Como Brizola na Campanha da Legalidade, é preciso deter o golpismo militar hoje

O apagamento da memória e da verdade histórica é uma técnica de dominação da classe dominante

Jeferson Miola
Publicada em 26 de agosto de 2023 às 09:26
Como Brizola na Campanha da Legalidade, é preciso deter o golpismo militar hoje

Luiz Inácio Lula da Silva e Leonel Brizola (Foto: Reprodução/Twitter/Lula)

“Avante brasileiros de pé / Unidos pela liberdade

Marchemos todos juntos com a bandeira / Que prega a lealdade

Protesta contra o tirano / Recusa a traição

Que um povo só é bem grande / Se for livre sua Nação”

Hino da Legalidade, letra de Lara de Lemos e Demósthenes Gonzalez e música de Paulo César Pereio [áudio aqui e letra completa ao final do texto].

O apagamento da memória e da verdade histórica é uma técnica de dominação da classe dominante.

Não se trata de esquecimento involuntário ou perda de memória, mas de uma escolha deliberada das oligarquias hegemônicas e sua mídia para impor uma versão farsesca e alienada da história.

Com o apagamento histórico, a elite invisibiliza as grandes lutas democráticas, as revoltas e resistências populares e a mística da luta por democracia, justiça e igualdade.

A história falsificada também permite à elite esconder o papel nefasto desempenhado pelos setores dominantes e suas Forças Armadas nas grandes tragédias de golpes e rupturas institucionais.

Assim como a impunidade concedida a perpetradores de crimes contra o Estado de Direito e a democracia, o apagamento da história encoraja setores golpistas e conspiradores a repetirem, a cada conjuntura propícia, seus intentos fascistas e antidemocráticos.

Não é por acaso, portanto, que neste 25 de agosto que lembra os 62 anos da Campanha da Legalidade [1961] não tenha sido publicada nenhuma nota em nenhum veículo de comunicação do país a respeito daquele acontecimento épico.

A partir do Palácio Piratini, sede do governo do Rio Grande do Sul, Brizola liderou a resistência civil e armada contra a tentativa dos militares de impedir a posse constitucional do vice-presidente Jango na Presidência da República depois da renúncia de Jânio Quadros.

Com a reação popular, os militares recuaram e condicionaram a posse de Jango à adoção do Parlamentarismo, o que foi aceito e extinto por plebiscito popular dois anos depois.

O mesmo apagamento histórico da Campanha da Legalidade também aconteceu na véspera, 24 de agosto, que marcou os 69 anos de suicídio de Getúlio Vargas, em cuja Carta Testamento ele denunciou que os poderosos, por meio das Forças Armadas, “Não querem que o povo seja independente”.

Os 69 anos daquela efeméride trágica também não tiveram direito a um único registro sequer em toda mídia.

Os dois acontecimentos históricos, apesar de suas características e cronologias específicas, tiveram em comum o protagonismo das cúpulas fardadas nas tentativas de golpe contra a soberania popular.

Tanto o suicídio de Getúlio como a Campanha da Legalidade foram respostas à conspiração militar que teve como desfecho exitoso o golpe militar de 31 de março de 1964.

O fim da ditadura em 1985 não representou o fim do protagonismo indevido das Forças Armadas na política nacional. Os militares continuam, ainda hoje, no centro dos ataques e ameaças à democracia; são um fator permanente de instabilidade e tensão.

A partir da segunda década deste século, os militares retomaram abertamente o ativismo político. A “presença oculta” deles já vinha desde os movimentos de desestabilização de 2013, quando presumivelmente integrantes da família militar portavam cartazes pedindo “intervenção militar”.

Em 29 de novembro de 2014 lançaram na AMAN [Academia Militar das Agulhas Negras] a candidatura de Bolsonaro, que viria a encabeçar a chapa militar para a eleição de 2018.

À continuação, os generais conspiradores Sérgio Etchegoyen e Eduardo Villas Bôas agiram como Pinochet fez com Allende, traíram a presidente Dilma, que os nomeara para o comando do Exército, e participaram da trama golpista com o usurpador Temer para derrubá-la.

