Empresa é processada por usar supostos venezuelanos para amedrontar e influenciar voto de trabalhadores

O MPT pede na ação que a empresa seja condenada a pagar indenização de R$ 500 mil por dano moral coletivo pelos inegáveis prejuízos aos valores sociais democráticos

MPT
Publicada em 25 de outubro de 2022 às 15:35
Empresa é processada por usar supostos venezuelanos para amedrontar e influenciar voto de trabalhadores

Cuiabá - O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) ajuizou, na última sexta-feira, 21.10, uma ação civil pública com pedido de liminar em face da empresa RSF Castelini Comércio Varejista de Vestuário (Castelini Confecções), de Campo Novo do Parecis, por assédio eleitoral. Segundo a denúncia, o estabelecimento realizou reunião, em ambiente de trabalho, com o propósito de expor seus trabalhadores ao relato de uma suposta venezuelana, com o objetivo de interferir na escolha política que se dará neste segundo turno das eleições 2022.

O MPT ressalta que a influência e a pressão exercidas são ilegais e que a conduta precisa ser imediatamente reparada, considerando a proximidade do pleito eleitoral (30.10). “A liberdade de manifestação do pensamento – que abrange a liberdade de orientação política – de um indivíduo não pode ser exercida com a finalidade de coagir, induzir ou mesmo com efeito de configurar qualquer tentativa de interferir na liberdade de pensamento e de posição política alheia. Ou seja, o respeito à liberdade de orientação política por uma pessoa não permite o esvaziamento desse mesmo direito de outrem. Esta situação, por certo, configura uma violência.”

Na ação, o órgão frisa que há inequívoco interesse público em se resguardar o pluralismo político em uma sociedade democrática. Isso significa dizer que o poder diretivo do empregador não pode impedir, em nenhuma hipótese, o exercício dos direitos de liberdade, de não discriminação, de expressão do pensamento e de exercício do voto, sob pena de se configurar um abuso desse direito, violando o valor social do trabalho.

“Deve-se ressaltar que no mundo do trabalho, especialmente em decorrência do poder hierárquico do empregador, a prática torna-se ainda mais perversa, pois coloca o trabalhador em conflito entre o direito de exercer a plena cidadania, em contraposição à necessidade de garantir a própria subsistência. Não há como negar, portanto, que essas circunstâncias revelam a situação de vulnerabilidade das pessoas economicamente dependentes e subordinadas (empregados), tornando-os suscetíveis às exigências abusivas empresariais.”

Para o MPT, ao agir assim, o empregador se valeu de sua ascendência hierárquica para alcançar situações externas ao contrato de trabalho, instaurando verdadeira atmosfera de temor na qual os empregados se veem coagidos a votar no candidato apoiado pelo patrão, sob a crença de que seus empregos estarão em risco se apoiarem ou elegerem outro candidato. “O empregador não pode se valer do vínculo de emprego para manipular o debate público e o jogo democrático. Inclusive, em decisão tomada na ADI 4650, o STF [Supremo Tribunal Federal] entendeu pela impossibilidade de financiamento empresarial das campanhas políticas por parte das empresas – elas não devem participar da política.”

Denúncias

O MPT recebeu duas Notícias de Fato (NFs) em face da ré, relatando que supostos venezuelanos estariam sendo levados a estabelecimentos comerciais para fazer “palestras” em que relatam as condições de vida em seu país. No discurso, tentam persuadir trabalhadores a votar em um determinado candidato à Presidência, argumentando que, caso não o façam, o Brasil se tornará "comunista".

Além de uma reportagem publicada em veículo de comunicação, foram anexados dois vídeos que comprovam integralmente a prática ilícita e que detalham as informações contidas na matéria jornalística. Em uma das gravações, é possível visualizar, sem margem para dúvida, uma suposta venezuelana falando diretamente para empregados(as) da ré. É possível, ainda, verificar que o nome da empresa aparece no uniforme dos(as) trabalhadores(as) reunidos no local.

O conteúdo da fala faz nítido discurso político tendente a influenciar os votos dos(as) empregados(as) nas eleições de segundo turno, especialmente quando menciona as consequências de um futuro governo “socialista”. A pretendida venezuelana diz que não gostaria que o Brasil passasse pela mesma situação que seu país de origem e que “quando um governo socialista ganha, não quer soltar”, em alusão clara à escolha para presidente a ser realizada. A natureza eleitoral do discurso também é percebida quando a palestrante fala que o governo decidiria pelas pessoas ali presentes o que elas não decidiram em votação.

Na ação, o MPT ressalta que não tem opinião política, lado ideológico ou preferência partidária, e que pretende apenas impor a observância da ordem jurídica. “Não há nessa demanda nenhuma intenção de adentrar em questões de cunho político, muito menos partidárias, eis que tais temas sequer têm lugar dentro atribuições previstas ao órgão pela Constituição Federal de 1988. Trata-se aqui da defesa de direitos fundamentais preconizados pela Constituição Federal de 1988: garantia da liberdade de orientação política e do direito à intimidade dos trabalhadores da empresa Ré. A finalidade, portanto, é assegurar a esses trabalhadores o exercício da cidadania plena, colocando fim a qualquer violência e assédio que vise à restrição ou coação por parte requerida."

