História de Rondônia: primeira e única mulher no governo, Janilene Melo ficou no cargo 42 dias e negociou o Polonoroeste

Advogada, contadora e administradora de empresas, ela era secretária de planejamento quando assumiu o cargo em três de janeiro de 1984, por decreto assinado pelo presidente da República João Baptista de Oliveira Figueiredo, a pedido do governador, coronel Jorge Teixeira de Oliveira (PDS).

Montezuma Cruz/Fotos: Valdemir Barreto (Agência Senado), Álbum de Família e JB: Ésio Mendes
Publicada em 01 de abril de 2019 às 14:19

Janilene Vasconcelos de Melo

Durante 42 dias, o Estado de Rondônia foi interinamente governado por uma mulher, Janilene Vasconcelos de Melo, primeira e única na história até então. Nesse período aquecido pela campanha por eleições diretas no País, ela deu prioridade a solucionar problemas técnicos.

Advogada, contadora e administradora de empresas, ela era secretária de planejamento quando assumiu o cargo em três de janeiro de 1984, por decreto assinado pelo presidente da República João Baptista de Oliveira Figueiredo, a pedido do governador, coronel Jorge Teixeira de Oliveira (PDS).

Teixeirão precisava se licenciar para participar de uma comitiva de autoridades e empresários a Santa Cruz de la Sierra (Bolívia). A esse encontro também compareceria o presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo.

Mesmo enfrentando a rejeição da Assembleia Legislativa para que cancelasse a viagem, designou-a para ocupar interinamente o cargo, e o ato teve respaldo de ninguém menos que o presidente.

Entre 1979 e 1985 ela exerceu o cargo de secretária de planejamento no território e no estado. Por causa da viagem, substituiu Teixeirão no Palácio Presidente Vargas.

Janilene teve o desafio de governar no período em que o deputado Paulo Maluf (PDS), ex-prefeito e ex-governador paulista, excursionava com políticos de norte a sul, no jatinho Esperança, para garantir votos no colégio eleitoral que elegeria o presidente da República.

MALUF NO CHÃO DE ANDREAZZA

Astuto, em 22 de janeiro de 1984, Maluf viajava para Rondônia “cheio de gás” em sua campanha para disputar no Colégio Eleitoral* a Presidência da República. Assim, ele programava visitar o Palácio Presidente Vargas e a Assembleia Legislativa, onde tramitava o pedido de licença do governador.

O deputado e odontólogo Heitor Costa (PDS) era seu porta-voz. Maluf faria fervilhar ainda mais o caldeirão político no período. Seu staff cuidou de espalhar que o cacique sentira-se boicotado por Teixeirão, mas não perderia os aliados rondonienses.

Parceiro de primeira hora do ministro e candidato Mário Andreazza, que pretendia ir ao Colégio Eleitoral, caso fosse aprovado na convenção nacional do PDS, o governador não engolia o jeito do pretensioso Maluf.

“O fato era inusitado, uma mulher governando e tomando decisões importantes; Janilene era notícia quase todo dia na EBN”, comenta o jornalista Lenilson Guedes, atual superintendente estadual de Comunicação Social. EBN era a sigla da Empresa Brasileira de Notícias, cuja sucursal em Porto Velho funcionava num sobrado na Avenida 7 de Setembro, quase em frente ao lendário Café Santos.

Lenilson Guedes: “Ela era notícia todo dia”

Das vezes anteriores à viagem para a Bolívia, ele costumava viajar para Costa Marques quando o deputado visitava Rondônia e era efusivamente recebido por expoentes pedessistas, entre os quais, o deputado estadual Heitor Costa, o ex-deputado federal e médico Rachid Jaudy, e o presidente do diretório regional, Dezival Reis.

Rachid veio trabalhar no velho território federal durante a construção da BR-364, atendendo a trabalhadores das obras. Ausentava-se durante a votação das Diretas Já, rejeitada em 1983 [leia abaixo]. Arenista desde o início da sigla, Rachid bandeou-se para o  PDS em 1980, pelo qual se elegeu deputado federal em 1982. Durante o mandato ausentou-se na votação da Emenda Dante de Oliveira em 1984 (Diretas Já) e escolheu Paulo Maluf no Colégio Eleitoral em 1985.

Janilene viveu o dilema hamletiano: ser ou não ser, ou melhor, recepcionar ou não o candidato a presidente da República.

