polícia bateu à sua porta e o incomodou. Naquela terça-feira, conforme relato do repórter André Lucena, de Carta Capital, a operação era contra os responsáveis pela intervenção federal no Rio de Janeiro, por suspeitas de fraude em compras de coletes balísticos.

“A Polícia Federal (PF) justificou que as apurações começaram por conta da cooperação de uma agência de investigação norte-americana, que trabalhava no assassinato do ex-presidente do Haiti, Jovenel Moïse, em julho de 2021”, descrevia Lucena, enquanto nos alertava:

“As datas são diferentes, já que a operação no Rio aconteceu em 2018, enquanto a morte de haitiano ocorreu em 2021; os eventos são distintos – uma operação federal em um estado brasileiro e um assassinato a um líder caribenho -, mas o ponto passa pela empresa norte-americana CTU Secutiry LLC”.

Em suas apurações, o repórter de Carta Capital chegou à conclusão que: “Antes de chegar no Rio, é preciso passar, primeiro, pelo Haiti. Jovenel Moïse foi morto a tiros quando estava em casa, em Porto Príncipe, em julho de 2021. Um dos órgãos responsáveis pela investigação foi a Agência de investigações de Segurança Interna dos Estados Unidos (Homeland Security Intestigations, ou HSI, na sigla em inglês). Ao apurar o caso, a agência constatou que a empresa mencionada forneceu apoio militar para o crime”.

Lucena considerou coincidência demais e aprofundou, chegando à seguinte conclusão: “Enquanto esmiuçava o histórico das contratações da empresa, os Estados Unidos, através da sua Embaixada no Brasil, notificou a PF acerca de um sobrepreço na compra dos coletes balísticos usados na intervenção no RJ.”

O caso foi esquecido. O então poderoso ministro da Casa Civil saiu-se com a declaração protocolar de sempre: “os contratos do Gabinete de Segurança de Intervenção Federal (GIF) seguiram absolutamente todos os trâmites legais previstos na lei brasileira”. O contrato foi suspenso, a empresa devolveu o dinheiro da compra dos coletes, mas a situação foi constrangedora. Não se falou mais nisso. Seria interessante, agora, aproveitar para passar a ficha corrida dele a limpo, não? Que tal um mergulho nas histórias do Haiti, onde fez dupla com o general Heleno em verdadeiros labirintos...?

Antes disso, entre 2005 a 2007, ele trabalhou como adido militar na embaixada do Brasil em Varsóvia, na Polônia, e de 2011 a 2013 exerceu a mesma função na embaixada brasileira em Washington, nos nos Estados Unidos.

Nascido em Belo Horizonte (MG), em 1957, ele foi aluno do Colégio Militar da capital mineira. Em 1975, entrou para a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), escola de formação de oficiais do Exército, em Resende, Rio de Janeiro. Formou-se em 1978 na arma de Cavalaria e tornou-se aspirante a oficial no período da transição. Sim, foi um dos filhotes da ditadura. Os formados pelos oficiais que, egressos da repressão, enchiam a cabeça dos jovens aspirantes de bravatas dos “bons tempos, quando o pau cantava” contra os “subversivos”.

Ele chegou ao posto de general em 2009, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), adversário de Bolsonaro nas eleições de 2022. Em 2013, Braga Netto assumiu o cargo de secretário de segurança presidencial e de chefe da Casa Militar da Presidência da República, no governo de Dilma Rousseff (PT). No mesmo ano, foi nomeado coordenador geral da Assessoria Especial dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, posição que ocupou até 2015. Estava lá, minando por dentro, usando a tática dos velhos comunistas. Vejam só!

De 2019 a 2020, foi chefe do Estado Maior do Exército, o segundo posto mais importante da Força. Deixou o cargo para assumir a chefia da Casa Civil de Bolsonaro, em fevereiro de 2020, no lugar de Ônix Lorenzoni (PL do Rio Grande do Sul), e passou para a reserva. Com os bolsos carregados de dinheiro. Em um único mês, chegou a ganhar, segundo justificou, “a título de férias acumuladas”, perto de um milhão de reais.

Foi ele a substituir o colega e general Fernando Azevedo da Silva e reformular o entorno militar de Bolsonaro, depois da crise instaurada em março de 2021, quando a saída de Azevedo da Silva levou a que os então comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica se demitissem em protesto. O presidente levantou suspeições de uma eventual ruptura institucional e colocou as Forças Armadas como sua linha auxiliar.

Como matar o presidente

Braga Netto permaneceu no cargo de ministro da Defesa até março de 2022. Mas foi no cargo de assessor especial da Presidência, posição que ocupou até 1o de julho, que se deleitou com o poder de fato, o que o animou a deixar o governo para ser vice do chefe e se dedicar à campanha. 