Caráter inibitório

A ação foi ajuizada com pedido de tutela provisória de urgência antecipada. O perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo mostrou-se evidente pela própria natureza das violações trabalhistas que se busca coibir. “O ambiente de pressão político-partidária dentro do local de trabalho a que estão sendo submetidos os trabalhadores pode levá-los a realizar uma escolha de candidato à Presidência da República movida pelo medo da perda do emprego em detrimento à livre determinação de escolha política.”

A ação também tem caráter inibitório, visando à não continuação do ilícito, irrefutavelmente comprovado, conforme análise dos vídeos. “Os momentos eleitorais, em regra, são ocasiões em que as relações sociais são tensionadas e podem inflamar os ânimos da população, exigindo das instâncias decisórias de nosso país serenidade para lidar com questões relacionadas ao tema. Períodos como os ora vivenciados exigem que nossos esforços se voltem para o que há de objetivo e democrático no nosso país: a tutela dos direitos fundamentais delineados na Constituição Federal, fruto de construção social, cidadã e democrática.”

Pedidos

Na ação, o MPT requer que a empresa seja obrigada, de imediato, ao cumprimento de cinco obrigações, sob pena de multa de R$ 20 mil por infração, acrescida de R$ 10 mil por trabalhador prejudicado. São elas:

(1) ABSTER-SE, por si ou por seus prepostos, de adotar quaisquer condutas que, por meio de assédio moral, discriminação, violação da intimidade ou abuso de poder diretivo, intentem coagir, intimidar, admoestar e/ou influenciar o voto de quaisquer de seus empregados nas eleições para todos os cargos que ocorrerão no próximo dia 30/10/2022;

(2) ABSTER-SE, por si ou por seus prepostos, de obrigar, exigir, impor, induzir ou pressionar trabalhadores para realização de qualquer atividade ou manifestação política em favor ou desfavor a qualquer candidato ou partido político;

(3) ABSTER-SE, por si ou por seus prepostos, de permitir e/ou tolerar que terceiros que compareçam a quaisquer de suas instalações pratiquem as condutas descritas nos itens 1e 2;

(4) DIVULGAR, em prazo não superior a 24 horas após a intimação judicial, um comunicado para reafirmar o direito de seus empregados ao voto livre e secreto, independentemente do partido ou ideologia política, garantindo a todos os seus funcionários que não serão adotadas medidas de caráter retaliatório, como a perda de empregos, caso votem em candidatos diversos daqueles que sejam da preferência do(s) proprietário(s) da empresa. A divulgação do comunicado deve ser feita, cumulativamente:

(4.1) em todos os quadros de avisos de todos os estabelecimentos da ré, mantendo-o afixado até o dia 30/10/2022;

(4.2) na página principal inicial do sítio eletrônico da ré na Internet, mantendo-o em posição de destaque até o dia 30/10/2022;

(4.3) em publicação nas redes sociais da ré, a qual deverá permanecer em posição de destaque e sem qualquer restrição a acesso do público externo;

(4.4) em divulgação nos grupos de WhatsApp da empresa, caso existentes;

(4.5) por WhatsApp, individualmente, para todos(as) os(as) trabalhadores(as), a qualquer título, que laborem de forma presencial ou em regime de teletrabalho;

(4.6) por e-mail a todos(as) os(as) trabalhadores(as), a qualquer título, que laborem de forma presencial ou em regime de teletrabalho;

(4.7) mediante entrega de cópia física do comunicado, com recibo, a todos(as) os(as) trabalhadores(as), a qualquer título, que laborem de forma presencial. No caso de trabalhadores(as) em regime de teletrabalho, a entrega deve ser feita via e-mail corporativo ou outro meio similar à disposição da empresa, com comprovante de entrega, no prazo de até 5 (cinco) dias úteis contados da intimação judicial;

(5) ASSEGURAR a participação no pleito eleitoral dos trabalhadores que tenham de realizar atividades laborais na data de 30 de outubro de 2022, inclusive aqueles que eventualmente desempenhem sua jornada no regime de compensação de 12 x 36 horas.

Em razão do reflexo social negativo, vulnerando alguns dos valores mais caros do exercício democrático, como a liberdade de convicção política e de voto, bem como o respeito a todo o sistema de proteção do trabalho, o MPT também pede, em caráter definitivo, a condenação da empresa ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 500 mil. Esse tipo de reparação possui finalidade compensatória, punitiva e pedagógica. “É importante que as empresas se sintam desestimuladas em fraudar a lei, o que certamente não ocorrerá se a única sanção que obtiverem da Justiça for a da obrigação do cumprimento da determinação legal, a qual já deveria ser observada espontaneamente.”

Denúncias de assédio eleitoral chegam a 28 em MT

O MPT -MT já tem instauradas 28 investigações a partir de denúncias de possíveis casos de assédio eleitoral. As denúncias vêm de todas as regiões do estado. Nacionalmente, o MPT registra 1.195 denúncias relacionadas ao assunto.

O “modus operandi” é variado, indo desde promessas de benefícios e vantagens até ameaças de perda de emprego e exigência de participação em manifestação político-partidária, sempre com o objetivo de interferir na liberdade de escolha do candidato pelos trabalhadores.

Denúncias de assédio eleitoral podem ser feitas pelo site mpt.mp.br ou pelo app MPT Pardal.

Referências: NF 000606.2022.23.000/8 e ACPCiv 0000355-35.2022.5.23.0111

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