Etarismo, preconceito universal em alta

Este não é um problema econômico ou político. Trata-se apenas de mais uma manifestação da estupidez e da mesquinharia humanas

Fonte: Tereza Cruvinel - Publicada em 10 de novembro de 2025 às 17:05

Etarismo, preconceito universal em alta

Etarismo, preconceito universal em alta (Foto: Agência Brasil)

247 - Mais uma vez, ao escolher o tema da redação do Enem, os educadores do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) provocaram nossos jovens a refletirem e escreverem sobre temas contemporâneos de alta relevância.

Talvez nem todos os que discorreram na prova de domingo sobre "Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira" tenham abordado a questão do etarismo, ou idadismo, o preconceito contra pessoas idosas. Afinal, o envelhecimento da população brasileira traz desafios também para os sistemas previdenciário e de saúde, bem como para a assistência social. Cada vez mais as famílias empurram seus idosos para as instituições de acolhimento, sejam públicas ou privadas.

Se o etarismo, ao contrário dos prognósticos, não tiver sido um dos aspectos privilegiados pelos estudantes em suas redações, será sinal de que estamos ainda piores do que pensamos. Sinal de que este preconceito e seus efeitos nefastos ainda são muito ignorados pelos mais jovens. Quando o mal não é percebido, não é combatido e tende a se agravar.

No entanto, o etarismo é o preconceito mais abrangente, de alcance mais universal. Mais que o racismo e o machismo. Ele não atinge as pessoas pela cor da pele, pela etnia, pelas características físicas, pelo status econômico-social, pela religião, pelo gênero ou pela orientação sexual. É universal porque ocorre em diferentes sociedades, embora seja mais agudo em países com menor índice de desenvolvimento humano (IDH).

Suas consequências também são vastas. Idosos são discriminados quando buscam trabalho, apesar de frequentemente carregarem uma experiência que seria positiva para a empresa. Enxotados do mercado de trabalho quando ainda poderiam contribuir para a geração de riqueza, serão um peso econômico para suas famílias ou para o Estado.

A discriminação profissional e o isolamento social, juntamente com os estereótipos negativos sobre ser idoso – são lentos, desatualizados, incapazes, chatos e feios –, levam à depressão e a outras doenças físicas e mentais, ao declínio cognitivo e às enfermidades precoces.

Os "velhos sem previdência" do Brasil vão se encostar no BPC ou vão se tornar "velhos de rua". Já tivemos as crianças, agora temos uma vasta população em situação de rua, com destaque para os idosos. E mesmo em famílias mais abastadas, eles são ostracizados e cada vez mais são internados em casas de repouso pagas.

Os idosos são tratados como cidadãos de segunda classe, que já não pertencem completamente ao mundo contemporâneo, e por isso não são positivamente representados na mídia e nas imagens sociais. Nem para vender cosméticos "anti-aging" a publicidade se vale de mulheres-modelos mais velhas. Aos idosos são dirigidas expressões depreciativas e, mesmo se isso não é verbalizado, recebem um tratamento paternalista, são tratados com aquela postura de tutela destinada aos incapazes e às crianças.

Se um idoso pede ao filho ou neto que o ensine a fazer uma operação no celular, o mais jovem pega o aparelho e faz a coisa pedida. Não lhe ensina, pressupondo a incapacidade de aprender. Isso é fato corrente.

Numa conexão com o machismo, o etarismo maltrata especialmente as mulheres. Ao longo de toda a vida laboral, nós enfrentamos a inferioridade salarial em relação aos homens, embora hoje tenhamos até uma lei proibindo isso. Na maturidade, somos mais discriminadas que eles no acesso ao trabalho, vítimas da falsa ideia de que perdemos produtividade mais cedo. Nas profissões que valorizam muito os atributos estéticos, muito cedo perdemos competitividade, por mais competentes que sejamos.

Até mesmo as políticas públicas tendem a se preocupar mais com a mulher em idade reprodutiva, relegando a segundo plano aquelas que já cruzaram a linha da menopausa. A prevenção dos cânceres de mama e útero, por exemplo, foca especialmente nas mais jovens, embora as mais velhas também sejam alvo destas doenças, e ainda da osteoporose, da hipertensão, da hiperlipidemia e de outros males que chegam mais tarde.

