Mauro Cid, os homens de fé e os marcianos
Os chefes das máquinas golpistas sempre escapam, porque só manés e terroristas deixam rastros inquestionáveis
Tenente-coronel Mauro Cid e Jair Bolsonaro (Foto: REUTERS)
Michel Temer disse ao empresário Joesley Batista, no Alvorada, em março de 2017, com a imposição de quem mandava: ”Tem que manter isso aí, viu?”.
Braga Netto recomendou, com entonação de general religioso, a apoiadores de Bolsonaro, em novembro do ano passado, perto do cercado do mesmo Alvorada: “Vocês não percam a fé”.
Mauro Cid disse em troca de mensagens, com certa candura, ao colega Jean Lawand Júnior, como se falasse de banalidades da rotina palaciana, também no final do ano passado: “O general Heleno esteve aqui”.
O Ministério Público Federal acusou Temer de falar, naquele encontro com Joesley, da mesada que o empresário deveria continuar pagando a Eduardo Cunha, para que o sujeito ficasse calado sobre rolos de todo tipo.
Já Braga Netto consolava bolsonaristas, logo depois de um encontro com Bolsonaro, com a extrema desolada pela derrota para Lula e enquanto muitos apostavam na fé que move montanhas quando vinda do Exército.
E Mauro Cid conversava por mensagens com o amigo coronel Lawand sobre a articulação do golpe, também depois da eleição, no mesmo contexto em que o bolsonarismo em desespero tentava manter a fé.
Temer, na cadeira de Dilma, escapou da condenação depois de denunciado pelo MP por tentar comprar o silêncio de Eduardo Cunha com dinheiro dos outros.
Braga Netto nunca será punido por entender que as pessoas precisam ter fé. E Mauro Cid poderá dizer nessa terça-feira, ao depor na CPI do Golpe, que, por mais que procurem o golpe na sua fala sobre Heleno, ele apenas viu o general andando por ali num dia de novembro.
Todos eles escaparam, escapam e escaparão. Cid, mesmo que pareça o mais enrolado nas investigações sobre o golpismo, não produziu nenhuma fala explícita e reveladora do plano do golpe.
Tudo é insinuado. Como eram dissimuladas as falas de empresários filmados em discursos em churrascarias de beira de estrada, em Santa Catarina, depois de eleição, todos na linha do não percam a fé porque ainda vai dar.
Não há, na alta hierarquia golpista, nada que explicite o golpe em conversas vazadas. Nem Bolsonaro deixou rastros que possam ser entendidos como provas irrefutáveis.
O que há, pela junção de falas, atitudes e ações, é um encadeamento coerente de fatos que levavam em direção ao golpe. Há o conjunto da obra.
É o que temos até agora. E temos também o vazio provocado pelas investigações inconclusas do que chamam de inquérito das fakes news, dos atos antidemocráticos, do gabinete do ódio e das milícias digitais.
O 8 de janeiro é o grande episódio, o show patético do golpe, mas não é o que explica o que aconteceu. O 8 de janeiro pode, muitas vezes, contribuir mais para confundir do que para desvendar o golpe.
O golpe, como conspiração armada no começo contra Dilma e o Supremo e depois contra Lula, é um movimento muito anterior, de antes de 2018.
A CPI, limitada na sua instalação a investigar os fatos ao redor do 8 de janeiro, talvez não ajude muito na compreensão do golpe, mas apenas do show dos manés e dos terroristas.
Mesmo que venha a identificar e pedir o indiciamento dos golpistas envolvidos com o 8 de janeiro, a CPI não terá feito o serviço completo se não identificar fatos e personagens da origem do golpe.
Não precisa retroagir lá ao golpe dos que pediam para manter isso aí e que é sim o começo de tudo, desde antes do agosto do golpe de 2016.
Mas é preciso, por respeito à História, que os verdadeiros golpistas não sejam confundidos com os 1.400 manés presos em Brasília e já transformados em réus.
O 8 de janeiro pega cabos e soldados do golpe e alguns financiadores sem expressão. Se, a partir das bordas, a CPI chegar ao núcleo do golpismo, terá feito o serviço certo.
Se não conseguir avançar além dos manés, do homem que colocou a bomba no caminhão de combustíveis em Brasília e dos acampados que esperavam marcianos, terá sido frustrante para todos.
A estrutura do golpe, em torno de Bolsonaro, está intocada, porque nem Anderson Torres, o guardador de minutas, tinha relevância no esquema.
Desde o apelo para “manter isso aí”, os chefes escapam. E sobra para os Eduardos Cunhas. Os chefes estão sempre encobertos.
Se um marciano descesse no acampamento de Brasília e pedisse para que o conduzissem ao líder, para levar adiante o golpe, é possível que, na ausência de um grande chefe civil ou fardado, fosse encaminhado à barraca do Zé das Couves de Taguatinga.
Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
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