Na última semana, intensamente mobilizado pela pauta, o Congresso Nacional avançou na mais recente queda de braço que empreende com o Supremo Tribunal Federal (STF) - desta vez em torno do chamado "orçamento secreto", alcunha para a execução de emendas do relator do Orçamento da União.
Na noite da última segunda-feira (29) - em resposta à determinações do STF quanto à adoção de medidas de transparência, à criação de um valor limite e à suspensão do pagamento destas emendas ao Orçamento de 2021 pela ministra Rosa Weber -, os parlamentares aprovaram um projeto que cria novas regras para o "orçamento secreto".
"O que poderia ser um diálogo institucional entre os poderes tende a ser tornar um embate institucional - e um embate que deverá ser resolvido além do plano jurídico, invadindo a seara da relação entre os poderes, na ausência de um poder moderador, contando com as virtudes das autoridades dirigentes de ambos os poderes", avalia o advogado e especialista em Direito e Processo Constitucional pela USP, Antonio Carlos de Freitas Júnior.
Por enquanto, a solução para o impasse parece distante e de difícil previsão. "Essa recalcitrância - comportamento insistente e resistente de um Poder - deverá ser enfrentada pelo STF, que, por sua vez, poderá rever seu entendimento, modificando-o e admitindo como solucionada a questão", observa Freitas. O STF poderá compreender como não cumprida sua decisão judicial, bem como, inconstitucional a interpretação e impondo as sanções às autoridades diretamente envolvidas na execução de sua decisão.
As discrepâncias entre as visões dos parlamentares e do STF em torno do "orçamento secreto" são muitas. Em primeiro lugar, quanto à transparência, o STF determinou que o processo de definição e a execução das emendas de relator nos Orçamentos de 2020 e de 2021 sejam tornados públicos. O projeto aprovado pelo Congresso, por sua vez, não deixa explícito que o nome do parlamentar que pediu as emendas deve ser tornado público: o parecer prevê que as solicitações podem ser de "parlamentares, agentes públicos ou da sociedade civil". Para muitos, os parlamentares deixaram assim uma grande brecha para manter ocultos os nomes que demandaram os recursos.
"Foi uma regulamentação para inglês ver: não há obrigatoriedade de especificação nominal do requerente", diz Antonio Carlos de Freitas Júnior. "O texto do parágrafo primeiro determina a publicidade, mas não especifica os dados mínimos a serem publicizados", explica.
Mas esta não é a única brecha do projeto dos parlamentares: quanto à abrangência, o STF determinou que a transparência deve ser aplicada a todas as emendas, mas o Congresso aprovou que as novas regras valem apenas após a publicação do projeto. Para Freitas, "trata-se de uma espécie de anistia que não contempla a decisão do STF".
Quanto à equidade, por sua vez - na ação que questiona o "orçamento secreto" -, a ministra Rosa Weber apontou nele a "inobservância de quaisquer parâmetros de equidade"; já o projeto do Congresso ignora a distribuição igualitária das emendas de relator. "Mais uma vez, trata-se de uma normativa que regula para ‘mudar e deixar tudo como está’", resume o advogado, acrescentando que "as emendas do relator continuam a ser uma espécie de subterfúgio ao regime constitucional das emendas parlamentares, remendando a coalizão do frágil presidencialismo brasileiro e desrespeitando a determinação judicial do STF".
Fonte:
Antonio Carlos de Freitas Júnior, advogado e professor de Direito Constitucional. Foi assessor parlamentar na Assembleia Legislativa de São Paulo e na Câmara dos Deputados. Foi coordenador de políticas públicas de juventude na Prefeitura de São Paulo, presidente do Conselho Municipal de Juventude de São Paulo e Ouvidor na Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB). Bacharel, mestre e doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Direito e Processo Constitucional pelo Instituto de Direito Público (IDP). Autor de obras jurídicas voltadas para a prática da advocacia e concursos públicos em geral.
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