“Fato excepcional foi que, em 1985, após a saída do governador Jorge Teixeira e a chegada do professor e deputado estadual Ângelo Angelim (MDB), o decreto presidencial nomeando Janilene ainda não havia sido revogado”, lembra o historiador Francisco Matias.

ASSEMBLEIA DESCONVOCADA

Dezival Reis, presidente do PDS em 1984

Empresários, dirigentes da Federação das Indústrias e assessores iriam a Santa Cruz de la Sierra no dia sete de fevereiro para um encontro com o governo e entidades similares bolivianas.

Diante da visita de Maluf à Assembleia, cuidadosamente, a governadora interina não se envolveu no tema da sucessão presidencial e, imitando Teixeirão, também se ausentava de Porto Velho, tomando o rumo da região do Alto Guaporé e dos municípios da BR-364.

Desapontado, o presidente do Diretório Regional do PDS, Dezival Reis, cancelava a visita do deputado ao Palácio Presidente Vargas, onde ele seria recebido pelo chefe da Casa Civil, Hélio Fonseca. Maluf viria, encontrando uma cidade sem governo, e desta maneira acirrava contradições entre os grupos liderados pelo governador Teixeirão e pelo senador Odacir Soares (PDS-RO).

Reunida extraordinariamente para apreciar o pedido de licença da viagem do chefe do executivo à Bolívia, a Assembleia findou desconvocada por seu presidente, deputado José de Abreu Bianco (PDS).

A inclusão de Teixeirão na comitiva empresarial em visita à Bolívia seria vista como ato de desprestígio do Poder Legislativo.

Dezival contabilizava: dos 26 votos dos convencionais de Rondônia no Colégio Eleitoral, Maluf teria 17, uma semana antes do final de janeiro de 1984. No Colégio Eleitoral, Tancredo Neves derrotaria Maluf por 480 votos a 180.

QUEDA DE BRAÇO

Tomás Correia, deputado estadual em 1984

Segundo ele, sucessivos atritos com o governador Teixeirão levavam os deputados estaduais Jacob Atallah (ex-líder do governo) e Abreu Bianco a apoiar Maluf, somando-se a eles o senador Claudionor Roriz (PDS-RO). O mais enérgico deputado estadual contrário à licença foi o líder do PMDB Tomás Correia. “Se ele se ausentar do País estará desrespeitando a Constituição”, insistia.

Para Correia, o fato de a Assembleia não ter obtido quórum para apreciar o pedido de licença implicava o arquivamento da matéria, e consequentemente, a negativa para Teixeirão atravessar a fronteira.

A manobra do deputado viera em tom ameaçador: “Se o governador viajar, o PMDB pedirá a realização de sessão extraordinária para deliberar o assunto”.

Na sequência, o presidente Bianco argumentava que o fato de se manter omisso durante três sessões consecutivas, nas quais o licenciamento seria votado, não impediria o governador de acompanhar a comitiva presidencial. “Não há impedimento legal para isso”, ele concluía.

Paraibana de Campina Grande, Janilene vive em Rondônia desde 1972 e ao assumir o cargo já havia se destacado na administração do coronel Humberto da Silva Guedes (1975-1979), onde chefiou o núcleo administrativo da Secretaria de Administração e Finanças.

Foi à frente, coordenando e participando ativamente da assinatura de convênios. Foi assim que o governador autorizou-a a representá-lo na assinatura do lançamento do Programa de Desenvolvimento Integrado para o Noroeste do Brasil (Polonoroeste), em Brasília, no Rio de Janeiro, e em Washington D.C. (EUA).

Seguiu no governo estadual, assumindo no mandato do ex-deputado federal e ex-prefeito Jerônimo Santana (MDB) o cargo de secretária estadual de administração, entre 1988 e 1990. No governo de Valdir Raupp de Matos, ela assumiu novamente a secretaria de planejamento.

Janilene foi professora da Faculdade de Ciências Contábeis da Universidade Federal de Rondônia (Unir) e assessora da presidência do Tribunal de Contas. 

DIRETAS JÁ DERROTADA 

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 5 de 2 de março de 1983, mais conhecida como Emenda Constitucional Dante de Oliveira, decidiria sobre o restabelecimento das eleições diretas para presidente da república no Brasil após 20 anos de regime militar, foi derrubada em votação na Câmara dos Deputados na noite de 25 de abril de 1984.

