A professora aposentada Alaide Maria Mussato Forato, 76 anos, descobriu um câncer na face aos 36 anos por conta de uma espinha que espremeu e nunca cicatrizava. A primeira cirurgia, realizada em 1984, não tratou o tumor pela raiz. Não foi submetida a sessões de quimioterapia e nem de radioterapia. Depois de quase quatro décadas e tratamento, um novo tumor – desta vez interno – surgiu ano passado, crescendo a ponto de comprometer a meninge. Depois de uma cirurgia delicada de mais de 8 horas, 25 sessões de quimioterapia e radioterapia, ela sobreviveu, mas com sequelas na face ainda mais extensas. Teve que aprender a conviver com a dor. “Não tem analgésico que passe”.
O que Alaide nunca abriu mão foi de tocar a vida. Moradora do município de Amparo, interior de São Paulo, recorreu a próteses faciais para seguir em frente. “Continuo fazendo todas as minhas atividades normalmente. O dom da vida não pode ser desperdiçado”. Ao longo de quase quatro décadas de tratamento, ela já teve muitas próteses já que o material de silicone sofre desgastes naturais com o tempo e a estética do próprio rosto muda também. “Nunca abandonei o tratamento de reabilitação facial. As próteses me devolveram a dignidade. É muito desagradável andar com curativos no rosto, ainda mais no meu caso que a extensão da cavidade é grande. Essa última é tão bem feita que parece a pele da gente”, elogia a paciente do Instituto Mais Identidade.
Tratamento de cinema:
O assistente social baiano Fabio Eça de Oliveira, 46 anos, já estava em tratamento oncológico quando assistiu uma reportagem exibida em rede nacional sobre uma instituição que resgatava a identidade de pacientes com sérias deformidades na face, em consequência de câncer, traumas ou doenças congênitas. Fabio, que teve o primeiro diagnóstico de câncer aos 20 anos, enfrentou quatro recidivas. Na última, a doença voltou em forma de um tumor no maxilar esquerdo. Saiu vivo da mesa de cirurgia, mas com a visão monocular. “O médico explicou que, por precaução, tinha sido melhor retirar as margens e acabei perdendo o olho esquerdo. Foi muito sofrido conseguir aceitar e me entender... Só sabe o quanto é difícil, quem tem um olho só. Mas, pelo menos, fiquei vivo”, conta.
As limitações decorrentes do trauma de ter que passar a viver sem um órgão tão vital, as dificuldades de seguir com o campo visual reduzido, os conflitos com o espelho, não eram os maiores motivos de abalo. “Pior era ter que encarar a sociedade. As pessoas te encaram com expressão de estranhamento, olhar de preconceito”, resume o paciente que é natural de Apuarema, a 340 km da capital baiana. Acostumado a orientar pacientes a buscarem tratamento médico e outros direitos, Fábio embarcou para Salvador a procura de instituições de referência que pudessem auxiliar na sua reabilitação. “No Aristides Maltez, alegaram que não havia recursos para tratamento com essa complexidade. Na UFBA, também encontrei portas fechadas. Entrei em uma lista de espera sem expectativa alguma de ser chamado”, relembra.
Foi aí que Fabio lembrou da reportagem que assistiu na TV quando ainda tinha os dois olhos. Uma pesquisa rápida na internet e ele encontrou o site do Instituto Mais Identidade. A organização sem fins lucrativos atua desde 2015 em São Paulo com a missão de promover a reabilitação bucomaxilofacial de pessoas que tiveram a imagem desfigurada em consequências de traumas, câncer ou doenças congênitas. “Escrevi um e-mail, segui o passo a passo do site e tive resposta em uma semana. Não acreditei quando fui chamado!”, lembra.
Fábio embarcou para São Paulo rumo à primeira consulta de avaliação. Três meses depois, já estava com a prótese. Há quatro meses, está em fase de adaptação com a prótese do novo olho. “Minha vida melhorou 100%. Recuperei autoestima, voltei a sonhar... Enquanto eu peregrinava aqui na Bahia, e estava sendo atendido por alguns médicos, eu me sentia como um carro velho em uma oficina. No Instituto Mais Identidade, eu me senti que me olharam como um ser humano. Todo atendimento foi gratuito e muito humanizado”, reconhece.
