Escavação arqueológica evidencia estrutura centenária do antigo Hospital da Candelária

Escavação no sítio histórico da Madeira-Mamoré encontrou alicerce do hospital e objetos da época da construção da ferrovia

Ascom/UNIR
Publicada em 26 de maio de 2023 às 11:45
Escavação arqueológica evidencia estrutura centenária do antigo Hospital da Candelária

Pesquisadores do curso de Arqueologia da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) realizaram, neste mês de maio, em Porto Velho, a primeira escavação arqueológica em área urbana no estado. A escavação arqueológica evidenciou parte do alicerce do antigo Hospital da Candelária, uma unidade de saúde criada por volta de 1907 para atender os trabalhadores durante a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM) e que agora é denominada de sítio arqueológico Candelária, e mais alguns achados importantes para o resgate dessa parte da história do município.

O local escavado nessa etapa corresponde ao que antigamente era a Casa dos Operários (número 6 no mapa disponível no final do texto) e também o necrotério do complexo hospitalar da Candelária. A fundação que deu sustentação ao prédio há mais de um século, as antigas tubulações de água, ainda metálicas, as canaletas do sistema de esgotamento sanitário e os próprios tubos de esgoto, feitos de cerâmica, estavam lá, soterrados pela ação do tempo e também humana.

Segundo a professora Juliana Santi, docente no curso de Arqueologia da UNIR e coordenadora da atividade, a estrutura centenária encontrada pelos pesquisadores foi muito bem planejada e considerada uma engenharia moderna para a época. Todo o sistema de encanamento veio de fora do Brasil, diretamente dos Estados Unidos para ser utilizado aqui, e por esse motivo também se diferencia do que é encontrado em outras regiões do país da mesma época.

Ao todo, o complexo do Hospital da Candelária, uma estrutura de saneamento básico e atenção à saúde, era formado por 29 espaços diferentes, entre os quais cinco enfermarias com capacidade para 48 leitos cada uma, sala de cirurgia, farmácia, casa dos médicos, casa dos enfermeiros, horta, cozinha, curral, cocheira, galinheiro, carpintaria, entre outros, além do cemitério. “A importância desse estudo é mostrar que essa estrutura, que foi abandonada, poderia ter sido preservada, mas não foi por questões políticas. A história oficial fala da construção da estrada de ferro, dos médicos, dos enfermeiros, dos engenheiros, mas essa estrutura, evidenciada pela Arqueologia, está mostrando outras pessoas que também trabalhavam aqui, não diretamente na ferrovia, e sim dando o suporte necessário para a construção, como os operários, os trabalhadores da horta, do curral, as pessoas que faziam a comida e que limpavam o local, e é a História dessas pessoas invisibilizadas que queremos contar”, destaca Juliana.

O estudo é realizado por professoras, alunos e alunas do curso de Arqueologia da UNIR, campus de Porto Velho, e ex-alunos e ex-alunas voluntários que auxiliam na escavação. Além de ser um trabalho de pesquisa, é também uma atividade das disciplinas de Práticas de Campo em Arqueologia, obrigatórias no curso de graduação. “São estudantes daqui, nascidos na região, que tem pais, avós e bisavós que fizeram parte dessa história e estão aqui, através da Universidade, resgatando e documentando essas memórias”, disse a professora.

Paulo Maia, estudante do 8º período de Arqueologia, é um desse alunos que está participando do estudo e para quem “a experiência prática tem sido muito enriquecedora”. No trabalho intitulado “Materializando as mulheres pelas garrafas de remédios na Coleção Vila de Santo Antônio (C.V.S.A), Porto Velho, RO”, ele pesquisa como foi a participação histórica das mulheres na farmácia por meio de evidências arqueológicas. “Encontramos um frasco antigo de sal de frutas que tem ligação com a minha pesquisa e outros fragmentos que também ajudam a contar parte dessa história desconhecida da cidade”, disse.

