Debate no Superior Tribunal de Justiça destaca necessidade de mais política social e menos repressão penal

Diálogo contou com a participação da procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat

MPF
Publicada em 12 de março de 2020 às 14:45
Debate no Superior Tribunal de Justiça destaca necessidade de mais política social e menos repressão penal

A importância de uma política criminal que invista mais em políticas sociais e menos na repressão penal marcou os debates da mostra de painéis Direitos Humanos e Política Criminal, promovida na quarta-feira (11) pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e que contou com a participação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF).
 
Em painel que tratou da política criminal no contexto da Constituição Federal de 1988, a procuradora dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, destacou o caráter emancipatório do texto constitucional, que é resultado de lutas para a reformulação das dominações que conformaram historicamente a sociedade brasileira – marcada pela supremacia do ente masculino, branco, burguês e heterossexual.
 
“É nessa conformação social que até então residia o sujeito arquetípico do direito: aquele que ocupa o centro, enquanto os considerados ‘desviantes’ ficam deslocados às margens. Uma sociedade que tem como base um direito penal que avança nas periferias para proteger os centros”, destacou.
 
A PFDC ressaltou que a Constituição de 1988, resultado de conquistas emancipatórias, vai reformular esses lugares sociais. Uma carta de direitos pautada por um projeto utópico de busca da igualdade e da não discriminação e que trata o direito penal de maneira residual.
 
“Não existe, na Constituição Federal de 1988, direito penal fora do art. 5º, que estabelece que  todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, com garantia do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. É, portanto, um direito penal voltado a garantir direitos fundamentais e que repudia as formas contemporâneas mais expressivas da violência – como o racismo, a tortura e o terrorismo”.
 
Nesse sentido, a PFDC questionou o uso de uma política criminal que segue avançando nas periferias para proteger os centros – tal como ocorria nos processo europeu de colonização e de escravidão na América, vista como espaço periférico de experimento da violência máxima.
 
“Se o direito penal é concebido na Constituição de 1988 como garantia dos direitos fundamentais, é preciso questionar políticas que violam essa concepção – como é a da atual Lei de Drogas, por exemplo, que encarcera negros e jovens das periferias, em ofensa ao princípio da igualdade. Esse não é um direito penal possível na Carta de 1988”.
 
Também nessa perspectiva, o defensor público do estado do Rio de Janeiro Pedro Carriello apontou a seletividade penal na política criminal brasileira e observou que, na atualidade, a zona sul da cidade do Rio e o plano piloto de Brasília também fazem das periferias seus laboratórios de experiência de violência institucional.
 
Para ele, nos 30 anos da Constituição, pouco se alcançou, uma vez que a população carcerária só aumenta, havendo uma seletividade que tem cor e que se volta a grupos sociais em vulnerabilidade – como migrantes e indígenas, por exemplo. "É uma política racialista, em sentido do retrocesso e da seletividade”, afirmou.
 
O defensor destacou que a massa carcerária do Brasil é predominantemente fruto do tráfico de drogas e destacou levantamento da DPRJ que analisou 2.591 sentenças, entre 2014 e 2016, e identificou o estereótipo desses presos: réu primário, sem antecedentes criminais, preso em flagrante, sozinho, desarmado, com pouca quantidade de drogas e na periferia.
 
"Esse é o destinatário dessa política da guerra às drogas que ninguém vence", observou.
 
Para o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que presidiu o debate, esse estado de coisas que traz perplexidade a todos nós deve ser enfrentado na efetividade dos direitos fundamentais. “A democracia é o melhor caminho”, disse ao destacar a importância da implementação dos projetos de justiça restaurativa no âmbito do sistema prisional.
 
Abordagem de gênero - O diálogo no STJ também colocou em foco a questão de gênero na interface entre direitos humanos e política criminal e trouxe como convidada a professora da Universidade de Salamanca Nieves Sanz. "A melhor política criminal está em uma boa política social. O Código Penal não impede os crimes. A solução está onde sempre esteve, na educação", destacou.
 
Para a especialista, política criminal não é sinônimo de direito penal. “Política criminal são medidas sociais, econômicas, ambientais, culturais e também de direito penal. Porém, toda política que decida acabar com um problema criminal só por meio do direito penal tende ao fracasso”. Nieves Sanz destacou a questão de gênero no sistema penal e a necessidade de escuta das mulheres como garantia para que exerçam seu direito autonomamente. “O sistema penal muitas vezes substitui a vontade dessas mulheres e acaba presumindo o que elas querem ou devem fazer”.  
 
Também trazendo uma abordagem de gênero, a promotora Danielle Martins Silva, titular da Primeira Promotoria de Justiça de Defesa da Mulher em Situação de Violência Doméstica, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), destacou a necessidade de uma abordagem ampla na proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. “Cabe ao sistema de Justiça não apenas dar a resposta estatal a partir do ajuizamento de uma ação penal, mas também cumprir uma função executiva, que é estruturar a rede em torno dessa questão da violência", ressaltou.
 
O diálogo no Superior Tribunal de Justiça foi organizado pelo ministro Sebastião Reis Júnior e, entre seus participantes, contou com a presença do corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins; da pró-reitora e diretora da Universidade Cândido Mendes, Andreya Mendes Navarro; do desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) Arnoldo Camanho de Assis; da presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), juíza Renata Gil, e da presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), juíza Noemia Porto.

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