Como o país com o maior sistema público do mundo tem 34,3% das mortes por Covid-19?

A Organização Mundial da Saúde (OMS) já advertiu que esse descontrole torna o Brasil um risco aos demais países

Maria Valéria C. Correia
Publicada em 29 de março de 2021 às 17:59
Como o país com o maior sistema público do mundo tem 34,3% das mortes por Covid-19?

O Brasil é o epicentro mundial da pandemia. No dia 27/03, teve 34,3% das mortes por Covid-19 no mundo, mesmo tendo apenas 2,7% da população mundial. A Índia teve 3,7% das mortes, mesmo tendo 17,6% da população mundial.

Foram 3.650 mortos pela Covid19 no dia 27/03. Vivemos uma crise sanitária e humanitária sem precedentes. A pandemia está sem controle e o sistema de saúde está em colapso, cresce o número de pessoas morrendo por falta de leitos. O Boletim Extraordinário do Observatório Covid-19 da Fiocruz, de 23/03, expõe que esse colapso tem se revelado no excesso de mortalidade: 1) com o aumento da mortalidade nos pacientes internados por Covid-19; 2) no aumento de mortalidade por desassistência, há registro de 9.311 brasileiros que morreram de Covid-19 em suas casas, sem falar nos inúmeros casos sem registro; 3) no aumento da mortalidade por outras doenças além da Covid-19, pela descontinuidade e/ou atraso no acesso aos serviços e no tratamento frente aos riscos de exposição ao vírus e suspensão de internações eletivas.

Como chegamos a esse ponto já que temos o maior sistema público do mundo, o SUS, e o melhor e mais bem estruturado Programa de Imunização? O que está acontecendo no Brasil?

A pandemia está descontrolada e o Brasil se torna uma ameaça ao mundo, pois a transmissão sem controle tem provocado o surgimento de novas cepas do vírus e tem sido um cenário favorável para o vírus sofrer novas mutações. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já advertiu que esse descontrole torna o Brasil um risco aos demais países.

O resultado da pesquisa sobre as normas federais e estaduais relativas ao novo coronavírus - do Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA) da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP) junto com a Conectas Direitos Humanos, uma das mais respeitadas organizações de justiça da América Latina -, revelou a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo Governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República.

O governo federal tem se esforçado para manter e agravar a pandemia, minimizando-a, contribuindo para a propagação do vírus, combatendo as medidas restritivas, negando a ciência e as orientações da OMS, recomendando o tratamento precoce inexistente, retardando o processo de vacinação e promovendo uma guerra de desinformação, desde o início da pandemia no Brasil. Todos não esquecem do que o presidente vem falando há um ano: “é só uma gripezinha”, “histórico de atleta”, “eu não sou coveiro, tá certo?”, o Brasil deveria "deixar de ser um país de maricas" ,“Vão ficar chorando até quando?” deixar de “mimimi”, entre tantas atrocidades ditas e feitas.

O genocídio segue em curso sob o comando da presidência

Os traços de fascismo são cada vez mais nítidos. No último dia 25, o assessor internacional da Presidência, em sessão no Senado, fez gesto associado a supremacistas brancos. Vale recordar que em janeiro de 2020, o então secretário especial da cultura, fez apologia ao nazismo, ao reproduzir, publicamente, discurso do ministro da propaganda nazista de Hitler.

Pedro Hallal, epidemiologista e coordenador da pesquisa nacional Epicovid que acompanha o avanço do coronavírus no Brasil, afirmou que três em cada quatro mortes por Covid-19 no Brasil poderiam ter sido evitadas caso o país tivesse uma boa gestão da pandemia, ou seja, 75% das mortes poderiam ser evitadas.

Até a presente data o governo federal não tem um plano nacional de enfrentamento da pandemia e o “plano nacional de operacionalização da vacinação contra a covid-19” apresentado pelo Ministério da Saúde, em 12/12/2020, foi uma exigência do STF. Os insuficientes passos do Governo Federal para o enfrentamento da Covid-19 são resultados de iniciativas do Congresso ou de ações judiciais movidas pelos partidos de oposição.

Em declarações recentes, o diretor-geral da OMS, Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, alertou que, caso medidas de impacto no controle da pandemia não sejam adotadas urgentemente no Brasil, o país tornar-se-á uma grave ameaça sanitária mundial.

A política de disseminação da Covid-19 e de descaso na aquisição da vacina do governo Bolsonaro se tornou uma ameaça à humanidade.

Houve atraso intencional na aquisição de vacinas no Brasil

Caso o ex-Ministro da Saúde tivesse fechado o acordo de compra com a Pfizer em agosto do ano passado, desde dezembro de 2020 já teríamos 70 milhões de vacina no Brasil.

Em maio de 2020, o presidente Jair Bolsonaro se recusou a fazer parte do consórcio Covax Facility da OMS/Unicef. Em outubro, o Brasil ingressou nesse consórcio com participação mínima, o que dá direito a vacinas para 10% da população, ao invés de 50%. Com esse atraso, perdemos a prioridade e não pedimos o total de vacinas que poderíamos ter solicitado, cerca de 211 milhões, só pedimos 42,5 milhões.

Em 20 de outubro de 2020 o então Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, anunciou a compra de 46 milhões de doses da Coronavac. Em menos de 24 horas após o anúncio do Ministro da Saúde, o presidente da República, desautorizou Pazuello e suspendeu a compra da vacina CoronaVac.

