Lei Maria da Penha, que teve a constitucionalidade declarada pelo STF, completou 15 anos no sábado (7)

Confira decisões relevantes do STF sobre a norma que representou um divisor de águas na defesa das mulheres brasileiras

STF
Publicada em 09 de agosto de 2021 às 14:48
Lei Maria da Penha, que teve a constitucionalidade declarada pelo STF, completou 15 anos no sábado (7)

A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) completa neste sábado (7) 15 anos desde a sua edição e, após sua entrada em vigor, tem sido foco de importantes julgamentos no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na análise de casos relacionados à lei pelas ministras e pelos ministros da Corte, destaca-se frequentemente a relevância e a urgência desse diploma legal para enfrentar o problema histórico da violência doméstica contra as mulheres no Brasil.

Com a norma, a sociedade civil passou a contar com uma lei específica para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, representando um avanço na legislação com o objetivo de erradicar, prevenir e punir a violência doméstica, além de garantir mecanismos de proteção das vítimas que sofrem violência física e psicológica de pessoas com as quais convivem ou se relacionam.

A mulher que dá nome à lei

A lei recebeu o nome de uma mulher - a farmacêutica e bioquímica cearense Maria da Penha Maia Fernandes - que durante 23 anos sofreu maus tratos, agressões físicas e morais e duas tentativas de homicídio – uma com um tiro pelas costas, que a deixou paraplégica, e outra quando quase foi eletrocutada em uma banheira – praticadas pelo marido e pai de suas filhas. A partir de tudo o que sofreu, Maria da Penha passou a dedicar sua vida em favor dos direitos das mulheres.

A lei detalha as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, que engloba a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, prevê medidas protetivas de urgência visando garantir a segurança da vítima, como o afastamento do agressor do local de convivência e a fixação de limite mínimo de distância, permite a prisão preventiva do agressor e aumenta as penas para os casos de lesões corporais praticadas no âmbito doméstico contra a mulher.

Além disso, garante a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a construção de casas-abrigo para mulheres e dependentes menores, a inclusão das vítimas em programas sociais, a prioridade para transferência de cidade, caso seja servidora pública, ou a estabilidade de seis meses para afastamento do trabalho, caso seja da iniciativa privada.

Denúncia à OEA

A morosidade para a solução de seu caso levou Maria da Penha a denunciar o Brasil perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), competente para julgar casos de violação aos direitos humanos ocorridos em países integrantes da organização. Em 2001, a Comissão responsabilizou o país por omissão e negligência no que diz respeito à violência doméstica.

A OEA recomendou ao Brasil que tomasse medidas em prol da criação de políticas públicas que inibissem as agressões no âmbito doméstico em desfavor das mulheres. Foram 19 anos para a condenação do agressor, e a repercussão do caso levou à aprovação da Lei 11.340/2006, retirando a violência contra as mulheres da esfera particular para a dimensão de Estado.
A seguir, confira uma série de julgamentos da Corte sobre a lei.

No Supremo Tribunal Federal, a norma foi primeiramente analisada no âmbito de duas ações de controle concentrado de constitucionalidade: a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 19 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4424, julgadas em 9 de fevereiro de 2012. Na ADC 19, o Plenário declarou a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei 11.340/2006, em processo ajuizado pela Presidência da República com o objetivo de propiciar uma interpretação judicial uniforme de seus dispositivos contidos nesta lei. Havia conflitos na interpretação da norma por diversos pronunciamentos judiciais. O julgamento foi unânime.

Em seu voto, o ministro Marco Aurélio (aposentado) afirmou que a Lei Maria da Penha “retirou da invisibilidade e do silêncio a vítima de hostilidades ocorridas na privacidade do lar e representou movimento legislativo claro no sentido de assegurar às mulheres agredidas o acesso efetivo à reparação, à proteção e à Justiça”.

Já na ADI 4424, o Supremo declarou, por maioria de votos, a possibilidade de o Ministério Público dar início a ação penal sem necessidade de representação da vítima. Na ação, a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionou os artigos 12, inciso I; 16; e 41 da lei. O artigo 16 da lei dispõe que as ações penais públicas “são condicionadas à representação da ofendida”, mas, para a maioria dos ministros do STF, essa circunstância acaba por esvaziar a proteção constitucional assegurada às mulheres.

Com a decisão, o Plenário entendeu que nos crimes de lesão corporal praticados contra a mulher no ambiente doméstico, mesmo de caráter leve, o Ministério Público tem legitimidade para deflagrar ação penal contra o agressor sem necessidade de representação da vítima. Também na ocasião, os ministros entenderam que não se aplica a Lei 9.099/1995, dos Juizados Especiais, aos crimes abrangidos pela Lei Maria da Penha.

