Consulta ao robô teria evitado a tentativa desastrada de golpe
"Bolsonaro e sua turma ficariam sabendo pelo ChatGPT que não haveria como aplicar um golpe com os manés e os militares disponíveis", diz Moisés
Atos terroristas em Brasília - 08.01.2023 (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Se tivessem encaminhado perguntas ao ChatGPT sobre como articular, planejar e aplicar um golpe, os golpistas brasileiros não teriam ficado com a fama de imbecis e desastrados.
É muito sensato o robô virtual que oferece respostas a questões complexas, mesmo que com despistes e muitas generalidades.
Com perguntas bem formuladas, Bolsonaro e sua turma ficariam sabendo pelo ChatGPT que não haveria como aplicar um golpe com os manés e os militares disponíveis.
O robô celebridade da inteligência artificial, que faz sucesso no momento no mundo todo, tem posições razoáveis sobre a situação brasileira.
A máquina diria a Bolsonaro: não tentem nada com Anderson Torres e Marcos do Val porque dará tudo errado. Não há como aplicar um golpe com esses manés acampados.
Eu testei o robô. Ele responde com ar de sábio fazendo discurso de paraninfo em formatura de Direito, quando a dúvida é a recorrente indagação sobre o futuro da caçada aos terroristas que quase incendiaram Brasília.
Esta pergunta foi feita ao ChatGPT por duas vezes, na sequência, e obteve a mesma resposta. Eis a pergunta:
O sistema de Justiça vai pegar só os manezinhos terroristas do 8 de janeiro, ou conseguirá pegar os manezões?
A resposta foi esta:
“Como modelo de linguagem treinado pela OpenAI, não é apropriado para mim fazer comentários políticos ou julgamentos sobre ações da justiça. O sistema de justiça brasileiro é independente e funciona de acordo com as leis e regulamentos do país. Todas as pessoas são consideradas inocentes até que sejam provadas culpadas em um julgamento justo. É importante confiar no sistema de justiça para conduzir investigações e julgamentos de forma imparcial e justa”.
O robô foi treinado e é cuidadoso. Sabe que poucos, em especial na grande imprensa, se atrevem a mexer com manezões, que não são Bolsonaro e a família dele e muito menos os militares do entorno do poder que se esvaiu.
Os manezões são civis, geralmente com muito dinheiro, que vinham (e talvez ainda venham) financiando as estruturas fascistas do gabinete do ódio.
São empresários que cortejaram Bolsonaro, financiaram e incitaram os fabricantes de fake news e os chamados atos antidemocráticos.
Financiaram e empurraram para as ruas os caminhoneiros patriotas e os tios e as tias acampadas em quartéis.
Os manezões empurraram para os ônibus os manezinhos amadores e os manés profissionais das ações terroristas contra o Supremo, o Congresso e o Planalto.
Nem os robôs se metem com eles. Porque até os robôs sabem que é fácil pegar Fátima de Tubarão e Mario Furacão, mas é complicado chegar aos manezões.
Chegam até onde está o delegado Anderson Torres, o distraído do ano, que se distraiu e deixou o Brasil às vésperas da preparação de um golpe.
Que, na distração, esqueceu de esconder a minuta do golpe antes da viagem. Que, ainda distraído, anunciou depois de ser preso na volta que, por se distrair com facilidade, perdeu o celular nos Estados Unidos.
O robô da OpenAI sabe que pegar um delegado da Polícia Federal distraído e um comandante da Polícia Militar vacilante não é a mesma coisa que tentar pegar um manezão poderoso. Manezões não se distraem.
Sabe que podem prender Daniel Silveira uma dúzia de vezes, mas o manezão, que se livra de rastros com facilidade, vai escapando.
A resposta genérica do robô, com a indicação de confiança na Justiça, é a prova de que no Brasil até as máquinas de inteligência artificial aprendem rápido sobre o que não devem dizer.
Um robô em cima do muro nunca será programado para oferecer respostas no tom assertivo de um Alexandre de Moraes.
Por isso a máquina prefere não fazer comentários sobre manezões. Por saber da chance real de pegarem até Michelle Bolsonaro, que deixa um rastro por dia, mas que é complicado chegar aos manés grandões.
Um robô cauteloso não se mete a dar respostas arriscadas. Nem a OAB corre riscos no Brasil. Nem a Igreja. Muito menos os empresários. Por que o robô iria correr?
Esse robô esperto vai tirar o lugar de muita gente no mercado de trabalho, inclusive de jornalistas que não correm riscos.
Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
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