Brasil vive sua ‘Lula de mel’

"Os brasileiros vivem a lua de mel com o novo presidente, comemorando ter um presidente que os representará", escreve Emir Sader

Emir Sader
Publicada em 04 de janeiro de 2023 às 12:11
Brasil vive sua ‘Lula de mel’

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante cerimônia de posse, no Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Na mesma semana, os dois brasileiros mais conhecidos do mundo foram destaques no Brasil e no exterior: Lula e Pelé.

A morte de Pelé 'serviu' não só para os brasileiros reverem as obras de arte do futebol que sempre consideraram o melhor jogador do mundo, mas também para se reconciliarem com ele. Os comportamentos pessoais, que tanta antipatia haviam gerado, foram deixados de lado, restando apenas as grandes emoções e conquistas que Pelé trouxe ao Brasil, inclusive os tricampeonatos mundiais de futebol, que só Pelé possui.

Mas se Pelé é unanimidade, Lula não. Ele venceu as eleições por uma pequena diferença, mas o próprio Bolsonaro se encarregou de facilitar a tarefa de Lula de fazer seu discurso voltar a ser hegemônico no Brasil. O ex-presidente praticamente sumiu da cena política e quando se pronunciou não deu nenhuma orientação que pudesse transformá-lo em um líder da oposição ao novo governo.

E, por fim, saiu do Brasil rumo a Miami, em avião presidencial, sem sequer pedir autorização, chegando aos Estados Unidos quando ainda era presidente legalmente. Seu vice-presidente, general Hamilton Mourão,  usou a última cadeia de mídia para fazer uma declaração enganosa. Ele disse que o presidente saiu sem nem falar com ele, tentando se distanciar de Bolsonaro. Mas, como é senador e terá uma carreira política pela frente, disse que não entregaria a faixa presidencial a Lula, tentando se projetar como líder da oposição.

Tudo isso foi pouco em comparação com as espetaculares cerimônias que Lula realizou ao longo da Esplanada dos Ministérios. Isso começou com seu desfile em carro aberto, o Mercedes Benz presidencial – e sem colete de proteção, como Lula decidiu. Recebeu todas as honras presidenciais dos diversos ramos das Forças Armadas, sendo aplaudido a todo instante pela multidão que lotou todo o trajeto de todos os ministérios até a chegada de Lula ao Palácio do Planalto.

Lá, Lula protagonizou o momento mais emblemático de todo o dia: subiu a rampa do Palácio do Planalto de mãos dadas com uma criança negra, uma negra (catadora de materiais recicláveis), - que foi quem colocou a faixa presidencial nele -, o líder indígena mais conhecido do Brasil, Raoni, um deficiente físico, busca reunir todas as expressões dos discriminados e excluídos do Brasil. A mulher dele, Janja, carregou a cachorrinha, chamada Resistência, porque lá se passaram os 580 dias que o Lula esteve preso, com todos nós que estivemos na Vigília, em apoio ao Lula.

Do parlatório do Palácio do Planalto, Lula fez seu mais importante discurso. Ele fez um balanço do que foi seu governo, relembrando todas as conquistas, desde seu discurso inicial 20 anos antes, quando disse que haveria uma revolução se todos os brasileiros fizessem três refeições por dia. 

De imediato, sem nunca mencionar o nome de Bolsonaro, falou dos crimes que, entre a pandemia e as políticas desastrosas daquele governo, foram cometidos contra o povo e que os responsáveis terão que pagar. O povo, que sempre entoava “Lula, guerreiro do povo brasileiro”, passou a entoar, ainda mais alto: “anistia não, anistia não, anistia não”, manifestando seu apoio aos processos contra Bolsonaro e os bolsonaristas. 

Pelo lado positivo, Lula reafirmou veementemente "democracia sempre" e, ao relatar o sofrimento dos abandonados nas ruas, foi às lágrimas duas vezes, pela empatia que tem com os abandonados. (Delfim Neto, o ministro da Fazenda da ditadura, confessou que Lula é o único político brasileiro que pode falar sobre a fome, porque é o único que a sofreu).

Lula reafirmou que não será vingativo, mas que jamais esquecerá o que o fizeram passar. (Em uma carta da prisão, quando propuseram um acordo, que ele disse “nunca trocaria sua liberdade por sua dignidade”).

Por fim, ele propôs o que pretende fazer nos próximos anos no Brasil, recuperando sua economia, com distribuição de renda e empregos. Encerrou com uma grande conclamação para que o Brasil voltasse a ser uma grande nação, governada por todos, diante dos aplausos gerais da multidão.

Passadas muitas horas do show musical, Lula voltou com Janja para agradecer a todos, aos artistas, à esposa, a quem beijou. Ele saiu, enquanto seguia o show até o meio da madrugada.

Para iniciar seu governo como tal, Lula assinou diversos decretos. Entre eles um que limita a venda e uso de armamentos. Outra que termina o sigilo devido a uma série de medidas de Bolsonaro, que buscava proteger a si e aos filhos de processos de corrupção. Assinou um decreto que proíbe os processos de privatização de empresas, entre outras medidas. O objetivo imediato é retomar o crescimento econômico, desenvolver as políticas sociais como eixo de seu governo e a geração de empregos. Também tomou medidas para proteger a Amazônia e o meio ambiente. A referência aos direitos das mulheres foi a mais importante, expressa na criação do Ministério da Mulher, juntamente com o Ministério dos Povos Indígenas, ocupado pela mais importante liderança indígena. O conjunto de 37 ministérios (ocupados, entre outros, por 11 mulheres) dá conta de todos os campos de atuação que Lula pretende desenvolver nos 4 anos. As mulheres vão dirigir os 2 mais importantes bancos públicos, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, além de outros cargos.

Em seu primeiro dia de trabalho, Lula se reuniu com 19 lideranças - entre elas seu grande amigo Alberto Fernández - que ocupou todo o dia. No dia seguinte, Lula foi ao enterro de Pelé, em Santos, para prestar as homenagens que todos os brasileiros prestaram.

Dias intensos, cheios de emoção para os brasileiros. Antes de Lula se encontrar com os presidentes dos EUA, China e Argentina – ele estará no dia 24 de janeiro na reunião da Celac.

Os brasileiros vivem a lua de mel com o novo presidente, comemorando mais uma vez ter um presidente que os representará a todos, com dignidade, falando de seus problemas, restabelecendo suas boas relações com o mundo. Uma espécie de 'Lula de mel', que Lula espera que continue pelos 4 anos de seu terceiro governo.

Emir Sader

Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

Comentários

    Seja o primeiro a comentar

Envie seu Comentário

 
NetBet

Envie Comentários utilizando sua conta do Facebook