Entenda: STF discute se liberdade religiosa justifica custeio e exigência de tratamento de saúde diferenciados
Plenário ouve sustentações orais em casos envolvendo pacientes da religião Testemunha de Jeová. Discussão de mérito, com votos dos ministros, será em sessão posterior
Foto: Gil Ferreira/STF
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou na quinta-feira (8) o julgamento de dois Recursos Extraordinários, (RE) 979742 e (RE) 1212272, que discutem, respectivamente, se a liberdade religiosa de uma pessoa justifica o pagamento de um tratamento de saúde diferenciado pela União e se tal direito permite ao cidadão exigir certos procedimentos cirúrgicos.
Ambos os casos concretos envolvem pessoas cuja religião (Testemunha de Jeová) não permite a transfusão de sangue e, por isso, buscaram formas de realizar cirurgias sem o procedimento sob o argumento de proteção à liberdade religiosa.
O julgamento será marcado pela leitura das sustentações orais das partes, dos amici curiae (“amigos da Corte”, associações e organizações que apresentam pareceres sobre o tema em discussão) e da Procuradoria-Geral da República. A discussão de mérito, com os votos dos ministros, será em sessão posterior.
Custeio de tratamento diferenciado
No caso do Recurso Extraordinário (RE) 979742, a União recorre contra decisão que a condenou, junto com o Estado do Amazonas e o Município de Manaus, a arcar com toda a cobertura médico-assistencial de uma cirurgia de artroplastia total em outro Estado para a paciente, uma vez que o procedimento sem uso de transfusão de sangue não é ofertado no Amazonas.
Sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, o caso teve a repercussão geral reconhecida em 2017. Na ocasião, o relator destacou a importância da autodeterminação do indivíduo e o respeito às crenças, mas ponderou que o exercício da convicção religiosa para alocação de recursos públicos escassos, como no caso de uma cirurgia específica, pode comprometer outros princípios constitucionais.
“Exigir que o sistema de saúde absorva toda e qualquer pretensão individual, como se houvesse na Constituição o direito a um trunfo ilimitado, leva à ruína qualquer tentativa de estruturação de serviços públicos universais e igualitários”, afirmou.
Em parecer enviado ao caso, a Procuradoria-Geral da República propôs tese em que o Estado deve ser obrigado a arcar com os custos de procedimento médico que não viole a liberdade religiosa do cidadão desde que o tratamento alternativo já esteja disponibilizado a todos pelo sistema público de saúde.
Direito de exigir tratamento específico
O Recurso Extraordinário (RE) 1212272, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, tem como ponto de discussão o caso de uma paciente testemunha de Jeová que foi encaminhada para a Santa Casa de Maceió (AL) para a realização de uma cirurgia de substituição de válvula aórtica.
O procedimento foi rejeitado após a mulher se negar a assinar um termo de consentimento que previa a possibilidade de realização de eventuais transfusões de sangue durante o procedimento. Ao acionar a Justiça, a paciente frisou que é plenamente capaz, lúcida e ciente dos riscos da cirurgia sem transfusão de sangue, optando por rejeitar tal intervenção para resguardar seu direito de autodeterminação e sua dignidade.
Nas instâncias inferiores, os juízes rejeitaram o pedido da paciente para fazer a cirurgia sem transfusão. O argumento principal é que, embora haja declarações de médicos apontando ser possível realizar o procedimento sem a transfusão, não há garantias de que tal método seria isento de riscos para a paciente.
Ao reconhecer a repercussão geral do caso, em 2019, o ministro Gilmar Mendes pontuou que o direito de autodeterminação das Testemunhas de Jeová em exigir tratamento médico sem transfusão de sangue é uma discussão de “inegável relevância”. “Destaque-se que o alcance dos destinatários da liberdade religiosa não deve ser medido pela força numérica nem pela importância social de determinada associação religiosa”, afirmou.
Em parecer, a PGR defende proposta em que o paciente possa recusar tratamento médico por motivos religiosos, desde que ausente risco à saúde pública e à coletividade. Além disso, a Procuradoria sugeriu tese em que diz ser possível a realização de procedimento cirúrgico sem transfusão, desde que haja viabilidade técnico-científica, anuência da equipe médica e decisão inequívoca do paciente.
(Paulo Roberto Netto/CR//AL)
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