Muitas são as formas de invisibilização impostas à mulher na terceira idade, apesar de todas as conquistas que tivemos nas últimas décadas. Temos direitos garantidos e temos força e coragem para lutar pelos que se apresentam como necessidades novas. Conquistamos a liberdade e a independência, temos ampliado nosso papel e protagonismo em tantas áreas, mas, quando a idade chega, enfrentamos a invisibilização.

Ela decorre das desigualdades de gênero que ainda persistem e da falta de políticas públicas específicas. E, ainda quando elas conseguem preservar o protagonismo social ou profissional, tornam-se elementos econômicos, sociais, políticos, profissionais ou familiares, mas já não são vistas como mulheres no que diz respeito à vida sexual e afetiva.

Prevalece a falsa ideia de que o sexo é inexistente, proibido ou desnecessário na terceira idade das mulheres, um estigma decorrente da associação da sexualidade exclusivamente à juventude, quando, em verdade, ela toma formas e necessidades diversas nas diferentes fases da vida.

Enquanto os homens mais velhos, principalmente se têm boa renda, são aceitos por mulheres bem mais jovens para relacionamentos afetivos, às mulheres maduras é negada a possibilidade de reconstruírem seus relacionamentos quando ficam viúvas ou se separam (frequentemente porque o marido apaixonou-se por outra bem mais jovem).

O etarismo e suas manifestações deletérias, infelizmente, vão acentuar-se no Brasil se não o combatermos intensamente agora, pois o porcentual da população idosa ainda vai aumentar muito. Este é um dado demográfico que o IBGE já tornou indiscutível.

Entre os anos 2000 e 2023, os idosos passaram de 8,7% para 15,6% da população. Ou de 15 milhões para 33 milhões em números absolutos.

Em 2021, o Brasil tinha 14,7% da população com 60 anos ou mais, ou 31,23 milhões em números absolutos. O aumento foi de 39% quando comparado aos nove anos anteriores. Até 2030, o Brasil deverá ter a quinta população mais idosa do mundo.

Em 2070, as pessoas com mais de 60 anos representarão 75,3% da população.

Muitos problemas advirão desta inflexão demográfica e teremos que encontrar soluções na hora certa. O etarismo, entretanto, temos que começar a combater agora. Este não é um problema econômico ou político. Trata-se apenas de mais uma manifestação da estupidez e da mesquinharia humanas.

Tereza Cruvinel

Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.

Etarismo, preconceito universal em alta

Este não é um problema econômico ou político. Trata-se apenas de mais uma manifestação da estupidez e da mesquinharia humanas

Tereza Cruvinel
Publicada em 10 de novembro de 2025 às 17:05
Etarismo, preconceito universal em alta

Etarismo, preconceito universal em alta (Foto: Agência Brasil)

247 - Mais uma vez, ao escolher o tema da redação do Enem, os educadores do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) provocaram nossos jovens a refletirem e escreverem sobre temas contemporâneos de alta relevância.

Talvez nem todos os que discorreram na prova de domingo sobre "Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira" tenham abordado a questão do etarismo, ou idadismo, o preconceito contra pessoas idosas. Afinal, o envelhecimento da população brasileira traz desafios também para os sistemas previdenciário e de saúde, bem como para a assistência social. Cada vez mais as famílias empurram seus idosos para as instituições de acolhimento, sejam públicas ou privadas.

Se o etarismo, ao contrário dos prognósticos, não tiver sido um dos aspectos privilegiados pelos estudantes em suas redações, será sinal de que estamos ainda piores do que pensamos. Sinal de que este preconceito e seus efeitos nefastos ainda são muito ignorados pelos mais jovens. Quando o mal não é percebido, não é combatido e tende a se agravar.

No entanto, o etarismo é o preconceito mais abrangente, de alcance mais universal. Mais que o racismo e o machismo. Ele não atinge as pessoas pela cor da pele, pela etnia, pelas características físicas, pelo status econômico-social, pela religião, pelo gênero ou pela orientação sexual. É universal porque ocorre em diferentes sociedades, embora seja mais agudo em países com menor índice de desenvolvimento humano (IDH).

Suas consequências também são vastas. Idosos são discriminados quando buscam trabalho, apesar de frequentemente carregarem uma experiência que seria positiva para a empresa. Enxotados do mercado de trabalho quando ainda poderiam contribuir para a geração de riqueza, serão um peso econômico para suas famílias ou para o Estado.

A discriminação profissional e o isolamento social, juntamente com os estereótipos negativos sobre ser idoso – são lentos, desatualizados, incapazes, chatos e feios –, levam à depressão e a outras doenças físicas e mentais, ao declínio cognitivo e às enfermidades precoces.

