Do que Carla Zambelli deve ter medo
'Zambelli não deve subestimar o ressentimento dos que a enxergam como uma oportunista assustada', escreve o colunista Moisés Mendes
Carla Zambelli (Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados)
Aécio Neves temia ser preso. O então procurador-geral Rodrigo Janot chegou a pedir a prisão dele por duas vezes há seis anos.
Nunca prenderam Aécio, porque ele não havia sido totalmente abatido pelos seus. E o Supremo o tratou com deferência.
Imagina-se que a deputada Carla Zambelli, que teve medo de ser presa, deve pensar positivamente quando sente esse temor e se lembra dos casos de Aécio e de tantos outros.
Aécio ainda tem mandato, é deputado federal, mesmo que ninguém saiba o que faz no Congresso. E Janot escreveu um livro e não se sabe se depois teve filhos ou plantou uma árvore.
A vida pública de Janot acabou quando ele saiu da PGR em 2017, e hoje só Deltan Dallagnol e Sergio Moro devem se lembrar direito do chefe deles na Lava-Jato.
Então, Carla Zambelli, que teme ser presa e teme que prendam Bolsonaro quando o sujeito voltar ao Brasil, deve pensar sempre, como autodefesa, que direita e extrema direita sempre passaram por esse medo.
Mas, na maioria dos casos, não deu em nada. Deu com Eduardo Cunha, porque foi abandonado, e com Geddel Vieira Lima, Daniel Silveira, Roberto Jefferson e Fátima de Tubarão.
Carla Zambelli deve confiar que as circunstâncias podem favorecê-la, mas sempre com uma ressalva. Não pode ser devorada pelo próprio bolsonarismo.
Políticos de direita só vão presos se passarem a impressão de que estão fragilizados, se forem explicitamente abandonados, se vacilarem ou ostentarem demais (Geddel tinha muitas malas) e se cometerem descuidos saindo de casa na hora errada, como aconteceu com Michel Temer.
Já mandaram dizer a certos jornalistas que os ministros do Supremo não querem Bolsonaro preso. Seria um incômodo muito grande, não há sustentação para uma prisão agora e a reação política seria imprevisível.
Mas Carla Zambelli não pode tentar se comparar a Bolsonaro. É recordista de votos como deputada federal, já desafiou ministros do STF e já correu armada na rua atrás de um jornalista negro. E está aí numa boa.
Carla Zambelli é um fenômeno do eu-digo-o-que-penso. Mas de nada adiantará provar que seu gesto com pedido de trégua a Alexandre de Moraes é sincero.
Não será sua repentina boa vontade com o ministro mais ativo do Supremo que irá lhe garantir imunidade.
Se fosse assim, todos os que acenaram com bandeira branca a Moraes, por orientação dos advogados, entre os quais os manezões patrocinadores do golpe, poderiam dormir tranquilos.
Não é da boa vontade de Moraes que Zambelli depende agora, mas da sua capacidade de mostrar que continua grande e forte o suficiente para adiar atitudes mais drásticas dos que podem cercá-la.
Carla Zambelli não pode passar do ponto e ser uma imitação grosseira de um Eduardo Cunha, que virou pó depois ter sido poderoso.
Zambelli, que tem o mesmo poder de Damares, não deve subestimar o ressentimento dos que a enxergam como uma oportunista assustada que abandona o líder para negociar o próprio armistício. Não pode ser largada pela turma e malhada publicamente.
A deputada já superou o momento do flagrante e só seria presa se corresse carregando um fuzil na Faria Lima atrás de um bacana branco com mocassins sem meia.
Hoje, ela deve fazer média mais com a própria turma do que com Alexandre de Moraes. Esse deve ser seu medo, o de atiçar a fúria dos seus, que ela conhece muito bem.
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
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