Marco Temporal: após Congresso derrubar veto, Apib e partidos vão ao STF contra "genocídio legislado"
“Dominado pelo agronegócio, o Congresso não pode mais do que a Constituição, o STF e o Executivo”, escreve Aquiles Lins
STF e um protesto indígena em Brasília contra o marco temporal (Foto: ABr | Gabriel Paiva/Fotos Publicas)
O Congresso Nacional deu nesta quinta-feira (14) uma demonstração de imensa hostilidade contra os povos indígenas brasileiros, ao derrubar o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a diversos trechos da lei 14.701/2023, que trata do chamado Marco Temporal. Também foram derrubados os vetos de Lula à prorrogação da desoneração da folha de pagamento, provocando um rombo de R$ 18 bilhões nas contas públicas.
A tese esdrúxula e inconstitucional do marco temporal prevê que somente terras ocupadas por indígenas até a promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, podem ser reivindicadas para demarcação. Com a derrubada dos vetos, esta tese virou lei, está em vigor. E não é só isso, uma série de violações à integridade e soberania das terras indígenas já demarcadas também foram autorizadas pelo Congresso.
Entre elas estão a proibição para ampliar terras indígenas já demarcadas; a permissão para o Executivo instale rodovias, ferrovias, redes de comunicação, linhas de transmissão de energia elétrica, construa usinas hidrelétricas em terras indígenas, mesmo sem a concordância dos povos; permite a contestação mais fácil da demarcação de novos territórios; dispensa qualquer tipo de consulta prévia dos indígenas para instalação de bases militares em terras indígenas, a fim de "proteger" riquezas consideradas estratégicas. Entre outras atrocidades, os parlamentares também autorizaram que invasores de terras indígenas permaneçam no território até a conclusão do processo de demarcação, sem qualquer tipo de restrição.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) se manifestou sobre a decisão do Congresso dizendo que ‘Direitos não se Negociam’ e anunciou que irá ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF pedindo a anulação da nova lei, classificada pela Apib como a lei do genocídio indígena. A ADI deve ser protocolada no Supremo até a próxima terça-feira (19), em conjunto com PT, Rede, PSOL e PSB.
O coordenador executivo da Apib, Dinamam Tuxá, disse que enquanto a ADI não for julgada pelos ministros do Supremo, indígenas de várias etnias estão enfrentando invasões nos territórios, assassinatos e a devastação do meio ambiente. “É por isso que solicitamos que seja concedida a tutela de urgência antecipada. Não podemos ficar esperando enquanto as comunidades estão morrendo”, afirmou Tuxá.
É praticamente um Congresso Nacional do governo Bolsonaro operando contra os direitos fundamentais dos povos indígenas ao arrepio da Constituição, do Supremo Tribunal Federal e do Poder Executivo. É insanamente inconstitucional autorizar tanta destruição de direitos com base num projeto de lei ordinária. Segundo a Apib, nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas. Além disso, os territórios indígenas concentram 80% da biodiversidade do planeta. O Brasil, que vai sediar a COP 30, e que sob a liderança de Lula está empreendendo esforços internacionais para preservação das florestas e da biodiversidade brasileiras, não pode tolerar tamanha agressão contra os povos indígenas.
Aquiles Lins
Aquiles Lins é colunista do Brasil 247, comentarista da TV 247 e diretor de projetos Norte, Nordeste e Centro-Oeste do grupo.
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