Decisões recentes devem consolidar jurisprudência sobre plantio de cannabis
Tribunais têm reconhecido o direito de pacientes produzirem cannabis em casa para o tratamento de problemas de saúde
O advogado criminalista Rafael Maluf
Decisões recentes do Tribunal de Justiça de São Paulo concederam salvo-conduto a pacientes autorizando o cultivo domiciliar de cannabis para uso medicinal. As decisões impedem que eles sejam presos em flagrante pelo plantio da erva, que tem sido cada vez mais utilizada para tratamentos médicos de diversas doenças. “Essas decisões, muitas delas respaldadas nos direitos constitucionais à vida e à dignidade da pessoa humana, têm se tornado cada vez mais comuns conforme avançam as pesquisas científicas sobre o assunto e as normatizações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que regulamentam a importação e o plantio para fins medicinais. A tendência é que se consolide jurisprudência sinalizando a posição dos Tribunais, balizando futuras decisões de magistrados em casos análogos”, comenta o advogado criminalista Rafael Maluf.
Em um dos casos, a 12ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP concedeu salvo-conduto a uma pessoa para produzir o óleo de canabidiol a partir da cannabis sativa plantada em sua casa, para fins medicinais. A decisão do magistrado impede a polícia de apreender ou destruir as plantas, mas determina que o cultivo deve ser restrito ao seu endereço residencial e que a paciente apresente relatórios médicos e autorização atualizada junto à Anvisa periodicamente.
Nesse caso, a mulher tem uma série de problemas de saúde, como crises de pânico e dores musculares. No entendimento dos julgadores, a indefinição sobre a autorização para cultivo domiciliar para fins terapêuticos não pode impedir um tratamento que, conforme já comprovado cientificamente, é eficaz para amenizar o sofrimento físico e psicológico de pacientes. “Cada vez mais a medicina vem utilizando compostos encontrados na planta para tratar uma série de doenças, desde psicológicas, como depressão e ansiedade, até as físicas, como controle dos sintomas do Alzheimer, das crises de epilepsia e de dores crônicas. Os tribunais estão cada vez mais sensíveis e humanos na garantia do direito à preservação da vida e à dignidade humana para esse tipo de caso”, afirma o advogado criminalista Rafael Maluf.
Justiça concedeu salvo-conduto a uma mulher para produzir o óleo de canabidiol para uso medicinal (Foto: Freepik)
Em sua decisão, o desembargador Heitor Donizete de Oliveira cita que a Anvisa autoriza o uso de produtos feitos a partir da cannabis para o tratamento de diversas enfermidades. Em dezembro de 2020, a Anvisa aprovou a criação de uma nova categoria de produtos derivados de cannabis. A resolução, que entrou em vigor em março deste ano, permite que empresas interessadas em fabricar e comercializar esses produtos possam solicitar autorização à agência.
Desde então, o órgão vem aprovando produtos à base de canabidiol que podem ser comercializados por meio de uma receita médica de controle especial. As regras variam de acordo com a concentração de tetra-hidrocanabinol (THC). Além disso, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 335/2020 autoriza as importações de produtos derivados de cannabis.
Judicialização
Em outro caso, o TJ-SP determinou o trancamento de uma ação penal contra um paciente de São Bernardo do Campo que foi preso em flagrante no ano passado por produzir a planta em casa para fins medicinais, e posteriormente obtido salvo-conduto por meio de Habeas Corpus. O homem foi preso e processado com base no artigo 33 da Lei 11.343/06. Diante da análise do caso, o desembargador entendeu que não havia justa causa para a persecução criminal e determinou o trancamento da ação.
O criminalista Rafael Maluf afirma que mesmo existindo uma forte tendência na consolidação de jurisprudência sobre o caso, seja nos Tribunais de Justiça, seja no Superior Tribunal de Justiça, os pacientes que precisam usar esses produtos para fins medicinais, mas não podem aguardar a sua importação ou eventual interrupção da produção por empresas especializadas, devem recorrer à Justiça para evitar prisões quando o plantio é feito em sua residência com fins medicinais. “Para autorização de plantar em casa, é preciso apresentar uma série de documentos, como receituário médico, exames que comprovem a condição física, e uma autorização da Anvisa, por exemplo. As decisões judiciais suprem a necessidade de pacientes terem que depender de procedimentos de importação ou aquisição em território nacional, concedendo salvo-conduto, com rígidas restrições, para o plantio com fins exclusivamente medicinais ”, completa.
O que diz a lei
Quem planta cannabis em casa sem autorização da Anvisa e da Justiça é autuado no artigo 33 da Lei 11.343/06, que prevê reclusão de 5 a 15 anos e pagamento de 500 a 1.500 dias-multa. “Esse artigo proíbe a importação, exportação e plantio, além de proibir a posse de matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas”, completa Maluf.
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