Em 28 de março, ele já havia se filiado ao PL e daí passou a articular para que nada mais fugisse do seu controle. Coordenou o gabinete da campanha, ao mesmo tempo em que trabalhava tendo em mente uma só diretriz: ou ganhavam, ou ganhavam. Fez da sua casa um ponto de conspiração. No dia 12, reuniu os Kids pretos para finalizar o plano da “Operação Copa-22”, que visava impedir a posse do Lula. No dia 25, abriu os salões para a elaboração da “Carta Aos Generais”, em que dava um ultimato aos comandantes das Forças Armadas, para a adesão ao golpe. (O 247 denunciou, no mesmo dia da circulação, a existência dessa carta, assinada por generais e oficiais da reserva e da ativa).

Mesmo que para isso ele tivesse que jogar fora a ética que, dizem, é ensinada nas Forças Armadas. Transformou o palácio do Planalto em bunker do golpe. Trouxe para perto de si os amigos Kids Pretos, ou os “Forças”, como costumam se chamar também. Ou os “caveiras”, em horas de maior descontração.

Previsão, conforme o relatório da Polícia Federal: matar o presidente eleito, se preciso fosse. Eliminar sua linha sucessória – o vice, Geraldo Alckimin -, o que eles viam como algoz: o ministro Alexandre de Moraes, o presidente do TSE das eleições, naquele ano, além de ministro do Supremo.

Supremo, dali por diante, só o poder deles, com o apoio do general Theophilo e seus kids, com a grana de uma parcela significativa do Agro e carta branca de Jair Bolsonaro, disposto a não passar a faixa presidencial para Lula de jeito nenhum. Se o seu grito no impeachment da presidente Dilma Rousseff, foi: “Viva Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”, nós todos poderíamos devolver para ele: “Lula, o pesadelo de Jair”. Não subiria a rampa, decretaram. Mas Lula subiu. Nos braços do povo, ao som de uma condenação prévia aos seus planos macabros: “Sem anistia”. 

Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Braga Netto, o general parado pela Justiça comum

"Essa não foi a primeira vez que Braga Netto se viu às voltas com uma operação da PF", lembra a jornlista Denise Assis

Denise Assis
Publicada em 16 de dezembro de 2024 às 17:51
Braga Netto, o general parado pela Justiça comum

General Braga Netto (Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil)

O general Walter Braga Netto, preso hoje (14/12), pela Polícia Federal, buscava o poder. Quando interventor no Rio de Janeiro, não admitiu que alguém se interpusesse no seu caminho ou questionasse a sua autoridade. Era o interventor e pronto. Os “estorvos” foram banidos e os milicianos e o crime organizado seguiram sem ser incomodados. Quase um pacto. Ele colheria resultados pífios, mas no seu período à frente da cidade as coisas se manteriam aparentemente calmas. Não deu. Havia uma Marielle Franco no meio do caminho. O Rio tremeu, ante a morte da vereadora. No 247 tive a oportunidade de levantar nas minhas primeiras participações ao vivo, logo depois do crime, uma certeza: a ação tinha mãos de alguém com formação militar. Nos moldes da ditadura (1964-1985). Era para não deixar rastros. E assim foi feito.

Marielle era uma das vereadoras mais votadas do Rio, cresceu na Maré, comunidade da Zona Norte, onde uma das primeiras ocupações do Exército entrou barbarizando, em 2014, sob a chefia do general Braga Netto.

Mas essa não foi a primeira vez que Braga Netto se viu às voltas com uma operação da PF. Em 12 de setembro de 2023, a Polícia bateu à sua porta e o incomodou. Naquela terça-feira, conforme relato do repórter André Lucena, de Carta Capital, a operação era contra os responsáveis pela intervenção federal no Rio de Janeiro, por suspeitas de fraude em compras de coletes balísticos.

“A Polícia Federal (PF) justificou que as apurações começaram por conta da cooperação de uma agência de investigação norte-americana, que trabalhava no assassinato do ex-presidente do Haiti, Jovenel Moïse, em julho de 2021”, descrevia Lucena, enquanto nos alertava:

“As datas são diferentes, já que a operação no Rio aconteceu em 2018, enquanto a morte de haitiano ocorreu em 2021; os eventos são distintos – uma operação federal em um estado brasileiro e um assassinato a um líder caribenho -, mas o ponto passa pela empresa norte-americana CTU Secutiry LLC”.

Em suas apurações, o repórter de Carta Capital chegou à conclusão que: “Antes de chegar no Rio, é preciso passar, primeiro, pelo Haiti. Jovenel Moïse foi morto a tiros quando estava em casa, em Porto Príncipe, em julho de 2021. Um dos órgãos responsáveis pela investigação foi a Agência de investigações de Segurança Interna dos Estados Unidos (Homeland Security Intestigations, ou HSI, na sigla em inglês). Ao apurar o caso, a agência constatou que a empresa mencionada forneceu apoio militar para o crime”.

Lucena considerou coincidência demais e aprofundou, chegando à seguinte conclusão: “Enquanto esmiuçava o histórico das contratações da empresa, os Estados Unidos, através da sua Embaixada no Brasil, notificou a PF acerca de um sobrepreço na compra dos coletes balísticos usados na intervenção no RJ.”