A partir do julgamento dessas duas ações de controle concentrado, o STF fixou entendimento com caráter vinculante que passou a guiar a atuação de todo o Judiciário brasileiro quanto ao tratamento que deve ser dado aos processos relacionados à violência doméstica contra a mulher. Por meio de decisões monocráticas posteriormente confirmadas pelos órgãos colegiados, as ministras e os ministros do STF reafirmaram e impuseram a interpretação dada pelo Pleno à norma.

No Habeas Corpus (HC) 179707, por exemplo, o ministro Ricardo Lewandowski negou pedido de trancamento de ação penal aberta contra um sargento da Aeronáutica depois que ele agrediu a companheira, também do quadro da Força Aérea, nas dependências do Destacamento de Controle do Espaço Aéreo de Florianópolis (SC).

Na Reclamação (RCL) 28387, o ministro Dias Toffoli suspendeu decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que rejeitou denúncia de crime de lesão corporal contra uma mulher em razão da retratação da vítima. Segundo o ministro, o ato atacado afrontava a decisão do Supremo que assentou a natureza incondicionada da ação penal em casos de crime de lesão praticado contra a mulher no ambiente doméstico. Na reclamação, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) narrou que o TJ-RJ manteve decisão do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, da Comarca de Petrópolis (RJ), que considerou que a ação penal estaria sujeita à representação da vítima.

Em julgamento da Primeira Turma, foi indeferido o Habeas Corpus (HC) 137888 e mantida a sentença de 20 dias de prisão aplicada a um homem pela prática do delito de vias de fato contra a ex-mulher. Prevaleceu o entendimento da relatora, ministra Rosa Weber, de que, em casos de violência doméstica, é impossível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. De acordo com os autos, a vítima relatou que o réu não queria pagar a pensão alimentícia e, ao fazer a cobrança, foi agredida.

Na Reclamação (RCL) 27206, apresentada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, o ministro Marco Aurélio (aposentado) deferiu liminar e determinou que o Tribunal de Justiça local (TJ-RJ) observasse a obrigatoriedade de realizar audiências de custódia, no prazo máximo de 24 horas contadas do momento da prisão, também nos delitos envolvendo a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), na comarca do Rio de Janeiro.

Na ação, a Defensoria informou que o TJ-RJ estava desconsiderando a decisão do STF no julgamento de cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, para que todos os juízes e tribunais do país realizassem audiências de custódia, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão, como forma de se enfrentar a crise prisional brasileira.

Outro importante julgamento foi o do Recurso Extraordinário (RE) 1308883, quando o STF reconheceu a constitucionalidade de lei do município de Valinhos (SP) que impede a administração pública de nomear pessoas condenadas pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) para cargos públicos.

O recurso, de autoria da Câmara Municipal de Valinhos e do Ministério Público paulista, questionava decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que havia considerado a norma inconstitucional. Segundo o TJ-SP, a Lei municipal 5.849/2019 teria violado o princípio da separação de Poderes, pois a competência para a iniciativa de lei sobre regime jurídico dos servidores é reservada ao chefe do Poder Executivo.

Defesa da honra

Recentemente, o STF proibiu o uso da tese de “legítima defesa da honra” em crimes de feminicídio. Por unanimidade de votos, ministras e ministros da Corte firmaram entendimento de que a tese é inconstitucional por violar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.

A decisão ocorreu no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, de relatoria do ministro Dias Toffoli, ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Na ação, o partido argumentou haver decisões de Tribunais de Justiça que ora validam, ora anulam vereditos do Tribunal do Júri em que se absolvem réus processados pela prática de feminicídio com fundamento na tese. O partido apontou, também, divergências de entendimento entre o Supremo e o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Ao reafirmar sua decisão liminar, o ministro Dias Toffoli deu interpretação conforme a Constituição a dispositivos do Código Penal e do Código de Processo Penal, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa. Acolhendo sugestão do ministro Gilmar Mendes, o voto de Toffoli determinou que a defesa, a acusação, a autoridade policial e o juízo não podem utilizar, direta ou indiretamente, o argumento da legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais nem durante julgamento perante o Tribunal do Júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento. Na decisão liminar, o impedimento se restringia a advogados de réus.

Publicações

Para consolidar a jurisprudência a respeito dos direitos das mulheres, o Supremo lançou em 2019 a publicação Proteção da Mulher, que compila as principais decisões e bibliografia temática sobre o tema. A obra retrata o contexto histórico do movimento feminista no Brasil, relata a atuação das congressistas na elaboração da Constituição de 1988 e cita as conquistas normativas, ações e instrumentos voltados à proteção da mulher.

Em 2010, a Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal, do STF, elaborou um compilado da jurisprudência e bibliografia sobre a Lei Maria da Penha. A publicação está disponível no site da Corte, junto com outras edições da série Bibliografia, Legislação e Jurisprudência Temática.

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