Os "velhos sem previdência" do Brasil vão se encostar no BPC ou vão se tornar "velhos de rua". Já tivemos as crianças, agora temos uma vasta população em situação de rua, com destaque para os idosos. E mesmo em famílias mais abastadas, eles são ostracizados e cada vez mais são internados em casas de repouso pagas.

Os idosos são tratados como cidadãos de segunda classe, que já não pertencem completamente ao mundo contemporâneo, e por isso não são positivamente representados na mídia e nas imagens sociais. Nem para vender cosméticos "anti-aging" a publicidade se vale de mulheres-modelos mais velhas. Aos idosos são dirigidas expressões depreciativas e, mesmo se isso não é verbalizado, recebem um tratamento paternalista, são tratados com aquela postura de tutela destinada aos incapazes e às crianças.

Se um idoso pede ao filho ou neto que o ensine a fazer uma operação no celular, o mais jovem pega o aparelho e faz a coisa pedida. Não lhe ensina, pressupondo a incapacidade de aprender. Isso é fato corrente.

Numa conexão com o machismo, o etarismo maltrata especialmente as mulheres. Ao longo de toda a vida laboral, nós enfrentamos a inferioridade salarial em relação aos homens, embora hoje tenhamos até uma lei proibindo isso. Na maturidade, somos mais discriminadas que eles no acesso ao trabalho, vítimas da falsa ideia de que perdemos produtividade mais cedo. Nas profissões que valorizam muito os atributos estéticos, muito cedo perdemos competitividade, por mais competentes que sejamos.

Até mesmo as políticas públicas tendem a se preocupar mais com a mulher em idade reprodutiva, relegando a segundo plano aquelas que já cruzaram a linha da menopausa. A prevenção dos cânceres de mama e útero, por exemplo, foca especialmente nas mais jovens, embora as mais velhas também sejam alvo destas doenças, e ainda da osteoporose, da hipertensão, da hiperlipidemia e de outros males que chegam mais tarde.

Muitas são as formas de invisibilização impostas à mulher na terceira idade, apesar de todas as conquistas que tivemos nas últimas décadas. Temos direitos garantidos e temos força e coragem para lutar pelos que se apresentam como necessidades novas. Conquistamos a liberdade e a independência, temos ampliado nosso papel e protagonismo em tantas áreas, mas, quando a idade chega, enfrentamos a invisibilização.

Ela decorre das desigualdades de gênero que ainda persistem e da falta de políticas públicas específicas. E, ainda quando elas conseguem preservar o protagonismo social ou profissional, tornam-se elementos econômicos, sociais, políticos, profissionais ou familiares, mas já não são vistas como mulheres no que diz respeito à vida sexual e afetiva.

Prevalece a falsa ideia de que o sexo é inexistente, proibido ou desnecessário na terceira idade das mulheres, um estigma decorrente da associação da sexualidade exclusivamente à juventude, quando, em verdade, ela toma formas e necessidades diversas nas diferentes fases da vida.

Enquanto os homens mais velhos, principalmente se têm boa renda, são aceitos por mulheres bem mais jovens para relacionamentos afetivos, às mulheres maduras é negada a possibilidade de reconstruírem seus relacionamentos quando ficam viúvas ou se separam (frequentemente porque o marido apaixonou-se por outra bem mais jovem).

O etarismo e suas manifestações deletérias, infelizmente, vão acentuar-se no Brasil se não o combatermos intensamente agora, pois o porcentual da população idosa ainda vai aumentar muito. Este é um dado demográfico que o IBGE já tornou indiscutível.

Entre os anos 2000 e 2023, os idosos passaram de 8,7% para 15,6% da população. Ou de 15 milhões para 33 milhões em números absolutos.

Em 2021, o Brasil tinha 14,7% da população com 60 anos ou mais, ou 31,23 milhões em números absolutos. O aumento foi de 39% quando comparado aos nove anos anteriores. Até 2030, o Brasil deverá ter a quinta população mais idosa do mundo.

Em 2070, as pessoas com mais de 60 anos representarão 75,3% da população.

Muitos problemas advirão desta inflexão demográfica e teremos que encontrar soluções na hora certa. O etarismo, entretanto, temos que começar a combater agora. Este não é um problema econômico ou político. Trata-se apenas de mais uma manifestação da estupidez e da mesquinharia humanas.

Tereza Cruvinel

Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.

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