Estrutura de informação, inteligência e estratégia para o novo governo tem inspiração na redemocratização

A estrutura que está sendo planejada ficará, ao que tudo indica, sob o comando do ex-chanceler e embaixador Celso Amorim

Denise Assis
Publicada em 09 de dezembro de 2022 às 11:55
Estrutura de informação, inteligência e estratégia para o novo governo tem inspiração na redemocratização

Fachada da Abin (Foto: Reprodução/Abin)

As confabulações em torno da possível transferência da Agência Brasileira de Informações (Abin), para o âmbito da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), que está sendo pensada na nova estrutura do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, tem respaldo em fatos da história recente.  A própria criação da SAE teve como motivação assumir as funções do Serviço Nacional de Informações (SNI), de triste e recente lembrança, àquela altura do surgimento da nova Secretaria, 1990 -, pois era um órgão central no organograma da repressão, na ditadura (1964/1985). 

Outra mudança que vem sendo pensada, a de abrigar a Abin sob o teto da SAE, não é nova e é perfeitamente cabível, pois foi outro dos artifícios da transição nos anos de 1980, para afastar qualquer modelo ou possibilidade de controle fora dos princípios democráticos. A estrutura que está sendo planejada ficará, ao que tudo indica, sob o comando do ex-chanceler e embaixador Celso Amorim, amigo do presidente Lula e figura central na política ativa e altiva – como costuma definir –, dos governos petistas. Amorim cuidará apenas da SAE, sendo a Abin gerida por um diretor à parte. Também desta vez o objetivo é desmilitarizar a Agência, tornando-a mais próximas de suas atividades de origem: reforçar o conceito de “inteligência” e não o de “informação”, típico de governos autoritários.

Necessário se faz lembrar que o SNI foi um órgão fundamental para o funcionamento da máquina repressiva, que moeu no pau milhares de presos políticos detidos porque foram identificados e monitorados pelo Serviço, que tinha como função além de levantar dados dos possíveis “subversivos”, disseminar as informações (e só ele podia fazer isto), por todo o território nacional. Desta forma, quem entrasse no seu fichário poderia ser procurado e preso do Oiapoque ao Chuí. Em qualquer delegacia ou órgão público estaria registrado que aquela pessoa entrou na mira do “sistema”. Portanto, banido de possibilidades de empregos em órgãos públicos e, ainda, caçado feito animal.

Tal prática teve início ainda antes do golpe, quando os embriões tanto da conspiração para a queda de João Goulart quanto dessa máquina começaram a ser gestados no Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipês), no ano de 1962, quando o Instituto foi inaugurado pelo general Golbery do Couto e Silva, com a fachada muito semelhante, por exemplo, ao “Instituto Millenium”. Um “inocente” think tank voltado para cursos de formação política e cultural da sociedade. 

Ali, também, eram monitorados líderes e ativistas de esquerda, que começaram a ganhar fichas com seus dados e atividades que, em junho de 1964, foram transferidas para Brasília, onde seria fundado o SNI. Depois de 1964 as fichas iam parar nas mãos dos delegados do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), ou no Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) -, de onde muitos não tiveram a sorte de sair com vida. Morreram nas mãos dos seus algozes, em geral oficiais do Centro de Informações do Primeiro Exército (CIE), onde funcionava o DOI-CODI, criado e mantido por aquela instituição. São 434 os mortos e desaparecidos da ditadura, segundo o Relatório da Comissão Nacional da Verdade.

O SNI foi desativado em 1990, no governo de Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente eleito por voto direto (1989) após a redemocratização. Até ali, o Serviço continuava alocado na SAE, de modo a livrar a atividade do setor, do estigma causado pela sua ação e dos órgãos a ele vinculados nas décadas anteriores.

A organização do novo Sistema Brasileiro de Inteligência ocorreu no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, culminando com a criação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que começaria a funcionar em 1999. O seu quadro de funcionários foi constituído por concurso público.

A Secretaria de Assuntos Estratégicos acabou extinta em 1998 e teve suas funções repassadas para um novo órgão, criado para substituir a Casa Militar, com o nome de Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), ao qual a Abin ficaria subordinada.

A SAE, tal como se está pensando agora, tinha o propósito de assessorar o presidente da República quanto às estratégias governamentais em áreas como: desenvolvimento econômico, a segurança e a defesa nacional, o meio ambiente, dentre outras. Integrava órgãos essenciais da Presidência da República, ao lado da Casa Civil, do Gabinete Militar, da Secretaria Geral e da Secretaria de Comunicação. 

Sua competência era a de assistir direta e imediatamente o presidente da República em suas atribuições, incluindo políticas públicas, na definição de estratégias de desenvolvimento; na promoção de estudos e controles de planos, programas e projetos de natureza estratégica e de macrozoneamento ecológico-econômico. Tinha, ainda, o dever de executar atividades necessárias ao exercício da competência do Conselho de Defesa Nacional. Também ficavam vinculadas à SAE, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e suas empresas, como a Nuclebrás, por exemplo. 

Diferentemente do antigo SNI, as informações coletadas pela Abin são - ou deveriam ser -, usadas na condução de políticas governamentais e não para análises políticas ou partidárias. 

Recriação da SAE

No primeiro governo do presidente Lula a função de planejamento estratégico das ações governamentais coube à Secretaria de Comunicação de Governo e Planejamento Estratégico (Secom), com status de ministério. Em 2005 a Secom passou a ser subordinada à Secretaria Geral da Presidência da República e foi recriado o Ministério Extraordinário de Assuntos Estratégicos, sob cuja estrutura ficava o Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea). 

Em julho de 2008, depois de muitas disputas internas, o impasse foi resolvido com a transformação do ministério extraordinário novamente na Secretaria de Assuntos Estratégicos, órgão de assessoria direta da presidência da República. A SAE era formada também pela Subsecretaria de Desenvolvimento Sustentável, responsável pela promoção e coordenação de ações referentes à Amazônia e ao seu desenvolvimento. A secretaria acabou sendo motivo de novas disputas, resmungos e encontrões e sucumbiu, estando agora no horizonte do grupo de transição, como uma forma de trazer para perto do presidente, a figura indispensável nas estratégias da política externa e todos os seus desdobramentos, Celso Amorim. 

Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Veja, Isto É e O Dia. É autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964"; "Imaculada" e “Claudio Guerra: Matar e Queimar”. Integrante do Jornalistas pela Democracia

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