Decisão do STF sobre responsabilizar a imprensa por entrevistas não estimula pedidos de indenização, analisa especialista
O advogado criminalista Filipe Silveira avalia que a decisão não chega para estimular a possibilidade de se requerer indenização dos meios de comunicação
O advogado criminalista Filipe Silveira defende que a Constituição Federal já garante a possibilidade de se indenizar alguém em razão de danos sofridos por uma informação equivocada ou mal feita, mas não determina que no tempo da divulgação já deveriam existir indícios concretos da falsidade da informação
A recente determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) de responsabilizar a imprensa por falas de entrevistados tem gerado polêmica e preocupado os profissionais da área, uma vez que as entrevistas são um elemento fundamental para o exercício do jornalismo. O advogado criminalista Filipe Silveira avalia que a decisão não chega para estimular a possibilidade de se requerer indenização dos meios de comunicação.
Silveira defende que, para compreender a decisão do STF, é necessário recordar duas premissas fundamentais: primeiro, a Constituição Federal já permite – inclusive como direito fundamental – a liberdade de informação, o livre pensamento e o direito de resposta e a indenização por dano material, moral ou à imagem. Segundo Silveira, isso significa, portanto, que “a Suprema Corte brasileira não criou um direito novo, apenas tratou de um direito já existente”.
“A segunda premissa reside no fato de que o recente julgamento do STF não contradiz ou se opõe ao julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 130), que reconheceu a inconstitucionalidade da Lei de Imprensa, na medida em que, naquele julgado, também já havia sido reconhecido que eventuais abusos podem resultar no direito à indenização”, relembra Silveira.
“Fixadas essas premissas, portanto, não é razoável interpretar-se que o reconhecimento da possibilidade do direito à indenização em decorrência de eventuais abusos da imprensa seja considerado um tipo de censura”, reflete. “O que se exige, apenas, é a cautela na divulgação da informação o que, aliás, já é feito pela grande maioria dos profissionais da área que se preocupam em levar a informação e a crítica à sociedade”, reconhece o advogado, ao destacar, ainda, que “a confirmação das fontes, a oitiva de diversos pontos de vista são premissas saudáveis da atividade de imprensa”.
“O trabalho da imprensa não muda, a preocupação com a qualidade da informação, da fonte e da existência de documentos de suporte continuarão a existir normalmente. Quando uma das partes prefere não se manifestar, então não haverá como argumentar que o meio de comunicação tenha agido com violação do dever de cuidado, razão pela qual não estará confirmado o requisito firmado pela tese do STF”, comenta Silveira.
Determinação não estimula pedidos de indenização
Na avaliação do advogado criminalista, a decisão do STF não fomenta pedidos de indenização contra veículos de comunicação, por parte de pessoas supostamente prejudicadas em entrevistas. “Se de um lado a decisão tomada pela Suprema Corte, não ocasiona uma novidade (já que o direito de indenização já estava previsto na Constituição), por outro, existem questões de suma importância que não foram tratadas no julgamento e que merecem a devida atenção da comunidade jurídica e da sociedade como um todo”, aponta.
A tese firmada pelo STF possui a seguinte redação em sua parte final: “Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.
Silveira observa que a primeira questão que vem à tona é temporal. “É de suma importância, pois, o julgado cria um critério que não está na lei. A lei garante a possibilidade de se indenizar alguém em razão de danos sofridos por uma informação equivocada ou mal feita, mas não determina que no tempo da divulgação já deveriam existir indícios concretos da falsidade da informação. Na prática, portanto, a criação desse critério, permite até mesmo a redução das hipóteses de responsabilização da reportagem com conteúdo falso, caso se demonstre que, mesmo havendo erro, esse erro não era identificável ao tempo da divulgação da informação”, explica.
De acordo com o criminalista, outro ponto essencial se relaciona com a abertura semântica da palavra indícios. “Afinal, o que eles significam? O Código de Processo Penal define indícios como “a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”. Sobreleve-se, uma vez mais, que o conceito de indícios existente no Código de Processo Penal, se interpretado de acordo com seu sentido semântico, somente permitirá eventual indenização do meio de comunicação se (i) à época da divulgação da reportagem já seria possível identificar a falsidade e (ii) a falsidade identificável deveria ser atestada por indícios (circunstâncias conhecidas e provadas). Os critérios firmados na tese, até aqui, portanto, não facilitam a responsabilização do meio de comunicação, na verdade, os dificultam”, avalia Filipe Silveira.