O caso foi esquecido. O então poderoso ministro da Casa Civil saiu-se com a declaração protocolar de sempre: “os contratos do Gabinete de Segurança de Intervenção Federal (GIF) seguiram absolutamente todos os trâmites legais previstos na lei brasileira”. O contrato foi suspenso, a empresa devolveu o dinheiro da compra dos coletes, mas a situação foi constrangedora. Não se falou mais nisso. Seria interessante, agora, aproveitar para passar a ficha corrida dele a limpo, não? Que tal um mergulho nas histórias do Haiti, onde fez dupla com o general Heleno em verdadeiros labirintos...?

Antes disso, entre 2005 a 2007, ele trabalhou como adido militar na embaixada do Brasil em Varsóvia, na Polônia, e de 2011 a 2013 exerceu a mesma função na embaixada brasileira em Washington, nos nos Estados Unidos.

Nascido em Belo Horizonte (MG), em 1957, ele foi aluno do Colégio Militar da capital mineira. Em 1975, entrou para a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), escola de formação de oficiais do Exército, em Resende, Rio de Janeiro. Formou-se em 1978 na arma de Cavalaria e tornou-se aspirante a oficial no período da transição. Sim, foi um dos filhotes da ditadura. Os formados pelos oficiais que, egressos da repressão, enchiam a cabeça dos jovens aspirantes de bravatas dos “bons tempos, quando o pau cantava” contra os “subversivos”.

Ele chegou ao posto de general em 2009, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), adversário de Bolsonaro nas eleições de 2022. Em 2013, Braga Netto assumiu o cargo de secretário de segurança presidencial e de chefe da Casa Militar da Presidência da República, no governo de Dilma Rousseff (PT). No mesmo ano, foi nomeado coordenador geral da Assessoria Especial dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, posição que ocupou até 2015. Estava lá, minando por dentro, usando a tática dos velhos comunistas. Vejam só!

De 2019 a 2020, foi chefe do Estado Maior do Exército, o segundo posto mais importante da Força. Deixou o cargo para assumir a chefia da Casa Civil de Bolsonaro, em fevereiro de 2020, no lugar de Ônix Lorenzoni (PL do Rio Grande do Sul), e passou para a reserva. Com os bolsos carregados de dinheiro. Em um único mês, chegou a ganhar, segundo justificou, “a título de férias acumuladas”, perto de um milhão de reais.

Foi ele a substituir o colega e general Fernando Azevedo da Silva e reformular o entorno militar de Bolsonaro, depois da crise instaurada em março de 2021, quando a saída de Azevedo da Silva levou a que os então comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica se demitissem em protesto. O presidente levantou suspeições de uma eventual ruptura institucional e colocou as Forças Armadas como sua linha auxiliar.

Como matar o presidente

Braga Netto permaneceu no cargo de ministro da Defesa até março de 2022. Mas foi no cargo de assessor especial da Presidência, posição que ocupou até 1o de julho, que se deleitou com o poder de fato, o que o animou a deixar o governo para ser vice do chefe e se dedicar à campanha. 

Em 28 de março, ele já havia se filiado ao PL e daí passou a articular para que nada mais fugisse do seu controle. Coordenou o gabinete da campanha, ao mesmo tempo em que trabalhava tendo em mente uma só diretriz: ou ganhavam, ou ganhavam. Fez da sua casa um ponto de conspiração. No dia 12, reuniu os Kids pretos para finalizar o plano da “Operação Copa-22”, que visava impedir a posse do Lula. No dia 25, abriu os salões para a elaboração da “Carta Aos Generais”, em que dava um ultimato aos comandantes das Forças Armadas, para a adesão ao golpe. (O 247 denunciou, no mesmo dia da circulação, a existência dessa carta, assinada por generais e oficiais da reserva e da ativa).

Mesmo que para isso ele tivesse que jogar fora a ética que, dizem, é ensinada nas Forças Armadas. Transformou o palácio do Planalto em bunker do golpe. Trouxe para perto de si os amigos Kids Pretos, ou os “Forças”, como costumam se chamar também. Ou os “caveiras”, em horas de maior descontração.

Previsão, conforme o relatório da Polícia Federal: matar o presidente eleito, se preciso fosse. Eliminar sua linha sucessória – o vice, Geraldo Alckimin -, o que eles viam como algoz: o ministro Alexandre de Moraes, o presidente do TSE das eleições, naquele ano, além de ministro do Supremo.

Supremo, dali por diante, só o poder deles, com o apoio do general Theophilo e seus kids, com a grana de uma parcela significativa do Agro e carta branca de Jair Bolsonaro, disposto a não passar a faixa presidencial para Lula de jeito nenhum. Se o seu grito no impeachment da presidente Dilma Rousseff, foi: “Viva Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”, nós todos poderíamos devolver para ele: “Lula, o pesadelo de Jair”. Não subiria a rampa, decretaram. Mas Lula subiu. Nos braços do povo, ao som de uma condenação prévia aos seus planos macabros: “Sem anistia”. 

Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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