Depois de encurralar Ernesto Araújo, centrão também deve demitir Ricardo Salles

Aliados do governo devem derrubar dois de seus piores ministros para não afundarem juntos

Brasil 247
Publicada em 27 de março de 2021 às 12:08
Depois de encurralar Ernesto Araújo, centrão também deve demitir Ricardo Salles

Brasília - Jair Bolsonaro, Ricardo Salles e Ernesto Araújo (Foto: Marcos Corrêa/PR)

Sputnik – Na visão de cientistas políticos ouvidos pela Sputnik Brasil, o ministro Ernesto Araújo não deverá resistir à pressão. Ricardo Salles, do Meio Ambiente, pode ser o próximo alvo a partir do segundo semestre.

A intensificação da crise causada pela pandemia de COVID-19, com a escalada no número de mortes e a lentidão na aquisição de vacinas pelo país, tem feito o presidente Jair Bolsonaro rever conceitos e ajustar discursos.

Se no início deste mês, em 4 de março, ele classificou como "idiota" quem pede para comprar vacina, afirmando que não há imunizantes no mundo, agora, com a forte pressão do centrão pela vacinação em massa, Bolsonaro já avalia nomes para substituir Ernesto Araújo no Ministério das Relações Exteriores.

Para os parlamentares, o chanceler está desgastado no cenário internacional e não tem mais capacidade de ajudar o Brasil na articulação pela aquisição de novas vacinas.

Na última quarta-feira (24), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), fez um discurso contundente com críticas à atuação do governo federal na pandemia, pressionando por medidas efetivas e ameaçando com "remédios políticos amargos" e "fatais".

"Estou apertando hoje um sinal amarelo para quem quiser enxergar: não vamos continuar aqui votando e seguindo um protocolo legislativo com o compromisso de não errar com o país se, fora daqui, erros primários, erros desnecessários, erros inúteis, erros que são muito menores do que os acertos cometidos continuarem a serem praticados", disse Lira em discurso no plenário da Câmara. 

O cientista político Fernando Luiz Abrucio, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), avalia que Araújo é apenas "um fio de uma história maior". Para o especialista, os líderes do centrão perceberam que o presidente está perdendo popularidade e o apoio de setores econômicos com os novos impactos da crise.

O professor explica que os partidos que compõem o bloco, como o Progressistas de Lira, são pragmáticos e já estão de olho nas eleições de 2022.

"O país vai sofrer um impacto muito grande com a pandemia nos próximos meses. Eles pensaram: 'Vamos passar três meses apanhando de todos os lados?' Uma parte do centrão achava que podia apoiar o Bolsonaro em 2022, mas surgindo uma narrativa antibolsonarista na política brasileira, eles não vão até o fim. O centrão pode ir até o enterro, mas não vai ser o morto", afirmou Abrucio em entrevista à Sputnik Brasil.

O cientista político acredita que Bolsonaro vai "esticar a corda" até onde for possível para a permanência de Araújo no ministério. Porém, uma ameaça real de abertura da CPI da COVID-19 pode selar de uma vez por todas a troca.

"O presidente não está convencido disso [saída de Araújo]. Ele só toma a decisão no último minuto após muita pressão. Pensando no estilo dele, ele pode demitir o Ernesto se falarem na CPI. Semana que vem vai ser tensa politicamente", disse.

Para José Álvaro Moisés, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), é preciso ter cautela antes de imaginar uma mudança de rumo da política externa do governo, mesmo com a saída de Araújo. 

Ele ressalta que o presidente adota "recuos táticos" para conseguir sustentação política, mas não deixa de defender suas posições no discurso para manter o apoio de sua base de seguidores.

"O centrão está realizando uma pressão, porque do ponto de vista dos seus objetivos no médio e longo prazo, um governo sem rumo, que fracassa, não faz sentido. Mesmo para o centrão, que tem pouca definição programática, mas tem uma preocupação de ocupar postos no governo, um governo que fracassa não faz sentido para esse tipo de aglutinação de partidos", afirmou Moisés à Sputnik Brasil.

Ricardo Salles é o próximo alvo do centrão?

O cabo de guerra entre Bolsonaro e o centrão pode não terminar após a eventual queda de Ernesto Araújo. Para Fernando Luiz Abrucio, da FGV, já existe um movimento para pressionar o presidente a substituir também Ricardo Salles no Ministério do Meio Ambiente.

"Há uma crise anunciada para o segundo semestre. Vai haver de novo aquelas queimadas gigantescas. E o presidente dos Estados Unidos já não é mais o [Donald] Trump, é o [Joe] Biden. A pressão internacional vai ser brutal", lembrou o professor.

O cientista político afirma que o presidente não terá um "respiro" neste ano, mesmo após o avanço da vacinação. Segundo ele, o centrão não vai se contentar só com a queda de Ernesto Araújo.

"O governo não entendeu que existe uma crise ambiental já precificada. E quem explicou isso não foi o Arthur Lira, foram os empresários. Então, há muitas pedras no meio do caminho e o presidente está sitiado", afirmou.

'Efeito Lula'

José Álvaro Moisés, da USP, acredita que a pressão ficou ainda maior após a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao jogo político. Moisés avalia que, atualmente, Bolsonaro enfrenta uma oposição mais consistente.

"Sem entrar no mérito da questão judicial do Lula, mas com a experiência e o prestigio que ele tem como grande liderança no país, é uma força de oposição que encostou o governo do presidente Bolsonaro na parede. Desse ponto de vista, o governo está sendo obrigado a dar atenção para algumas questões, como é o caso da pandemia", explicou o cientista político.

Já Abrucio afirma que, com "um único discurso", Lula derrubou Eduardo Pazuello do Ministério da Saúde. Em sua avaliação, a volta do petista deixou o bolsonarismo "encurralado", de um lado, pelo próprio Lula e, do outro, pelo centrão e pela centro-direita.

"Ele está cercado de todos os lados. É o pior momento do mandato em todos os sentidos. O conservadorismo popular do Bolsonaro me parece que está ficando cada vez mais restrito a um grupo, que é importante em termos populacionais, mas ficar só com esse grupo significa ser derrotado nas eleições de 2022. Não tenho dúvida quanto a isso", apontou Abrucio.

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