Lula não sobrevoou, apenas. Colocou sobre a mesa de Eduardo Leite a máquina governamental
"Para fazer com que o trabalho funcione, Lula usou dos ensinamentos de D. Lindu: 'o que os olhos não veem o coração não sente'", pontua Denise Assis
Lula sobrevoa áreas afetadas por enchentes no Rio Grande do Sul (Foto: Ricardo Stuckert / PR)
Ao se deslocar para Porto Alegre, nesse domingo (05/05), com uma comitiva que englobava todos os poderes da República, o presidente Lula não estava apenas sendo acompanhado por ministros que efetivamente podem agir para mitigar a tragédia que se abateu sobre o estado do Rio Grande do Sul. Estava, isto sim, colocando sobre a mesa do governador Eduardo Leite toda a máquina governamental, numa sinalização de que não foi ao estado fazer “sobrevoos”, como chegou a insinuar Leite, num primeiro momento, ainda sem muita dimensão do estrago em seu estado. Ontem, diante do fosso que se abriu aos seus pés, reduziu o tom do discurso e fez uma fala dentro dos parâmetros republicanos que a situação exige. Chegou a costear a humildade, quando agradeceu a ajuda que estava chegando, através dos vários canais possíveis na emergência.
Para fazer com que o trabalho de resgate, reconstrução e prevenção funcione tudo ao mesmo tempo agora, Lula mais uma vez usou dos ensinamentos de D. Lindu, sua mãe, (bendita seja a sua sabedoria). Ao sair arrebanhando ministro no gozo do final de semana, Lula teve em mente a seguinte máxima popular, que ouvia em casa: “o que os olhos não veem o coração não sente”. E não precisava de muita argúcia para perceber no semblante do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o choque de realidade que as imagens da cidade submersa aos seus pés, provocou em seu estilo asséptico. Ao prometer esforço no sentido de desamarrar os entraves que possam obstruir o caminho dos recursos para o estado atingido, notava-se que ele estava tocado com o que vira.
Pode-se mesmo dizer que até o presidente da Câmara, Arthur Lira, sempre olhando para os lados, para medir os centímetros que o separavam de Lula com relação á posição da cadeira de Pacheco, seu desafeto, estava compungido com a situação dos gaúchos e expos isso em sua fala, a seu modo, prometendo empenho nas medidas emergenciais necessárias. Ambos sintetizaram com as suas presenças ali, e diante do ministro das “relações complicadas”, digo, ministro chefe Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que entrou em vigor, a partir daquele momento, a orientação repetida pelo governador Eduardo Leite e de Lula, ao longo desses dias: não importa de que partido é o prefeito, o governador ou o presidente. Importa salvar vidas.
Posicionamento mais que acertado, quando o número de vítimas causados pela invasão abrupta e monumental das águas atingiu 341 municípios, deixando até o que se sabe, 83 mortos; 111 desaparecidos; 443 mil pessoas sem luz; 844.673 afetados em todo o estado sendo 115.844 desalojados (que tiveram de deixar as suas casas) e 18.487 desabrigados, o que não terão para onde voltar, pois perderam tudo o que conseguiram amealhar ao longo de suas vidas.
De todos os que estiveram ali, naquela reunião/coletiva, as figuras de maior destaque poderiam ser apontadas como um triunvirato fundamental: o ministro da Economia, Fernando Haddad, que vai se virar para conseguir calcular, juntamente com o governador e os prefeitos, o montante necessário para a emergência e a reconstrução. O vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, que pode atuar como na pandemia, quando os ministros Gilmar Mendes e Lewandowski concordaram que a situação era de guerra, para ultrapassar o negacionismo daquele ex-presidente e concorrer para a liberação de verbas em situação de excepcionalidade, fora do “teto de gastos” decretado a bordo do golpe de Michel. E, principalmente, Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, que pode contribuir bastante, concordando e ajustando dentro dos limites da lei, com medidas de excepcionalidades que deverão ser criadas para atender à catástrofe.
O momento mais sutil da reunião, porém, se deu quando Lula tocou no assunto das dívidas dos estados, que poderão receber atenção especial, pois o Rio Grande do Sul faz parte dos que estão reivindicando maior flexibilidade nos pagamentos. Nesse momento, Rodrigo Pacheco olhou para o infinito, fez cara de paisagem, tentando disfarçar um meio sorriso que teimava em despontar em seus lábios.
Até as pedras submersas de Porto Alegre sabem que ele vem fazendo esforços para renegociar a dívida do seu estado, Minas Gerais. Pacheco sonha em ser governador de Minas e não quer chegar - se chegar -, com os cofres vazios, e tendo de lidar com uma dívida que vem de longe. Nesse momento, se pudéssemos ver o seu coração, como a máxima de Lula aconselhou, diríamos que ele estava pulsando mais forte.
Denise Assis
Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".
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