Desigualdade entre alunos de escolas públicas e particulares é acentuada na pandemia
Dados de 2019 apontam que quase 40% dos estudantes da rede pública não possuem computador e internet em seus domicílios. Especialistas ressaltam importância da infraestrutura das escolas públicas
A desigualdade no acesso à internet, entre alunos de escolas públicas e particulares, foi escancarada durante a pandemia do novo coronavírus. No entanto, o problema não é novo. Dados de 2019 apontam que quase 40% dos estudantes da rede pública não possuem computador e internet em seus domicílios. A informação é da pesquisa TIC Educação 2019, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação.
No estado de São Paulo, 42% dos domicílios possuem computadores de mesa, sendo 62% nas casas de alunos da rede privada e 38% nas de alunos da rede pública. Já em relação a computadores portáteis, a oferta é maior entre estudantes da rede particular (71%), em comparação com os da rede pública (46%).
Afonso Celso Galvão, doutor em psicologia educacional pela Universidade de Reading, na Inglaterra, explica que esse cenário pode ser ainda pior em outras regiões do Brasil.
“O que ocorre em São Paulo é pior ainda em outros estados brasileiros, por conta das condições econômicas que são desiguais. É algo muito grave, porque implica em uma desigualdade inicial, que do ponto de vista estatístico é irreversível”, explica.
A professora da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Comitê-DF da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Catarina de Almeida Santos, aponta a desigualdade de conectividade entre brancos e pretos.
“A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2017 mostra que, no Brasil, entre as pessoas com mais de 10 anos de idade, 75,5% acessavam a internet. Na população negra esse percentual cai para 65%. Do total, 82,9% da população branca acessava a internet por via telefone móvel, e na população preta, esse índice é de 74,6%. Por mais que tenhamos avançado de 2017 para 2020, a realidade não mudou tanto no País”. A professora da UnB também avalia a internet no Brasil como cara e mal distribuída, já que não chega em todos os cantos do País, e, quando chega, é de baixa qualidade.
Ainda de acordo com o levantamento TIC Educação 2019, o aparelho celular foi o dispositivo mais usado para acessar a internet entre os estudantes paulistas. Mas, segundo a professora Catarina de Almeida Santos, os alunos da rede pública saem em desvantagem, já que muitas vezes o aparelho pertence a um adulto da casa.
“A pandemia mostrou o quanto os estudantes da rede pública dependem da infraestrutura das escolas. Muitos só acessam as atividades, quando o adulto volta para casa à noite, com o celular. Os dados do pacote de internet acabam. Duas ou três crianças precisam acessar as aulas e não há tempo”. Ela também aponta problemas na infraestrutura dos lares, como falta de energia elétrica, pouco ou quase nenhum silêncio, e, em muitas ocasiões, o estudante precisa cuidar da casa ou de irmão mais novo.
Segundo o Instituto DataSenado, 26% dos alunos da rede pública brasileira, que passaram a ter aula online durante a pandemia, não possuem nenhum tipo de acesso à internet em casa.
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Infraestrutura escolar
A pesquisa TIC Educação 2019 mostra que em dois terços das escolas públicas do estado de São Paulo, cada computador é compartilhado por mais de 20 estudantes. Já na rede privada, em dois terços das escolas, uma máquina é compartilhada por no máximo 20 alunos. Em relação ao acesso à internet sem fio no ambiente escolar, 82% das escolas públicas urbanas contavam com o recurso, enquanto que nas instituições privadas o alcance é de 100%.
No entanto, a professora da UnB, Catarina de Almeida Santos, chama a atenção para as falhas da infraestrutura na grande maioria das escolas brasileiras. “Nós temos várias escolas que não têm acesso à internet, não têm água potável, não têm laboratório, e nem computador. No geral, esse cenário de São Paulo tende a piorar no restante do País”, ressalta.
Impacto a longo prazo
O pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais, da Fundação Getúlio Vargas, João Marcelo Borges, aponta o aumento da desigualdade de aprendizagem entre os alunos da rede pública e privada. “Ao longo de 2020, em função da pandemia, a falta de dispositivos e conectividade deve impactar negativamente os alunos de escolas públicas, sobretudo os mais pobres. Isso faz com que a desigualdade de aprendizagem aumente, e eles, possivelmente, terão menos oportunidades”, comenta.
Catarina, ressalta a importância do compromisso do governo com a educação brasileira. “O impacto será maior ou menor, dependendo do compromisso que o País tem em relação à educação. Se a gente começar a encarar a escola pública com a importância que precisa ser encarada – garantir a infraestrutura, equipar essas escolas, garantir as condições de funcionamento – a gente recupera esse processo”. Segundo a professora, a vacina contra o coronavírus precisa ser providenciada com urgência, para que os jovens possam voltar para as escolas, o mais rápido possível. Quanto mais tempo longe das salas de aula, maiores serão os impactos na educação.
O doutor em psicologia educacional, Afonso Celso Galvão, destaca o aumento dos índices de evasão das escolas e o crescimento da deficiência lectoescrita da população mais pobre. Segundo ele, não existe um projeto de estado para educação, capaz de enfrentar os impactos causados pela pandemia.
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