'Eleição não tem três vias', diz Marcos Coimbra

"A quem perde seu tempo com esse assunto basta ver que o problema não está em criar uma “terceira via”, mas no tamanho que têm as bases dessas candidaturas, todas pequenas e pouco representativas", escreve o sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

Marcos Coimbra/(Foto: Ricardo Stuckert | Abr)
Publicada em 13 de outubro de 2021 às 16:08
'Eleição não tem três vias', diz Marcos Coimbra

O tempo voa. Em menos de um ano, vamos eleger o próximo presidente.  Se, é claro, a minoria de autoritários e supremacistas não prevalecer. São poucos, mas poderosos e ricos, estão dispostos a virar a mesa e, podemos ter certeza, vão tentar. 

É a eleição menos incerta do Brasil moderno. O que não quer dizer que seu desfecho seja inteiramente previsível.

Pela terceira vez, um novo presidente será escolhido com alguém mal querido e mal avaliado no cargo. Aconteceu com Fernando Henrique em 2002, Temer em 2018 e, na primeira eleição depois da ditadura, com Sarney. Os três chegaram ao fim do governo se arrastando em níveis baixíssimos de aprovação e imagem horrível. 

A má avaliação de Sarney e Fernando Henrique se traduziu na vitória de candidatos de oposição, encerrando seus planos de continuidade. Temer, que podia disputar um segundo mandato, desistiu (apesar da vaidade), pensando no futuro. Poupou-se de um vexame de proporções bíblicas.   

À diferença dele, o capitão é um franco atirador e o que mais quer é ficar refestelado no poder. Acha que consegue se reeleger, pois lhe falta realismo e senso de ridículo,  pouco se importando em ser uma pessoa de quem a maioria não gosta e considera péssima como presidente. Não tem compromissos político-partidários, e, com ele, é tudo ou nada. Ou permanece no Planalto, para se aproveitar do cargo, ou acaba voltando para a Câmara, com o voto da Vila Militar e das milícias da Zona Oeste carioca.  

Podemos, portanto, apostar que Bolsonaro será candidato, ignorando o que aconteceu com os antecessores. Também que fará tudo para impedir que outros se consolidem.

Os dois fatos afetam a maior mistificação da próxima eleição, a ideia de que falta uma “terceira via”, tese do coração de banqueiros, industriais e analistas da mídia corporativa. Além da candidatura das esquerdas, em torno de Lula e do PT, e a de Bolsonaro, esse pessoal quer criar mais uma. Desenhada, nem se precisa dizer, de acordo com o figurino que tem na cabeça. 

Recentemente, dois desses ricaços se pronunciaram. O banqueiro explicou seu sonho: um candidato que “possa capitanear um discurso de centro (...) mais positivo, mais pró-Brasil”. O grande industrial foi mais explícito: disse que não quer “(Bolsonaro) porque não é democrata, é perigoso (...), (Lula) porque traz uma agenda velha, de atraso, de intervenção econômica".

Ambos estão no seu pleno direito, igual aos outros quase 150 milhões de eleitores aptos a votar no ano que vem. Espera-se que todos façam isso: escolham o que querem na eleição e votem como acharem melhor. Banqueiros e donos de indústria têm, afinal, direitos iguais aos trabalhadores, aposentados, funcionários públicos, desempregados, estudantes. Se todos podem votar, por que um bilionário estaria proibido? 

Que façam como todo mundo: procurem o candidato de seus sonhos no amplo cardápio de nomes que o sistema politico oferece e que sempre pode aumentar. Quem sabe um dos dois não se habilita? O que não podem, na democracia, é impedir que os demais eleitores tenham direito de escolher igual ao seu e prefiram outras opções. Lula, talvez.   

Essa conversa de terceira via não tem qualquer sentido. Primeiro, porque ela já existe, assim como a quarta, a quinta e assim por diante. A imprensa mostra as movimentações de pré-candidatos de todo tipo e as pesquisas lhes dão tamanho, perfil e revelam se sobem ou caem (alguns levantamentos chegam a testar até 12 nomes ou, se quisermos, “vias”).     

Em segundo lugar, imaginar que todas as forças politicas e projetos de candidatura, fora da esquerda liderada pelo PT e do bolsonarismo, caberiam em uma só “via” é um contrassenso, em um país de tradição multipartidária e história de personalismos na liderança politica. Só candidatos que não decolam  desistiriam em favor de outro, pouco ou nada tendo a acrescentar ao beneficiado. Que convergência substantiva pode haver entre liberais e populistas, entre centro e extrema direita? Se a única identidade que compartilham é não ter simpatia por Lula e Bolsonaro, que governo faria o titular da tal “terceira via”, em termos políticos e administrativos, caso ganhasse? 

A quem perde seu tempo com esse assunto basta ver que o problema não está em criar uma “terceira via”, mas no tamanho que têm as bases dessas candidaturas, todas pequenas e pouco representativas.   

Nosso sistema politico funciona com ampla liberdade para o funcionamento dos partidos e eleições em dois turnos. As “vias” oferecidas ao eleitorado não se organizam artificialmente pelo lado da oferta, mas da procura real. No primeiro turno, muitas candidaturas se apresentam e o eleitor escolhe a que prefere. No segundo, procura a que mais se aproxima da preferida (ou mais se afasta da indesejada). No Brasil, no primeiro turno, sempre há mais que três “vias”; no segundo, apenas duas. Três, nunca. 

Além das demais, há, é claro, a candidatura Lula, a evidente “primeira via” da eleição. Com Bolsonaro no lugar de “segunda” e vários projetos de baixa atratividade popular de “terceira”, o favoritismo do petista só aumenta, à medida em que o tempo passa e o capitão afunda. 

Com tudo que o ex-presidente aprendeu em sua vida politica, nem se precisaria dizer, mas há um cuidado a tomar. Os eleitores não gostam de candidatos que se esquecem de que o voto é uma manifestação de confiança e apreço, e que cada um precisa ser conquistado. “Já ganhou” não ganha eleição.   

Marcos Coimbra

Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

Winz

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