Indulto ao deputado Daniel Silveira não é liberdade de expressão

A liberdade de expressão é um direito inerente à pessoa humana e essencial para a sobrevivência das democracias

Assessoria/Foto: © Plínio Xavier/Câmara dos Deputados
Publicada em 22 de abril de 2022 às 12:34
Indulto ao deputado Daniel Silveira  não é liberdade de expressão

Indulto ao deputado Daniel Silveira não é liberdade de expressão

A ARTIGO 19, organização de defesa e promoção do direito à liberdade de expressão e de acesso à informação, manifesta seu repúdio ao uso dos conceitos de liberdade de expressão e opinião como pretexto para desestruturação vertiginosa da democracia brasileira.

O decreto de Bolsonaro concedendo indulto ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pelo Supremo Tribunal Federal a 8 anos e 9 meses de prisão por ameaças aos ministros da Corte e às instituições do sistema de justiça, representa uma afronta ao STF. O indulto individual, promulgado na tarde desta quinta-feira (21) em edição extra do Diário Oficial da União, também foi anunciado na live semanal do presidente, alegando que a liberdade de expressão é um “pilar essencial”. Esta é uma medida sabidamente inconstitucional, para galvanizar setores e grupos que não respeitam a democracia, na tentativa de reforçar um antagonismo com o Poder Judiciário brasileiro.

Hoje, os tribunais têm papel fundamental na defesa das regras construídas democraticamente e da Constituição Federal de 1988. Em especial, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral têm sido tratados pelo presidente como adversários a serem combatidos, o que pode indicar uma tentativa de deslegitimação do processo eleitoral de 2022. Diante de uma eventual derrota nas urnas, o atual presidente e seu grupo podem tentar um ato de desrespeito ao processo democrático de voto popular e, ao confrontar as instituições de justiça que preservam a ordem, pretendem aprofundar o desgaste das instituições.

Existe uma cerca que separa a liberdade de expressão de outras manifestações pretensas. Do lado de cá está o campo da liberdade de expressão, que é um direito generoso: garante às pessoas e aos povos que possam falar, escrever, desenhar, compor música, criar filmes, participar da vida política, produzir e transmitir informações, com igualdade e sem discriminação. O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos garante esse direito exatamente como uma barreira contra as pretensões autoritárias. Do lado de lá estão o discurso de ódio, a incitação à violência, o racismo, a transfobia e o ataque à democracia e suas instituições. "É nesse território em que Daniel Silveira e o indulto de Jair Bolsonaro estão: o terreno da desinformação, da mentira, da calúnia, das ameaças”, delimita Denise Dora, diretora-executiva da ARTIGO 19 Brasil e América do Sul.

Esse indulto se configura como a continuidade do projeto de destruição democrática em curso desde o início da gestão Bolsonaro. “Não é apenas o discurso de Daniel Silveira que não é protegido pela liberdade de expressão. Seus pronunciamentos não são isolados, eles fazem parte de um movimento político explícito que vem do alto escalão do governo, inserido em um contexto de ameaças concretas, avanço do autoritarismo e projeto de erosão da democracia. O DIDH [Direito Internacional de Direitos Humanos] é evidente nessa exceção: ameaças concretas de fim estrutural das liberdades fundamentais não são liberdade de expressão”, explica Dora.

A liberdade de expressão é um direito inerente à pessoa humana e essencial para a sobrevivência das democracias. A ameaça concreta às instituições democráticas e a difusão de narrativas e ações extremistas que propagam o fim da democracia, das vozes dissidentes e a supressão de direitos não reflete a liberdade de expressão – pelo contrário, trata-se de grave ameaça.

Diante do ocorrido, a ARTIGO 19 acredita e afirma que a sociedade civil, os partidos políticos e os órgãos de proteção da lei irão questionar a constitucionalidade deste decreto afrontoso ao estado de direito, por meio de ações próprias. No final, o STF é quem tem a autoridade constituída para dizer da ilegalidade deste ato e garantir o fluxo democrático instalado em 1988 com a promulgação de nossa constituição cidadã.

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