O último critério firmado na tese determina que o meio de comunicação responsável pela divulgação da informação tenha deixado de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios. “Por dever de cuidado deve-se compreender os conceitos de imprudência, negligência e imperícia que conformam a ideia de culpa (ato não intencional) no Direito Brasileiro. Assim, para além de haver prévia demonstração de que a falsidade seria identificável, bem como que essa identificação deve ocorrer por meio de indícios (circunstância conhecida e provada), também será necessário demonstrar que o meio de comunicação agiu de forma negligente ou imprudente desconsiderando fatos e fontes que já seriam de seu conhecimento prévio. Uma vez destrinchados os critérios firmados na tese, não há como afirmar que o julgamento tenha desbordado dos direitos fundamentais previamente fixados na Constituição Federal e nem que tenham aumentado as hipóteses de responsabilidade da imprensa brasileira”, explica.
Outras preocupações
“Existem questões que são preocupantes. De fato, o STF não criou um novo direito. Porém, da forma como a tese foi firmada há, aparentemente, a criação de critérios que não estão previstos na legislação e nem na Constituição. Por exemplo, a necessidade de se demonstrar temporalmente que à época da divulgação da reportagem já seria possível identificar a falsidade. Esse requisito, acaba por limitar o âmbito de responsabilidade e não expandi-lo”, considera Silveira.
O caso avaliado pelo STF
Ainda para o advogado criminalista Filipe Silveira, outro ponto importante da determinação diz respeito ao caso julgado pela Suprema Corte. “O recurso extraordinário em debate decorre da seguinte situação fática: um delegado de polícia acusou um determinado cidadão de ser um dos responsáveis por um suposto crime, o que foi publicado por um meio de comunicação de Pernambuco. Discutia-se, então, se o meio de comunicação seria ou não responsável pelo conteúdo da matéria jornalística. Ocorre que há questões importantes que estão encobertas pelo julgado”, recorda.
Segundo o advogado, de início, “é necessário debater se um agente do Estado, especialmente responsável por uma investigação criminal, poderia acusar publicamente uma pessoa de ser o autor de um fato criminoso”. “Esse debate possui relevância, pois a Constituição Brasileira prevê o princípio da presunção de inocência, o qual se manifesta como regra probatória (o ônus de acusar é da acusação e a dúvida favorece o acusado) e como regra de tratamento (o acusado somente pode ser considerado culpado após o trânsito em julgado)”, argumenta Silveira.
“A dimensão desse princípio como regra de tratamento proíbe, na órbita interna do processo penal, o abuso de prisões cautelares e, na órbita externa ao processo, que o Estado garanta proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização precoce do acusado, especialmente aquelas decorrentes dos agentes públicos estatais”, pondera.
O reconhecimento dessa dimensão do princípio da presunção de inocência já foi, por exemplo, atestada pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) nos casos Allenet de Ribemont vs França (Application no. 15175/89) e GCP vs Romênia (Application no. 20899/03), nos quais agentes públicos concederam entrevistas acusando os cidadãos de prática de crime, o que resultou na violação do princípio da presunção de inocência e, consequentemente, na anulação do processo penal.
“Esses julgados não deixaram de analisar o eventual conflito entre os princípios do direito à informação e da presunção inocência, tendo sido firmada a compreensão de que, em casos tais, a presunção de inocência não deve impedir o direito à informação, porém exige que as informações sejam sempre divulgadas de forma discreta e prudente. Além da questão atinente à responsabilidade da imprensa, a questão específica sob julgamento também deveria tratar da responsabilidade do estado brasileiro, já que o autor da informação falsa era um agente estatal que concedeu entrevista em razão da função desempenhada”, defende o criminalista, ao acrescentar que existe uma necessidade urgente de “se aprofundar no direito a dimensão externa da regra de tratamento do princípio da presunção de inocência”.
“Isto é, os representantes do Estado deveriam ter mais cuidado ao divulgar informações sobre investigações e acusações, sob pena de nulidade do processo por violação fair trial (processo justo)”, alerta.
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