Mais Identidade:
Mais de 30 mil novos casos de câncer na região da boca e face são estimados por ano, de acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA). Alguns casos têm cura, outros podem evoluir para mutilações graves que comprometem a fala, alimentação e abalam profundamente e autoestima de quem sobrevive à doença. A desfiguração facial é sempre devastadora. O rosto é nosso cartão de visita para o mundo, expressa personalidade, comunica ideias. “A gente acolhe no Instituto pacientes que não conseguiam sequer se olhar no espelho. Sobreviveram ao câncer, ao acidente, ao trauma, mas estavam com a vida pausada. Quando recebem a prótese, voltam a viver com plenitude”, destaca o cirurgião-dentista Luciano Dib, um dos fundadores e presidente voluntário do Instituto Mais Identidade.
Alaíde e Fabio são dois dos mais de 200 pessoas que já foram atendidos gratuitamente no Instituto Mais Identidade. Resultado de mais de 30 anos de pesquisas, o Instituto Mais Identidade foi fundado no ano de 2015 e reconhecido como OSCIP em 2019. A organização sem fins lucrativos vai além da prestação de um serviço gratuito de reabilitação. A busca de toda equipe é pela excelência. Centenas de pacientes tiveram a imagem restaurada e a dignidade devolvida ao receber próteses produzidas com tecnologia de impressão 3D. O antes e depois impressiona, as próteses são tão reais que parecem parte do corpo.
A Universidade Paulista - UNIP é a incubadora do projeto e sedia as instalações do Instituto no campus Indianópolis, localizado na zona sul da capital paulista. O Mais Identidade conta com um Laboratório Digital e uma Clínica de Atendimento, que utiliza impressoras 3D para esculpir próteses a partir de modelos obtidos com fotografias digitais feitas com smartphones, o que possibilita que pacientes possam ser atendidos também em locais distantes da sede.
Somente no ano passado, mais de 1600 atendimentos foram realizados pela equipe multidisciplinar – que inclui cirurgiões-dentistas, médicos, psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais, designers e protéticos. Por trás de cada uma das 34 próteses entregues, muitas mãos e dedicação. O Instituto conta com doações de pessoas, empresas e entidades parceiras, a exemplo do Instituto Bourbon, Neo Alumínio e do Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência (PRONAS).
O trabalho do Instituto é resgatar vidas, identidades. A equipe multidisciplinar que abraçou essa missão está fazendo história. O projeto se tornou referência e atrai estudantes de mestrado e doutorado de várias partes do mundo interessados na tecnologia e metodologia exclusiva associada a complexos procedimentos cirúrgicos e protéticos. “Nosso Método +ID revolucionou a forma de produzir próteses faciais, reduzindo tempo e custo de fabricação, criando modelos digitais por meio de escaneamentos de fotos obtidas por um telefone celular”, destaca Rodrigo Salazar, especialista em Reabilitação e Tecnologia do Instituto Mais Identidade.
Cada prótese realizada com tecnologia 3D resgata, não só a estética, mas a identidade e autoestima para seguir a vida de cabeça erguida. Assim como Fábio, pacientes de outros estados já foram contemplados. Em 2021, como apoio do programa Voa, da Ambev, o Instituto Mais Identidade teve recurso para viabilizar 10 atendimentos no Rio Grande do Norte. Atualmente, 60 pacientes aguardam na esperança de poder se olhar de novo no espelho. “Para aumentar nossa capacidade de atendimento novos apoiadores e parceiros são sempre bem-vindos e necessários”, conclui Dib.
Como ajudar?
O Instituto Mais Identidade está lançando o livro A lição de Antonella e outras histórias de amor – a origem do Instituto Mais Identidade, tem capa dura e a meta arrecadar recursos para viabilizar mais sorrisos. Com 180 páginas, a obra traz relatos de superação de pacientes atendidos e a história do próprio Instituto Mais Identidade. São lições de acolhimento, persistência e esperança que mobilizam doações necessárias para ampliação dos atendimentos e manutenção dos serviços prestados. Empresas tributadas pelo regime de lucro real podem doar até 2% (dois por cento) do Lucro Operacional e obter incentivos fiscais na declaração do Imposto de Renda. Pessoas físicas podem doar a partir de R$ 25 através da chave pix: 24.296.896/0001-66.
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