Houve 298 votos a favor, 65 contra, 113 ausências e 3 abstenções. Por ser emenda constitucional, seria necessário a aprovação de dois terços da casa (320 votos). Com a derrota, por apenas 22 votos, a emenda nem sequer foi apreciada pelo Senado Federal e assim terminou a mobilização causada pela campanha das Diretas Já. Com isso, os brasileiros esperaram até 1989 para escolher seu presidente pelo voto secreto e universal, 29 anos depois da última eleição direta (1960) que antecedeu o período ditatorial.

DEPUTADOS DO ESTADO DE RONDÔNIA
PARTIDO NOME DO PARLAMENTAR SIM – a favor da emenda NÃO – contra a emenda AUSENTE/ABSTENÇÃO
PDS Assis Canuto     AUSENTE
PDS Chiquilito Erse SIM    
PDS Francisco Sales     AUSENTE
PDS Leônidas Rachid     AUSENTE
PMDB   Múcio Athayde SIM    
PMDB Olavo Pirtes SIM    
PMDB Orestes Muniz SIM    
PDS Rita Furtado     AUSENTE

* COLÉGIO ELEITORAL

Paulo Maluf

 

Mário Andreazza

 

José Sarney

Golbery do Couto e Silva

Tancredo Neves

Durante o ano de 1984, o Partido Democrático Social (PDS), sucessor da antiga Arena e partido de apoio ao regime militar, celebrou uma espécie de eleição primária para escolher seu candidato à Presidência da República nas eleições de 1985. Duas pré-candidaturas então surgiram: a do ex-governador de São Paulo e então deputado federal Paulo Maluf (com o deputado federal cearense Flávio Marcílio para vice-Presidente) e a do ex-ministro dos Transportes do governo Médici, o coronel gaúcho Mário Andreazza (com o ex-governador de Alagoas Divaldo Suruagy para Vice-Presidente).

 

Maluf derrotou Andreazza na Convenção Nacional do PDS, contando com o apoio do ideólogo do Regime Militar, o general Golbery do Couto e Silva.

 

No entanto, o deputado encontrou forte oposição de caciques nordestinos, notadamente Antônio Carlos Magalhães, Hugo Napoleão, Roberto Magalhães, entre outros. Estes descontentes, após a vitória de Maluf na eleição primária do PDS, saíram do partido e formaram a chamada Frente Liberal.

A Aliança Democrática foi uma coligação entre o PMDB, o principal partido de oposição ao Regime Militar e os dissidentes do PDS que formavam a Frente Liberal. Essa dissidência acabaria por formar o PFL (atualmente o Democratas). Sarney, ex-presidente do PDS, se filiou ao PMDB, disputando o pleito para vice-presidente.

A dissidência foi fundamental para a vitória de Tancredo, já que o TSE, antes do pleito, decidiu que mesmo dissidentes, poderiam votar no candidato de sua preferência. Mesmo sendo indireta, a oposição mobilizou a população em dezenas de comícios em todo o país. No colégio eleitoral, formado por deputados federais, senadores, e delegados de cada Assembleia Legislativa dos Estados.

Tancredo recebeu os votos do seu partido, o PMDB, da Frente Liberal do PDS, do PDT, PTB, de 5 dissidentes do PT (que tinha 13 deputados, e expulsou esses deputados, após a eleição). Dois deputados da oposição, um do PDT e outro do PTB, votaram em Maluf [Dados da Wikipedia].

OUTRO CASO ÚNICO

Outra mulher a alcançar posto máximo no estado foi a coronel Angelina dos Santos Correia Ramires, que comandou a Polícia Militar de Rondônia, a partir de 19 de agosto de 2003. Foi situação única no País e recorde sul-americano de mulher no poder.

1984 NO BRASIL

24 de fevereiro – A explosão de um duto da Petrobras mata 508 pessoas na favela Vila Socó, em Cubatão, São Paulo.
2 de março – O Sambódromo é inaugurado na cidade do Rio de Janeiro com o desfile do Grupo 3 das escolas de samba.
25 de abril – A Emenda Dante de Oliveira, que previa as eleições diretas para presidente da República, é rejeitada pela Câmara dos Deputados do Brasil após receber 298 votos a favor e 65 contra.
6 de agosto – Joaquim Cruz ganha a medalha de ouro nos 800m nos Jogos Olímpicos de Verão, em Los Angeles.
12 de agosto – A Convenção Nacional do PMDB escolhe o governador Tancredo Neves e o senador José Sarney como seus candidatos a presidente e vice-presidente da República.

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