Emissário de Moro avisou a Appio que ele cairia se continuasse a abrir a caixa preta da Lava Jato

"É melhor Appio parar porque ele tem problema", teria dito o emissário pouco antes do TRF-4 afastar o juiz. Relato da ameaça foi levado ao conhecimento do CNJ

Joaquim de Carvalho
Publicada em 26 de julho de 2023 às 11:55
Emissário de Moro avisou a Appio que ele cairia se continuasse a abrir a caixa preta da Lava Jato

Sergio Moro e Eduardo Appio (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado | Justiça Federal)

Algumas semanas antes do juiz Eduardo Appio ser afastado da 13a. Vara da Justiça Federal em Curitiba, um amigo o procurou para dizer que tinha se encontrado com um emissário do senador Sergio Moro. A certa altura da conversa, o emissário disse que o ex-juiz estava incomodado com Appio. Nas palavras do emissário, era melhor que parasse, pois "o Appio também tem problemas".

O amigo de Appio, que também já foi próximo de Moro, não entendeu exatamente o que o emissário queria dizer, mas viu naquelas palavras a insinuação da ameaça. Por isso, contou a Appio, que, como se sabe, não parou. Algumas semanas depois, a corte administrativa do Tribunal Regional Federal da 4a. Região (TRF-4) afastou o titular da 13a. Vara Federal de Curitiba, com base em uma denúncia apresentada com a participação decisiva de Moro.

O antecessor de Appio, que é senador pelo Paraná, entregou ao TRF-4 a gravação em vídeo do advogado João Eduardo Malucelli falando no celular, em viva voz, com um interlocutor que se passava por servidor do departamento de saúde do Judiciário e que, em essência, queria saber se ele é filho do desembargador Marcelo Malucelli. A corte administrativa do TRF-4 afastou Appio por ver no telefonema uma ameaça.

O titular da 13a. Vara foi obrigado a entregar celular, notebook e desde então (22'05) foi proibido de entrar no Fórum. Na última segunda-feira (24/07), a mesma corte decidiu abrir processo administrativo disciplinar que poderá resultar no seu afastamento definitivo da magistratura, com aposentadoria compulsória.

Não há nessa conversa gravada entregue por Moro ao TRF-4 nenhuma palavra que possa ser interpretada como ameaça. A única frase que poderia causar algum constrangimento é aquela em que a pessoa que se passa por um servidor do departamento de saúde pergunta: “E o senhor tem certeza que, que não não tem aprontado nada?”

A corte administrativa do TRF-4 afastou Appio sem que ele tivesse direito à defesa prévia, com base em um laudo da Polícia Federal não conclusivo, em que a voz do autor do telefonema foi classificada como parecida com a de Appio. Posteriormente, com Appio já afastado, seus advogados apresentaram parecer técnico que considera impossível afirmar que aquela voz seja a do titular da 13a. Vara Federal.

In dubio pro reo, diz a máxima jurídica. Mas nem é preciso invocá-la para entender que Appio está sendo punido não por seu eventual erro, mas por acertos. Afinal, não fosse ele, o advogado Rodrigo Tacla Duran não teria a oportunidade de denunciar, em juízo, um caso de possível extorsão, cometido por um amigo e compadre de Moro, Carlos Zucolotto Júnior.

Alberto Youssef também não se sentiria encorajado a apresentar provas de que houve uma escuta clandestina na prisão, desde o primeiro dia da Lava Jato. Tony Garcia, certamente, não contaria à Justiça que Gabriela Hardt tinha escondido a grave denúncia de que ele tinha cometido crimes por orientação de Moro, quando era seu agente infiltrado.

A sociedade também não saberia que os bilhões arrecadados em acordos de leniência na 13a. Vara da Justiça Federal em Curitiba compõem uma caixa preta, que ele próprio, Appio, tentou abrir, e não teve tempo para tanto. 

No depoimento que prestou na correição realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), além de denunciar a provável ameaça do emissário de Moro, Appio contou que a juíza Carolina Lebbos, da 12a. Vara da Justiça Federal de Curitiba, nem sequer respondeu a um ofício dele, em que perguntava sobre a destinação de R$ 12 milhões que lhe foram repassados pela 13a. Vara.

O corregedor nacional de Justiça, Luiz Felipe Salomão, que começou a investigar as denúncias de Appio com um certo alarde, já não demonstra o mesmo ímpeto. Negou a liminar que o colocaria de volta à 13a. Vara Federal de Curitiba. 

A Corregedoria do CNJ certamente não ignora que o telefonema gravado por João Eduardo Malucelli compromete Moro e seus aliados no TRF-4. Afinal, a gravação foi feita pela filha do senador, que tem um relacionamento sério com João Eduardo, que, por sua vez, é sócio de Moro em um escritório de advocacia e ocupa cargo no gabinete de um deputado estadual ligado ao senador.

E o pai de João Eduardo é o desembargador do TRF-4 que estava tentando impedir que Appio avançasse nas decisões jurisdicionais que, ao cabo, poderiam revelar a verdadeira natureza da 13a. Vara Federal. Não é novidade que, sob a liderança de Moro, a Lava Jato provocou ruína econômica e política no País.

E essa ruína só foi possível porque Moro conseguia manter suas decisões – muitas delas ilegais, segundo juristas –, com poderes que chegaram a superar o do próprio Supremo Tribunal Federal. Tony Garcia, que foi seu agente infiltrado, diz que a base desse poder é a chantagem.

Não é exagero concluir que Appio, se tivesse ouvido o emissário de Moro, certamente não teria sido removido da 13a. Vara Federal. Sua saída, por certo, representou um alívio para muitos agentes públicos no sul do País. 

Vou manter no anonimato o nome do amigo de Appio que foi contatado por emissário de Moro. Eu conversei com ele, e o CNJ sabe quem é, pois está no depoimento de Appio. Caminhos para investigação não faltam.

Joaquim de Carvalho

Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: [email protected]

Comentários

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    J. Cícero Costa 27/07/2023

    A lava jato foi o maior escândalo judicial da história do Brasil. Ao sabor das circunstâncias e para atender a conveniências políticas, criou-se uma farsa jurídica e assim, desvirtuando-se princípios e preceitos constitucionais pétreos, negou-se às vítimas (que os farsantes acusavam sem provas) o DIREITO POSITIVO, reto, justo e correto, e lhes impuseram pela via da exceção o ANTIDIREITO, cerceando-lhes a defesa e condenando-os sem provas, para atender-se aos interesses políticos das classes dominantes e do capital financeiro. Um jogo de cartas marcadas, com propósitos claramente políticos, forjado nos porões da República de Curitiba, e que certamente será lembrado pelas gerações futuras como uma das páginas mais sujas, tristes e iníquas da história do Brasil. Os protagonistas desse teatro a que se chamou de lava jato, certamente já têm garantido um lugar reservado na lata de lixo da história.

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