Decisão polêmica ameaça mais de setenta famílias de posseiros com despejo
A área objeto de litígio corresponde aos Lotes 62, 63 e 64 da Gleba Corumbiara, setor 7, na Linha 85, no Distrito de São Lourenço, em Vilhena, também conhecidos como Fazenda Vilhena
No último dia 18 de janeiro de 2021 a juíza da segunda vara cível de Vilhena contraria MPF e autoriza despejo de 70 famílias de pequenos agricultores ocupantes de terra pública dos lotes 62, 63 e 64 da área da antiga Fazenda Vilhena.
A ANTIGA FAZENDA VILHENA: ÁREA PÚBLICA EM DISPUTA NA JUSTIÇA.
A área objeto de litígio corresponde aos Lotes 62, 63 e 64 da Gleba Corumbiara, setor 7, na Linha 85, no Distrito de São Lourenço, em Vilhena, também conhecidos como Fazenda Vilhena. Esta área de Terra Pública da União está ocupada há mais de cinco anos pela Associação de Pequenos Produtores Rurais da Linha Oitenta e Cinco, que cultivam macaxeira, frutas, verdura e hortaliças, além de criação de pequeno porte e produtos para sustento das famílias, com crianças em idade escolar que frequentavam a escola regularmente até o início da pandemia.
A área é disputada por Flavia Fontes Romero, Fernanda Fontes da Silva e Leony Rosa Fontes, todos eles moradores do estado do Paraná, antigos titulares de uma CATP (Contrato de Alienação de Terras Públicas), que por ter cláusulas resolutivas não cumpridas, foi cancelado administrativamente pelo Terra Legal.
Em meio a pandemia da COVID-19, em que a nação brasileira chora a morte de 211 mil brasileiros, e Rondônia ultrapassa os 100 mil infectados e mais de duas mil mortes, até 20/01/2021, a Justiça Estadual determina o cumprimento da sentença que visa a reintegração de posse, e consequentemente, o despejo de camponeses e camponesas que vivem e sobrevivem nos lotes 62, 63 e 64.
Desde o ano de 2015 a Defensoria Pública do Estado de Rondônia busca junto ao MP e ao MPF demonstrar a incompetência da justiça estadual para com o caso, visto que, a União por meio do Incra deixou claro, que “todos os documentos relacionados aos processos administrativos da área em litígio, respondeu, um a um, os quesitos formulados pela Autoridade Judiciária e ainda deixou claro que a área em questão é passível de regularização fundiária” (Agravo 08/05/2020). Em função disso, o MPF mediante a manifestação do Incra deu parecer final solicitando declínio de competência à Justiça Federal, por se confirmar a existência do processo tramitando na esfera federal em relação à área em questão.
AMEAÇADOS DE REINTEGRAÇÃO DESDE NOVEMBRO DE 2019.
Em novembro de 2019 o grupo de moradores recebeu liminar de reintegração/manutenção de posse sobre a área ordenando aos trabalhadores deixar a área no prazo de 15 dias. O Ministério Público Federal em Rondônia agravou da decisão da 2.ª Vara Cível da Comarca de Vilhena, alegando que a ordem de reintegração de posse expedida pela Justiça Estadual poderia implicar em prejuízo ao patrimônio federal, além de impor gastos desnecessários ao poder público, tendo em vista que a área é da União e destinada à reforma agrária.
O MPF confirmou a existência do processo na Justiça Federal, em que após anulação administrativa das CATPs, se discute a propriedade da área e o cancelamento do contrato de alienação de terras públicas. O MPF também pediu o declínio de competência para a Justiça Federal.
UMA DECISÃO ARBITRÁRIA E ILEGÍTIMA
Desconsiderando a manifestação do MPF, em que alegou principalmente que a justiça de primeira instância deixou de analisar as informações que o Incra havia disponibilizado acerca da área, a juíza de primeiro grau, que conforme a DPE descreveu, atuou mais uma vez de forma ilegítima determinando a imediata reintegração de posse. Contra essa decisão, a Defensora Pública Dra. Ilcemara Sesquim Lopes, interpelou o agravo deixando clara que a tramitação do caso deveria acontecer na esfera Federal, e não na Estadual.