Os achados arqueológicos e vestígios das ocupações

No sítio Candelária, os pesquisadores encontraram a fundação de uma casa e outros “artefatos arqueológicos” datados da época da construção da EFMM e de períodos posteriores, de quando o local foi transformado no orfanato Educandário Belisário Pena.

Da estrutura, ficaram evidentes os alicerces, as valetas, o encanamento para água e o sistema de esgoto do local. Além disso, também foram encontrados fragmentos de louças de porcelana, ganchos de metal, possivelmente do frigorífico que atendia ao hospital, frascos antigos de remédio, garrafas de vidro de água tônica e cravos de metal característicos da ferrovia. A garrafa d’água, por exemplo, data do período entre 1865 e 1910 e era trazida dos Estados Unidos. São materiais que, de acordo com os pesquisadores, evidenciam a grandiosidade e complexidade da estrutura do antigo hospital.

Já dos períodos mais recentes, muito provavelmente da época do orfanato, os pesquisadores encontraram fragmentos de materiais infantis como pedaços de roupas e tecidos, pedaços de brinquedos e solados de sapatos infantis. “Ao conversar com moradores da comunidade e estudantes que participaram do projeto, percebemos que as pessoas conhecem o cemitério da candelária, que é tombado como patrimônio histórico da União, e lembram do orfanato, mas o hospital foi sendo apagado ao longo do tempo. É essa história, a história dos trabalhadores e trabalhadoras que passaram por aqui que pretendemos contar”, comenta Juliana Santi.

Trabalho de escavação arqueológica

O trabalho de escavação é feito em etapas. Conforme vão sendo retiradas as camadas de terra do sítio arqueológico, é que vão aparecendo os indícios das ocupações do local. Quanto mais profunda a escavação no solo, mais antigos serão as comunidades estudadas, bem como os artefatos encontrados, pois, com o passar do tempo, a terra e os sedimentos vão encobrindo os materiais.

A professora Juliana Santi explica que as raízes das árvores encontradas nas escavações são mantidas por uma questão de preservação ambiental, mas também para demonstrar as modificações provocadas no sítio arqueológico. Além da ação do tempo, há também a ação humana que interfere na preservação das evidências e dificulta a realização dos estudos. “Percebemos que as estruturas do complexo foram claramente revolvidas, e a Casa dos Operários é uma das poucas, talvez a única, que permanece in situ [no lugar]”, disse.

Ensino, pesquisa e extensão

Nesse projeto de pesquisa, intitulado “Arqueologia Histórica em Porto Velho-RO: Coisas, Pessoas, Conflitos, Apagamentos e Resistência”, o ensino, a pesquisa e a extensão universitária alcançam a comunidade Portovelhense por meio da realização de oficinas e diálogos com a comunidade afetada, aulas abertas ao público em geral e disponibilização de espaços para visitação.

Esta é uma forma de externar para a sociedade o conhecimento produzido na universidade de uma maneira mais acessível para todos os públicos. E com esse objetivo, entre os dias 15 e 17 de maio, três turmas de 3º anos do Ensino Médio da escola Estadual Daniel Neri participaram de aulas abertas no sítio de escavação. Os estudantes tiveram a oportunidade de ver de perto e participar ativamente da escavação.

Depois, na sexta-feira, dia 19, as acadêmicas do 2° ao 8º período de Arqueologia realizaram atividades educativas de escavação simulada para as crianças da escola estadual Franklin Delano Roosevelt, a única do bairro Triângulo e que fica próximo ao local da pesquisa. “As atividades educativas de educação patrimonial e arqueologia pública são um trabalho de base para que as pessoas possam entender a função da Arqueologia nesses ambientes, para que as crianças e os adolescentes compreendam o que determinado artefato representa, como está inserido no seu cotidiano, e que a ciência está aqui para contribuir com a comunidade”, explica a arqueóloga Glenda Félix, servidora da UNIR.

Winz

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