Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher: 42 anos depois, ainda há muito o que evoluir
Para advogada criminal, “ainda hoje, mulheres morrem dentro de seu lar, que deveria ser um lugar seguro, e pelas mãos de pessoas que muitas vezes juraram amá-las e respeitá-las”
Alice Bianchini
Enraizada na nossa história, a violência contra a mulher é um triste legado da humanidade que precisa ser combatido diariamente. No Brasil, na década de 80, ainda sob o regime militar, houve um grande movimento feminino em torno dessa temática.
Em 1980, um grupo mulheres se reuniram nas escadarias do Teatro Municipal para protestar contra o aumento de crimes de gênero no Brasil. Era 10 de outubro, que foi então adotado como o Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher.
Passados 42 anos, houve significativa melhora na proteção, respeito e garantia dos direitos da mulher, mas, ainda temos muito a evoluir para que elas sejam plenamente respeitadas e, principalmente se sintam, com direitos iguais.
Para Alice Bianchini, doutora em Direito Penal pela PUC/SP, especialista em Violência de Gênero e professora de Direito Penal no Meu Curso, apesar dos avanços ainda vivemos um quadro desolador, mas que pode ser alterado.
“Com maior investimento em ações institucionais em prol de políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher que, infelizmente, não tem acontecido nos últimos anos, além da vontade individual, de homens e mulheres, de enfrentar o machismo que nos habita, podemos mudar esse quadro”, diz a advogada.
No mês de agosto desse ano, os números da violência no estado de São Paulo, divulgados pela Secretária de Segurança Pública (SSP), apontavam que os casos de estupros aumentaram 18,2% em relação a 2021. Para Alice, tudo indica que o período da pandemia, em que as pessoas ficaram mais tempo em casa, tenha influenciado.
“O estupro, diferentemente do que se imagina, é praticado principalmente dentro do lar e por pessoas conhecidas das vítimas, e o confinamento acabou potencializando essa situação. É importante mencionar que a maioria das vítimas é do gênero feminino e tem menos de 13 anos de idade”, diz a penalista.
O crime de estupro é considerado hediondo e a pena pode chegar a 30 anos de reclusão. Sobre a castração química, já aventada como punição aos estupradores, Bianchini não vê eficácia.
“Segundo os profissionais da saúde, ela traz a diminuição do impulso sexual, mas isso não impede a violência, pois o intento de praticar o crime permanece. É importante compreender que crimes sexuais geralmente são praticados muito mais como forma de expressão de poder do que em razão da libido sexual”, esclarece ela.
Se não bastasse submissão por um estranho, muitas mulheres estão sujeitas à violência doméstica. Nela, acontece tanto a violência física quanto a psicológica. Alice lembra que ambas são crimes e que, independentemente da iniciativa da vítima, a denúncia pode ser oferecida pelo Ministério Público.
“Ainda há uma naturalização da violência, o que impede que muitos atos violentos sejam assim reconhecidos. A violência psicológica, muitas vezes, é mais grave que a física. É o caso das atitudes de ciúmes que, na verdade, normalmente representam uma manifestação de sentimento de posse”, diz ela.
Um dos maiores avanços na proteção da mulher não partiu do poder público e sim de uma vontade popular, a Lei Maria da Penha. Alice explica que ela é composta de dispositivos direcionados à prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher e que prevê apenas um crime, inserido em 2018, que é o descumprimento de medida protetiva de urgência, mas ela se aplica a todos os crimes penais.
“Desde que sejam praticados em um contexto de violência doméstica, familiar ou em uma relação íntima de afeto, todos os crimes previstos no Código Penal ou em Legislação penal extravagante podem ser aplicados à Lei Maria da Penha”, e chama a atenção para que a sociedade conheça melhor toda a parte preventiva da Lei, “são dessas ações que precisamos com urgência, para que o Brasil consiga sair da vergonhosa posição de ser o quinto país que mais mata mulheres”.
Em 2015, foi sancionada a Lei do Feminicídio, que trouxe importantes contribuições para que se pudesse perceber o fenômeno do feminicídio, o que estava praticamente invisível em nossa sociedade, mas, segundo a advogada, “ainda hoje, as mulheres estão morrendo dentro de seu lar, que deveria ser um lugar seguro, e pelas mãos de pessoas com que elas mantêm um relacionamento, e que muitas vezes juraram amá-las e respeitá-las”.
Para Alice, a redução da violência contra a mulher depende da nossa conscientização, enquanto indivíduos e sociedade, de que as mulheres têm direito a uma vida sem violência.
“Precisamos medir o machismo estrutural que ainda permanece em nossa sociedade e o quanto ainda temos resquícios de uma sociedade patriarcal”, entende ela. Sejamos a mudança que queremos ver no mundo, conclui a advogada.
Fonte: Alice Bianchini, doutora em Direito Penal pela PUC/SP, especialista em Violência de Gênero e professora de Direito Penal no Meu Curso.
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