Tal proposição se refere ao fato de que o Incra apresentou manifestação de interesse na área, atendendo dessa maneira, a súmula 150 do STJ, e com isso impugnando o cumprimento de tal sentença de reintegração de posse. A situação assemelha-se a decisão proferida no último dia 15 de janeiro pelo Ministro Alexandre de Moraes, que suspendeu a reintegração de posse contra as famílias do Quilombo Coração Valente, em Jacareí (SP).
ÁREA DE VIOLÊNCIA E CONFLITOS AGRÁRIOS
A extensa área da antiga Fazenda Vilhena tem sido palco de violência, com várias chacinas e muitas vidas ceifadas, por falta de providências do Estado em tratar com seriedade e urgência os casos de conflitos agrários em terras públicas de Rondônia.
No dia 8 junho 2020 em reunião da Mesa de Negociações de Conflitos Agrários, a pedido do Conselho Estadual de Direitos Humanos de Rondônia, foi denunciada a atuação de milícias armadas ameaçando os posseiros no local e a construção de uma cerca que corta no meio vários lotes dos posseiros. Posteriormente a polícia apreendeu as armas de um grupo de pistoleiros, que tinham sede no interior de uma fazenda vizinha. Ainda mais recentemente, um conhecido pistoleiro conhecido por Nego Zen, autor de várias ameaças e violências na região de Vilhena, foi detido armado e entregue a polícia pelos moradores.
DESPEJOS TERIAM QUE SER ADIADOS EM PERÍODO DE PANDEMIA
A decisão representa o descumprimento da função social da terra de uma área da União que estava abandonada, provocando um dano irreparável a centenas de pessoas, assim como, a conivência com os interesses dos grileiros em Rondônia. Além do grave prejuízo de expulsar dezenas de famílias de suas moradias e lavouras, um despejo em pleno período de pandemia e de isolamento, coloca os pequenos agricultores em grande vulnerabilidade e risco de contágio. Em um momento de aumento de casos em Vilhena e de colapso dos hospitais da região, um despejo representa real perigo para a vida para todos os moradores do local.
São essas famílias que lutam contra a ação do latifúndio e da (in)justiça que atua e se perpetua no cenário rondoniense. Cenário esse, onde Galos Velhos e Nego Zens são considerados pioneiros e cidadãos de bem, e que muitas vezes, recebem o prestígio e o apoio dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Onde camponeses e camponesas são criminalizados por atuarem na luta pela e na terra, na busca do direito de existirem, viverem e sobreviverem do que produzem, assim como, levar comida a mesa da sociedade, ao passo que: “SE O CAMPO NÃO PLANTA, A CIDADE NÃO ALMOÇA E NEM JANTA”.
Ressalta-se, que a partir de seu gabinete, a juíza de primeiro grau, desconsiderou totalmente a situação pandêmica que o mundo vive. Desconsiderou o efeito da pandemia no próprio município de Vilhena, que apresentou aumento do número de infectados pela COVID-19 demais de 1.400 pessoas, entre os dias 01 e 20 de janeiro, segundo os relatórios de ações do governo do Estado.
A CPT informa a sociedade, que após várias tentativas conseguiu articular junto a DPE e ao MPF mais uma reunião, que está sendo oficializada pelo MPF com o INCRA e o Procurador do órgão para a próxima semana (entre os dias 25 e 29 de janeiro). Sendo esta, mais uma tentativa de que a procuradoria especializada venha ajuizar uma ação de retomada na justiça com a finalidade de que ocorra o declínio de competência da magistrada de Vilhena com o intuito de permanência das famílias na área até a decisão final do processo.
Diante disto, solicitamos que todas as autoridades competentes e parceiros assumam um posicionamento contundente que desaprove os conflitos no cone sul do Estado de Rondônia.
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