O Governo Federal não fez nenhuma comunicação pública ou propaganda para esclarecer a sociedade de como se prevenir da Covid-19 e para incentivar a vacinação. Pelo contrário, Bolsonaro fez campanha contra a vacinação, afirmando que ele próprio não iria se vacinar e que as pessoas imunizadas poderiam virar um “jacaré”. Posicionou-se publicamente contra a imunização: “Não vou tomar vacina e ponto final. Minha vida está em risco? O problema é meu”. Tem havido uma proliferação de fake news nas redes sociais sobre o falso tratamento precoce e sobre o uso da vacina ou “vachina”, como apelidou o Presidente, sobretudo, pelo WhatsApp, influenciando o comportamento da população diante da pandemia.

Até 28/03/2021, apenas 2,89% da população brasileira (4.625.996) recebeu a segunda dose da vacina. De acordo o MonitoraCovid-19/Fiocruz, mantida essa velocidade, o Brasil levará cerca de quatro anos e meio ou 1.729 dias até que toda a população receba as duas doses.  Lembram-se que o ex-Ministro da Saúde chamou de “ansiedade” a pressa para a imunização?

No dia 23 de março o presidente fez pronunciamento em cadeia nacional sobre a vacinação, mentido durante os mais de 3 minutos de fala. Em 24/03, depois de um ano de pandemia no país, realizou uma  reunião com os presidentes dos Poderes Legislativo e Judiciário e com governadores aliados, anunciando que o governo criará um comitê para gerenciar a crise da pandemia de Covid-19. Declarou mais um escalabro: “Vamos nos dedicar à vacinação em massa, mas também ao tratamento precoce". Não mencionou medidas restritivas, pelo contrário, entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra as medidas adotadas por três governadores – da Bahia, Rio Grande do Sul e DF.

Defesa da Vacina exclusivamente pelo SUS

Têm existido várias tentativas de aquisição das vacinas contra a Covid-19 pelo setor privado para burlar os critérios de prioridade estabelecidos no plano nacional de imunização e estabelecer a quebra da fila única sob o comando do SUS através do Programa Nacional de Imunização. Essa aquisição foi prontamente aceita pelo Presidente e se tornou Lei em fevereiro de 2021. Entretanto, a Lei 14.125/21, condicionou a permissão do setor privado comprar vacina à obrigatoriedade de doação ao SUS de 100% das vacinas, enquanto todos os grupos considerados prioritários não sejam vacinados. A Justiça Federal em Brasília considerou inconstitucional essa Lei, devido a referida obrigatoriedade.

A desobrigação dessa contrapartida ao SUS é fruto da pressão do setor privado que coloca os interesses mercantis acima da vida. O artigo de Paulo Ribeiro, de 27/03/2021, no Esquerda online, faz uma análise dos interesses da burguesia nacional em jogo nesse processo.

Ressalta-se que a venda de vacina ao setor privado prejudicará o abastecimento do setor público, pois, diante do cenário de pouca disponibilidade de vacina, qualquer quantidade que vá para o setor privado, será vacina a menos para o setor público, que constitucionalmente tem a obrigação de atender a todos/as, independentemente de sua capacidade de pagamento.

Urge adoção de medidas restritivas – Lockdown – em todo país para reduzir a transmissão do vírus + Auxílio Emergencial

Diante da lentidão da vacinação e do colapso do sistema de saúde, o momento exige a adoção coordenada e imediata de medidas restritivas rígidas da circulação de pessoas com lockdown por 21 dias, em âmbito nacional, para redução da transmissão da Covid-19. Para viabilizar o cumprimento dessas medidas, é fundamental assegurar um efetivo auxílio financeiro emergencial no valor de 600 reais até o final da pandemia às pessoas em situação de vulnerabilidade e o apoio às empresas em dificuldades de manter empregos e salários (Carta aberta da Frente pela Vida e Conselhos de Saúde ao povo brasileiro - União Nacional para Salvar Vidas, de 18 de março de 2021).

Necessidade de barrar o Presidente e apurar seus crimes

É necessário rapidez na apuração dos crimes contra a população brasileira cometidos pelo Presidente e pelo ex-Ministro da Saúde durante a pandemia. A Procuradoria da República no DF investiga a utilização de recursos públicos para compra de medicamentos ineficazes, omissão diante do colapso em Manaus e ausência de providências para aquisição de vacinas, em Inquérito Civil que apura supostos atos de improbidade administrativa atribuídos ao ex-Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Em 11/03, Senadores pediram ajuda do CNS para instalação da CPI da Covid-19. O objetivo é investigar as ações e omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus o país.

Em 23/03/21 a OAB pediu à Procuradoria Geral da República que apresente denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro ao STF por crimes cometidos durante pandemia da Covid-19 previstos no Código Penal. No documento, a OAB critica o fato de o governo federal indicar a hidroxicloroquina como medicamento preventivo da Covid-19 e o uso de recursos públicos para a compra do medicamento. Existem 56 pedidos de impeachment ativos que incluem episódios como a convocação para um ato contra o Congresso Nacional; o discurso inverídico sobre uso de cloroquina para tratamento precoce contra Covid-19; e a suposta interferência na Polícia Federal. Urge o andamento desses pedidos.

O SUS, maior sistema público do mundo, tem demonstrado sua importância decisiva para atender à população, mesmo sofrendo, principalmente, nos últimos 5 anos, um processo de desmonte, privatização e desfinanciamento. Sem o SUS, o drama vivido seria bem pior. Por isso, mais que nunca, precisamos defender o SUS público e estatal, a valorização das suas trabalhadoras e trabalhadores e, cessar, com brevidade, a política de morte coordenada pelo Governo Bolsonaro, antes que mais vidas sejam perdidas! Fora Genocida! É pela vida das brasileiras e brasileiros! É pela segurança da humanidade!

Maria Valéria C. Correia, profa. Dra. da FSSO/UFAL

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