Descaminho de até R$ 20 mil: Quando o crime é irrelevante para a Justiça Penal
A advogada Beatriz Daguer, especialista em Direito Criminal, explica que o princípio da insignificância nesses casos se baseia no entendimento de que o prejuízo ao erário é irrelevante do ponto de vista penal
O crime de descaminho, que ocorre quando produtos chegam ao Brasil sem o devido pagamento de impostos, nem sempre é levado aos tribunais. Isso porque, em casos em que o valor do tributo não ultrapassa R$ 20 mil, o Ministério Público geralmente não apresenta denúncia criminal, aplicando o princípio da insignificância tributária. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou esse limite com base nas portarias 75 e 130 do Ministério da Fazenda, que estabelecem que o fisco não cobre créditos tributários abaixo desse valor.
A advogada Beatriz Daguer, especialista em Direito Criminal, explica que o princípio da insignificância nesses casos se baseia no entendimento de que o prejuízo ao erário é irrelevante do ponto de vista penal.
“Embora o descaminho represente uma infração criminal, quando o valor do tributo devido for inferior a vinte mil reais, o custo de um processo penal seria muito maior que o benefício gerado pela recuperação da quantia, isso é o que entende tanto o Ministério da Fazenda quando o posicionamento do Poder Judiciário, aplicando assim o que se chama de insignificância penal”, comenta a advogada.
Essa medida foi regulamentada pela Portaria 75, de 2012, que determina que processos envolvidos em valores abaixo de R$ 20 mil sobrecarregam o Judiciário desnecessariamente, desviando o foco de casos de maior gravidade. Daguer esclarece que, embora o descaminho de baixo valor seja penalmente irrelevante, ele ainda é uma infração administrativa.
“Isso significa que os bens introduzidos ilegalmente no país serão apreendidos pela Receita Federal, conforme a legislação aduaneira, por isso tantas apreensões são realizadas e produtos confiscados, mas criminalmente se o valor for abaixo do estipulado nada acontece, tendo apenas a repercussão administrativa e civil”, explica a especialista.
Em caso de reincidência, a advogada alerta alerta que o princípio da insignificância não se aplica.
“Se um indivíduo for flagrado repetidamente com mercadorias abaixo do limite de R$ 20 mil, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já pacificou o entendimento de que essa conduta leva à responsabilização criminal. A reiteração da prática pode inclusive aumentar a pena, se o juiz considerar a habitualidade no momento da sentença”.
Como o Estado cobra os valores de descaminho?
Embora não tenha sido feita a denúncia criminal em casos de descaminho abaixo de R$ 20 mil, o Estado ainda tem meios de recuperar os valores tributários devidos. A cobrança acontece pela via administrativa, com a emissão de autos de infração pela Receita Federal. Se após o lançamento definitivo o tributo não for pago, podem ser aplicadas multas, juros e, eventualmente, o débito pode ser protestado, além de levar a uma execução fiscal, que é uma demanda judicial que permite a penhora de bens para garantir o pagamento da dívida.
O entendimento geral, reforçado por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribinal de Justiça (STJ), é que o objetivo é evitar a sobrecarga do sistema judiciário com questões de pequena monta, deixando espaço para o julgamento de casos que envolvam quantidades mais significativas ou práticas reiteradas.
Apreensão de bens e responsabilidades
Mesmo nos casos em que o valor do tributo devido não ultrapassa R$ 20 mil, a apreensão dos produtos é uma prática comum. Isso porque, do ponto de vista administrativo e aduaneiro, a entrada irregular de mercadorias no país é uma infração, o que permite à Receita Federal confiscar os bens. Além disso, o tributo segue sendo devido e será processado pela via administrativa e, em sendo o caso, de cobrança judicial.
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