Como os presidiários estão convivendo com a Covid 19?

O Brasil é hoje o terceiro maior país em número de presos do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da China

Por Débora Veneral
Publicada em 08 de junho de 2020 às 17:03

O Brasil é hoje o terceiro maior país em número de presos do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da China. A cadeia é um ambiente comumente insalubre, onde há racionamento de água, sendo que o contato contínuo de todos os presos, aliado à superlotação carcerária, certamente contribuirá para a disseminação da doença. Impossível, ao menos de imediato e concomitantemente, toda a população carcerária ter acesso aos produtos e mecanismos que auxiliam na prevenção do COVID-19, pois sabemos dos entraves orçamentários e de gestão de políticas públicas que permeiam nosso sistema.

Se o álcool gel se tornou inicialmente um produto escasso para os cidadãos que vivem na sociedade, sem sombra de dúvidas, passou a ser inacessível àqueles privados da liberdade. Quanto aos cuidados primários e preventivos contra o vírus, nem mesmo água e sabão são garantias de não contaminação, em razão das restrições internas que são postas para a entrada de objetos e produtos nas celas.

Em tempos de COVID-19, o sistema carcerário também sofre com a epidemia. Se o coronavírus tem se espalhado pelo país a uma velocidade considerável, em locais onde as pessoas têm liberdade, certamente se instalará com maior rapidez em ambiente carcerário, em que é comum aglomeração, ou melhor, um amontoado de pessoas em condições precárias, como é o caso do sistema prisional. Bastaria, assim, que um fosse contaminado e permanecesse na cela dentre os demais ou tivesse contato com algum agente prisional infectado, para disseminar a doença.

Eis aí o efeito cascata necessário à proliferação. E é exatamente isso que começamos a testemunhar nos últimos dias. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a partir de 1º de maio os casos de contaminação entre os detentos saltaram de 243 para 1406, o equivalente à evolução de 478% em apenas quatro semanas. Esse índice de crescimento também se deu entre os policiais penais que trabalham nas Unidades Prisionais do País. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) tivemos 38 presos e 36 servidores mortos nestes últimos dias, ou seja, a contaminação não escolhe suas vítimas e, atualmente, o maior foco se concentra no Complexo da Papuda, em Brasília. Todavia, não é possível termos números exatos de óbitos e de presos contaminados, visto que os números oscilam de um dia para o outro em todo o país.

Diante do atual cenário, é inevitável que os mais de 770 mil presos do país, de acordo com dados do último censo, estejam nutrindo sentimentos de pavor, medo, aflição e total insegurança, pois sabem da precariedade do sistema carcerário brasileiro. De norte a sul do país a situação é a mesma, presos deixaram de receber visitas, direito este previsto na lei de execução penal (art.  41, X).

No entanto, assim como quem estava em liberdade passou a obedecer às regras e normas dos governos federal, estadual e municipal, quanto à quarentena, para evitar a contaminação ou proliferação do COVID-19, não foi diferente no sistema penitenciário, que precisou suspender as visitas aos presos. Até aí, em um primeiro momento, é perfeitamente compreensível. Todavia, considerando que se vão mais de 60 dias das medidas implementadas, começa a surgir um clima tenso que alia a ausência de contato com os familiares, ou seja, o isolamento e suas restrições, com o aumento do índice de contaminação dentro das Unidades Prisionais. Apesar de no último dia 06 de maio de 2020 ter sido editada portaria (nº 14) do Ministério da Justiça, que regulamentou o uso obrigatório de máscara de proteção facial como medida de proteção, prevenção e controle do COVID-19 em todos os espaços das penitenciárias federais, sejam eles abertos ou fechados, por todos os servidores, colaboradores, terceirizados, advogados, autoridades e qualquer pessoa que tenha autorização para adentrar na Penitenciária Federal, a fim de evitar a disseminação da doença, essa medidas não são suficientes para a solução do problema,  seja em âmbito federal ou estadual a situação já instaurada.

É imprescindível que os departamentos responsáveis pelo sistema penitenciário brasileiro, tanto no âmbito federal como estadual, implementem ou deem continuidade com a máxima urgência a plano de ação não somente para conter a disseminação da contaminação pelo COVID-19, mas também para realizar um trabalho com o judiciário visando verificar a situação relativa à pena de cada sentenciado a fim de conceder benefícios, caso já tenham seus requisitos preenchidos, evitando desse modo que sejam contaminados e façam parte, ainda que involuntariamente, de movimentos de subversão à ordem ou disciplina, conforme rascunho do atual cenário. 

Neste caso a probabilidade do aumento de tentativas de fugas, rebeliões ou até mesmo resgate de determinados presos é bastante grande, pois o desespero é a mola propulsora para a busca da liberdade a qualquer preço, sobretudo, em tempos de pandemia.

Autora: Débora Veneral é advogada, professora universitária e diretora da Escola Superior de Gestão Pública, Política, Jurídica e de Segurança do Centro Universitário Internacional Uninter.

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