Colaboração premiada deve ser admitida em ação civil pública por ato de improbidade administrativa, defende MPF
Mecanismo não representa inconstitucionalidade em relação ao princípio da legalidade, à indisponibilidade de bens e interesse público
Em parecer encaminhado nesta quinta-feira (21) ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Augusto Aras, defende a admissão dos acordos de colaboração premiada em ações civis públicas por atos de improbidade administrativa movidas pelo Ministério Público. Segundo o PGR, as recentes transformações no ordenamento jurídico brasileiro – com o aumento do autorregramento e da consensualidade processual, aliadas ao fato de que a colaboração premiada tem caráter de negócio jurídico processual – conduzem à conclusão de que a vedação prevista no artigo 17, §1º, da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) está em descompasso com o contexto jurídico-constitucional de efetiva tutela da probidade administrativa.
No entendimento do PGR, é preciso admitir a celebração de acordos de colaboração como negócios jurídicos atípicos no processo de improbidade administrativa, nos termos do disposto no artigo 190 do Código de Processo Civil combinado com o artigo 4º da Lei de Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013). Tal posicionamento, pondera Aras, não evidencia qualquer inconstitucionalidade em relação ao princípio da legalidade, à indisponibilidade de bens e interesses públicos ou aos efeitos em relação às demais ações de improbidade movidas pelos mesmos fatos.
O tema teve repercussão geral reconhecida na Corte (Tema 1.043). O pano de fundo da discussão (recurso extraordinário com agravo, ARE 1.175.650) diz respeito a uma ação civil pública movida pelo MP do Estado do Paraná (MP/PR) por atos de improbidade administrativa. No processo, o auditor fiscal Milton Antônio de Oliveira Digiácomo e mais 24 pessoas físicas e jurídicas foram apontadas como integrantes de uma organização criminosa que atuava na Receita Estadual do Paraná.
A ação foi um um dos desdobramentos cíveis das investigações decorrentes da Operação Publicano, relacionadas à prática de diversos crimes, como falsidade documental, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e organização criminosa. Por força de acordo de colaboração premiada, o MP/PR pleiteou apenas o reconhecimento da prática dos atos de improbidade, sem a imposição das penalidades correspondentes, a três réus colaboradores.
A Justiça de primeira instância decretou a indisponibilidade dos bens de vários réus, entre os quais os de Milton Digiácomo. O Tribunal de Justiça do Paraná manteve. Contra essa decisão, foi interposto agravo de instrumento, argumentando-se que a utilização da colaboração premiada em ação de improbidade não é admitida pelo ordenamento jurídico, e a decisão impugnada estaria, portanto, baseada em acordo ilegal e inconstitucional. A Corte estadual negou provimento, e, posteriormente, após apresentação de recurso, o caso foi submetido à apreciação do STF.
Ao analisar a questão, Augusto Aras destaca a existência de inovações trazidas ao ordenamento processual pelo Código de Processo Civil de 2015. Nesse sentido, o artigo 190 é claro ao prever que em processos sobre causas que admitam autocomposição, as partes podem pactuar mudanças no procedimento judicial, de forma a ajustá-lo às especificidades da demanda. “A negociação acerca do procedimento, em verdade, também tem fundamento nas diretrizes principiológicas de consensualidade e cooperação processual, de forma a estimular a colaboração entre os sujeitos processuais e propiciar melhor solução da controvérsia”, afirma Augusto Aras.
O PGR lembra ainda que a Lei de Improbidade Administrativa foi editada em momento de menor abertura à solução consensual no processo, e que, posteriormente à sua edição, houve vários avanços normativos na previsão de instrumentos de justiça negociada. “Assim, também por isso, há de se afastar a vedação constante do art. 17, §1º, da Lei 8.429/1992, reconhecendo-se que tal proibição parece ultrapassada e em dissonância com a instrumentalidade negocial dada ao próprio sistema sancionador brasileiro”, argumenta.
Pedido – Ao final, Augusto Aras opina pelo desprovimento do recurso extraordinário e, considerados a sistemática da repercussão geral e os efeitos do julgamento desse recurso em relação aos demais casos que tratem do mesmo tema, sugere a fixação da seguinte tese: “Há de ser admitido o uso da colaboração premiada em ação civil pública por ato de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público”.
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