GT do MP Eleitoral alerta para retrocessos na legislação de anistia a partidos que descumpriram cotas de gênero

Grupo propõe ajustes em dispositivos que podem restringir participação feminina na política, colocando Brasil na contramão de outros países

MPF/Arte: Secom/MPF
Publicada em 28 de abril de 2022 às 12:18
GT do MP Eleitoral alerta para retrocessos na legislação de anistia a partidos que descumpriram cotas de gênero

O Grupo de Trabalho de Prevenção e Combate à Violência Política de Gênero do Ministério Público Eleitoral elaborou nota técnica em que alerta sobre a necessidade de ajustes em trechos da Emenda Constitucional (EC) 117/2022, que formalizou as normas de financiamento das campanhas femininas, mas anistiou partidos que descumpriram políticas afirmativas nas eleições passadas. Promulgada em abril deste ano, a EC incluiu na Constituição Federal regras que já haviam sido consolidadas em decisões judiciais para a destinação de recursos mínimos e tempo de propaganda no rádio e na TV às candidatas. Para o GT, no entanto, alguns pontos do texto representaram “retrocesso a garantias constitucionais e a direitos na matéria de promoção de gênero já reconhecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF)”.  

No documento, o grupo considera preocupante o trecho da Emenda (artigos 2º e 3º) que afasta a aplicação de sanções aos partidos que não cumpriram a cota de gênero (30% das candidaturas proporcionais) nas últimas eleições. Os dispositivos também anistiam aqueles que não destinaram o percentual mínimo de 30% de recursos públicos para o financiamento de campanhas de mulheres e de 5% do montante recebido do Fundo Partidário para ações de promoção da participação feminina na política. O grupo chama atenção para o fato de que não é a primeira vez que uma lei tenta afastar a aplicação de penalidade por não aplicação dos recursos voltados ao incentivo da participação da mulher na política.

“A Emenda Constitucional 117/2022 entra para o rol das reiteradas e sucessivas anistias aprovadas no Parlamento para evitar sanções aos partidos políticos que descumprem as políticas afirmativas voltadas para inclusão de gênero, reforçando o recado legislativo de que tais políticas não têm importância suficiente para gerarem sanções quando desrespeitadas”, ressalta a Nota Técnica. O documento reforça que as ações afirmativas femininas no contexto político-partidário são conquistas que, ainda insuficientes, continuam sendo indispensáveis.

Nesse sentido, o grupo do MP Eleitoral conclui que algumas das regras contidas na EC podem provocar grandes restrições aos direitos políticos das mulheres, o que constitui violência política de gênero. “O Brasil está seguindo na contramão dos países onde a representação feminina aumentou, caso adote políticas que restrinjam, por qualquer modo, a participação feminina na política”, afirma o GT, referindo-se a trechos da Emenda Constitucional 117/2022 aprovados pelo Congresso brasileiro.

Acúmulo de verbas – Outro problema apontado no documento elaborado pelo GT é que a EC permite às agremiações acumularem as verbas não aplicadas nas ações de fomento à participação feminina na política partidária para uso posterior em campanha eleitoral. Essa possibilidade, segundo o GT, contraria decisão do STF. No julgamento da ADI 5.617, a Suprema Corte declarou inconstitucional o dispositivo de uma lei que permitia esse tipo de acúmulo para aplicação futura em campanhas de mulheres.

A Nota Técnica ressalta que os partidos não podem acumular verbas oriundas de finalidades distintas em diferentes exercícios financeiros ou manusear suas aplicações em desconformidade com a destinação legal do dinheiro público disponibilizado. “Os recursos afetados à difusão da participação política feminina têm por objetivo beneficiar, não apenas as candidatas, mas todo o grupo de gênero, por meio de sua preparação para a vida político-partidária, de maneira permanente e não apenas em ano eleitoral”, pontua o grupo de trabalho.  

Distribuição da cota - A nota técnica também chama atenção para o fato de a emenda aprovada pelo Congresso deixar a critério livre dos partidos a distribuição do montante mínimo de recursos e tempo de rádio e televisão destinados às mulheres. A EC determina que as legendas devem destinar pelo menos 30% dos recursos públicos de campanha e do tempo de propaganda gratuita para as candidatas e que essa destinação deve ser proporcional ao número de mulheres que vão concorrer. No entanto, a forma de distribuição desses percentuais entre as concorrentes fica a critério da livre escolha de cada partido.  

Para o GT do MP Eleitoral, essa ampla discricionariedade na distribuição dos recursos e do tempo de propaganda pode gerar arranjos desproporcionais, desvirtuando o objetivo principal da norma, que é fomentar a participação de mais mulheres na política. A situação pode ensejar uma concentração de recursos em apenas pequeno núcleo de candidatas e especialmente de vices e suplentes em chapas majoritárias, situação que, segundo o GT, já é realidade pelo menos desde 2018.

Com o objetivo de impedir o desvirtuamento da política afirmativa, a nota técnica sugere que o tema seja disciplinado em lei, estabelecendo limites para essa distribuição ou estipulando um percentual mínimo de acesso universal e outro para ser repartido livremente, atendendo o princípio da autonomia partidária. O GT deixa claro que a proposta de estabelecer balizas para essa repartição não contraria a autonomia partidária, que é garantida pela Constituição, mas não é ilimitada. Tal autonomia, segundo o GT, deve levar em consideração a "eficácia horizontal dos direitos fundamentais no que tange à igualdade de oportunidades na competição eleitoral entre homens e mulheres, bem como no exercício de seus direitos políticos”.

Terminologia - Outro ponto levantado na nota técnica diz respeito à terminologia utilizada no sétimo parágrafo do artigo 17 da Constituição Federal, que foi atualizado pela EC.  O dispositivo obriga as legendas a destinarem pelo menos 5% dos recursos do Fundo Partidário para criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres. De acordo com o GT, o termo “mulheres” se limita a uma condição biológica e exclui grupos (como transgêneros e transexuais) que devem ser igualmente pautados nas ações afirmativas. A sugestão é que a palavra seja substituída pela expressão “gênero feminino”.

“A finalidade da norma é promover a inclusão feminina na política com o objetivo do constituinte comprometido com a igualdade não apenas formal, mas também material, assim como visando o aprimoramento do nosso regime democrático. Contudo, a promoção e inclusão de grupos minoritários em matéria de gênero não se limita a alcançar somente mulheres”, conclui o Grupo de Trabalho do MP Eleitoral.

Íntegra da Nota Técnica

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