Em 2018 o Alto Comando do Exército obrigou o STF a manter a prisão ilegal do presidente Lula para retirá-lo da eleição e abrir caminho para a vitória da chapa militar no contexto de uma eleição fraudada com a eliminação do principal competidor e virtual vencedor.

Depois da derrota da chapa militar Bolsonaro/Braga Netto na eleição de 2022, as cúpulas fardadas prepararam o golpe e organizaram contingentes de extremistas e terroristas para atentarem contra a democracia, os poderes de Estado e as instituições da República.

Com destemor e a entrega da própria vida, Getúlio Vargas e Leonel Brizola lutaram sem tréguas para salvar a democracia ameaçada pelos intentos golpistas dos militares.

Em respeito à memória do gesto dramático de Getúlio e da célebre Campanha da Legalidade do Brizola, a sociedade brasileira precisa se insurgir ao acordão em andamento para livrar a responsabilidade de altos oficiais e das cúpulas partidarizadas das Forças Armadas.

Anistia outra vez não! Será um erro gravíssimo. A impunidade dos fardados é uma porta aberta para a repetição de novos ataques para a destruição da democracia.

Esta é a mais favorável conjuntura para o Congresso, governo Lula, instituições e sociedade civil enfrentarem a questão militar de modo eficaz e corajoso. Desperdiçar esta oportunidade histórica significa assumir um risco que poderá ser fatal à democracia.

*** ***

Hino da Legalidade

Letra: Lara de Lemos e Demósthenes Gonzalez

Música: Paulo César Pereio

Avante brasileiros de pé

Unidos pela liberdade

Marchemos todos juntos com a bandeira

Que prega a lealdade

Avante brasileiros de pé

Unidos pela liberdade

Marchemos todos juntos com a bandeira

Que prega a lealdade

Protesta contra o tirano

Recusa a traição

Que um povo só é bem grande

Se for livre sua Nação

Avante brasileiros de pé

Unidos pela liberdade

Marchemos todos juntos com a bandeira

Que prega a lealdade

Jeferson Miola

Articulista

Comentários

  • 1
    image
    ANTONIO SERPA DO AMARAL FILHO 28/08/2023

    Na trajetória da democracia brasileira, que aliás começa em 15 de novembro 1889 com um golpe militar contra monarquia, sempre prevaleceu o espírito militaresco, se arvorando os militares o Poder Moderador e muitas vezes interventor da nação. As forças armada são uma instituição de Estado, e como tal deveriam se comportar, não uma instituição de governo. Com a ascensão do bolsonarismo, com a figura esdrúxula e ogra de Jair Messias Bolsonaro encabeçando essa ideologia de extrema-direita, o fogo do espírito militaresco ganhou fôlego nas estranhas orgânicas das forças armadas e isso alimentou sonho de mais um golpe militar em 08 de janeiro deste ano, passando os coturnos por cima dos ditames pétreos da Constituição e ameaçando o regular funcionamento a instituições do Estado Democrático de Direito. As forças democráticas e legalistas reagiram e jogaram água na fogueira desatinada dos golpistas, mas ainda há braseiros espalhados em alguns nichos políticos, militares e institucionais. As lideranças militares legalistas reagiram e substituíram os fardados bolsonaristas no exercício do poder, numa espécie de lavagem geral de roupa suja. A arraia miúda que invadiu as sedes dos três poderes da República e hoje boa parte está na cadeia em acerto de contas com a Polícia Federal e os operadores do direito da Justiça Republicana. Na década de 60, Brizola deu o exemplo, criando a Rede Nacional pela Legalidade, em favor do mandato de João Goulart, e essa referência histórica, como diz muito bem o articulista, de alguma forma faz eco na consciência democrática do povo brasileiro. Os golpistas não podem receber a benesse da anistia. A punição deve ser legal, imediata, exemplar e imprescritível.

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