Fake News e a falsa noção de liberdade de expressão

Todos querem participar dos debates públicos como se estivessem na esfera privada com familiares e amigos, deslocando de uma esfera para outra as suas perspectivas, que nem sempre fazem sentido ou que escandalizam pela forma, oportunidade e conteúdo

Douglas de Castro
Publicada em 04 de fevereiro de 2021 às 09:13
Fake News e a falsa noção de liberdade de expressão

Observamos o surgimento de um debate na sociedade brasileira sobre a liberdade de expressão e manifestação. Muitos manipulam este direito conforme os seus interesses, alegando a necessidade de se proteger esta liberdade. Ocorre que precisamos lembrar que, para contrapor a fala do Presidente Bolsonaro, a liberdade absoluta do leão significa a morte dos cordeiros, ou seja, não se pode tomar qualquer direito fundamental como absoluto.

O Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição tem ainda o papel de harmonizar os choques que podem ocorrer entre o uso e eventual abuso dos direitos fundamentais, o que vale dizer que, em determinadas situações, um direito fundamental deve prevalecer sobre outro, ou ao contrário, teríamos uma situação de permanente conflito e, portanto, insegurança jurídica.

Umberto Eco no livro O Cemitério de Praga observa: Será que agora todos podem dizer o que lhes agrada, sem comedimento e sem respeito pela fé e pela moral?

Esta pergunta amplia a perspectiva com as mídias sociais. Neste sentido, o autor, certa vez, foi mais enfático ao afirmar que, atualmente com a Internet, qualquer idiota tem opinião. No sentido que Eco usa o termo "idiota", o que penso ser no seu sentido original e não no pejorativo: idiotes para o grego era o de "homem privado", metido com seus próprios afazeres e afastado da gestão da coisa pública.

Todos querem participar dos debates públicos como se estivessem na esfera privada com familiares e amigos, deslocando de uma esfera para outra as suas perspectivas, que nem sempre fazem sentido ou que escandalizam pela forma, oportunidade e conteúdo.

Tenho pavor de pessoas que falam com orgulho: "falo a verdade, doa a quem doer". Não me sinto desconfortável pela manifestação da verdade (que deve ser sempre buscada, mas que é trabalhosa e nem sempre é conveniente para aquele que busca, daí a facilidade de espalhamento das fake news), mas sim pela forma e oportunidade. Esta pessoa com a falsa noção da liberdade de expressão não compreende que a sociedade é feita de relações sociais e pela diversidade, o que implica que a forma e oportunidade (ainda que a manifestação em seu conteúdo seja verdadeiro) atenta contra os laços que nos unem em sociedade.

Douglas de Castro é Advogado head das áreas ambiental e regulatória do Cerqueira Leite Advogados. Ele é pós-doutor em Direito Internacional Econômico pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, doutor em Ciência Política - Relações Internacionais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, LL.M. em Direito Internacional pela Brigham Young University. Professor de Direito Internacional e Relações Internacionais na Universidade Paulista (UNIP) e Professor Visitante na Foundation for Law and International Affairs (Washington D.C.).

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