Em contexto de intolerância religiosa, MPF denuncia indígenas por tortura e ameaça
O capitão e um morador da aldeia Campestre praticaram atos de extrema violência contra anciã e filha, professantes de cultos tradicionais indígenas
O Ministério Público Federal (MPF) denunciou Vicente Romero e Arnaldo Alves Franco pelos crimes de tortura e ameaça cometidos contra Joana Benites e a filha, uma adolescente de 13 anos. Todos são indígenas moradores da Aldeia Ñande Ru Marangatu/Campestre, localizada na região do município de Antônio João (MS).
A denúncia tem como base dois fatos ocorridos em 28 de fevereiro de 2022. Segundo investigações conduzidas pela Polícia Federal e pelo próprio MPF, os denunciados promoveram uma sessão de constrangimento público contra ambas, na escola da aldeia, com emprego de violência e grave ameaça.
Em resumo, o irmão do denunciado Arnaldo encontrava-se doente e narrou ter sonhado que sua patologia decorria de “macumba” realizada por Joana Benites, uma antiga e conhecida rezadora indígena. Com base nessa acusação, Arnaldo e Vicente, então Capitão da aldeia, acompanhados de outros indivíduos não identificados, levaram Joana e a filha à força até a escola da aldeia e, perante um grande número de indígenas, colocaram-nas de cócoras, ameaçaram-nas, agrediram-nas e cortaram seus cabelos, com o objetivo de fazê-las confessar a realização do “feitiço”. Esses fatos embasaram a denúncia por tortura, com o agravante de terem sido cometidos contra uma adolescente de 13 anos e uma idosa com mais de 60.
Ao final da sessão de tortura, Vicente e Arnaldo, junto com outros indivíduos não identificados, ameaçaram as vítimas alertando que, caso alguém da família dos agressores morresse, elas seriam queimadas vivas, “como bruxas”. Esse segundo fato embasou a denúncia do MPF por ameaça.
Machismo e intolerância religiosa – Os povos indígenas não estão imunes aos efeitos do machismo estrutural e da intolerância religiosa. As comunidades Guarani-Kaiowá também são erigidas sobre uma base patriarcal, em que as mulheres são limitadas a exercer determinadas funções, além de sofrerem com imposição de comportamentos e ameaças constantes de violência.
Nesse contexto, o MPF investiga, desde 2021, condutas e acontecimentos em prejuízo das mulheres Guarani-Kaiowá ligados à disputa por liderança de aldeias, violência doméstica e familiar, além de perseguição de cunho místico e religioso. É possível afirmar a existência de perseguição àquelas que exercem função de oração nas aldeias, conhecidas como rezadoras, rezadeiras ou Ñandesy, especificamente por causa do choque entre as religiões não-indígenas, que parte da comunidade leva para dentro das aldeias, e as representações tradicionais do povo autóctone, tratadas com preconceito e taxadas como forma de “bruxaria” ou “feitiçaria”.
Para o MPF, o contexto de grave preconceito contra as formas de exercício religioso e místico tradicional, assim como a crescente violência contra as mulheres Guarani-Kaiowá, permeia os fatos que embasaram a presente denúncia.
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