Lula mostra postura altiva em entrevista à Globo
"Num país onde a mídia habituou-se a subjugar os homens públicos, Lula na Globo mostrou um líder senhor de seus pontos de vista", diz Paulo Moreira Leite
Existem várias expressões para se definir uma entrevista eleitoral. O termo mais adequado, na conjuntura que o país atravessa, é o conceito de "relação de forças", no qual entrevistado e entrevistadores se enfrentam numa arena de idéias, fatos e visões de mundo.
Apresentando-se como porta-vozes dos interesses do público, jornalistas se esforçam para apontar fragilidades e denunciar incoerências de entrevistados. Estes, por sua vez, irão desdobrar-se para oferecer respostas e argumentos consistentes, capazes de reforçar sua imagem perante o público, que cedo ou tarde terá direito a palavra final do espetáculo - nas urnas.
Numa sociedade onde os grupos de mídia constituem monopólios temidos, que jamais foram desafiados pelos poderes públicos, Lula deu uma entrevista onde encarava William Bonner e Renata Vasconcellos nos olhos e apresentava os próprios argumentos sem perder o bom humor, com uma auto-segurança jamais vista. Não se deixou intimidar uma única vez. Sorriu quase sempre, autorizado pela lógica -- muitas vezes exuberante -- de seus argumentos.
Parecia cantar "Volta por Cima", do sempre saudoso Paulo Vanzolini, quando respondia a perguntas sobre as a perseguição que sofreu, que terminaria com sua exclusão da campanha de 2018 e uma passagem de 580 numa cela de Curitiba.
Sem deixar uma dúvida no ar, lembrou medidas polêmicas de sua gestão -- inclusive a boa intenção de aceitar a lista tríplice do Ministério Público na indicação de PGRs, que acabaram atuando como carrascos sem escrúpulos de seu governo e de Dilma Rousseff. (Quando Renata Vasconcellos quis saber se iria manter a mesma postura caso fosse eleito, Lula foi rápido no gatilho. Disse que não iria abrir o jogo ali, perante milhões de espectadores, preferindo, sabiamente, deixar o Ministério Público com "uma pulga atrás da orelha").
Quando o assunto da entrevista era economia, não perdeu uma chance de lembrar os milhões de empregos criados em seu governo e o lugar que o país ocupava nos 12 anos que reunem seus dois mandatos e o primeiro mandato de Dilma Rousseff. Embora Bonner tentasse forçar um debate crítico sobre o assunto, jamais conseguiu ir adiante.
No momento em que os entrevistadores tentaram responsabilizar o PT pelo ambiente de polarização radicalizada que o país atravessa na campanha de 2022, Lula deixou claro que suas responsabilidades reais envolvem outro período de nossa história política.
"A polarização é saudável no mundo inteiro", ensinou, lembrando a realidade dos Estados Unidos, França, e muitos outros países.
"Feliz era o Brasil quando a polarização era entre o PT e o PSDB", disse, com um sorrriso de sincera satisfação, com a autoridade de quem fala em nome da única força política que não tem qualquer responsabilidade direta pela ascenção do bolsonarismo, calando os entrevistadores mais uma vez.
Ao ser cobrado pelo desempenho de governos de esquerda desastrados em várias partes do mundo, deu a resposta de quem sabe o lugar de povos e países na geografia do mundo: "um democrata tem que respeitar a autodeterminação dos povos".
Encerrada a entrevista, William Bonner e Renata Vasconcellos não conseguiam disfarçar um certo mal estar pelo resultado.
Após conquistar mais um troféu numa campanha onde é o favorito -- mas está longe de terminada -- resta a Lula comemorar mais uma etapa vencida.
Alguma dúvida?
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