Mauro Cid se agarra à tábua que o levou à CPI do Golpe

O coronel aposta na tese da obediência devida, sempre enfatizando sua condição de militar

Moisés Mendes
Publicada em 17 de agosto de 2023 às 11:03
Mauro Cid se agarra à tábua que o levou à CPI do Golpe

Tenente-coronel Mauro Cid na CPMI dos Atos Golpistas - 11.07.2023 (Foto: Roque de Sá/Agência Senado)

A cabeça militar do coronel Mauro Cid funciona hoje como a engrenagem cerebral de qualquer civil sob pressão extrema, que esteja envolto em imbróglios bolsonarianos.

Para quem está preso, as virtudes de disciplina, organização, racionalidade, hierarquia, espírito de corpo e resiliência podem valer hoje tanto quanto um Rolex falsificado.

Mauro Cid deve acordar pensando em delação, nas suas vantagens e nos seus riscos, e vai dormir desmontando o que pensou pela manhã.

Pode ter sido assim que um dia desses acordou e decidiu afrontar o advogado, para que pudesse buscar outro defensor, o terceiro desde que foi preso.

E Cezar Bittencourt, o novo advogado, deu o primeiro recado, que parece surpreender alguns, mas é raso na sua excessiva obviedade. Bitencourt disse em entrevista:

“Na verdade, ele é um militar, mas ele é um assessor. Assessor cumpre ordens do chefe. Assessor militar com muito mais razão. O civil pode até se desviar, mas o militar tem por formação essa obediência hierárquica. Então, alguém mandou, alguém determinou. Ele é só o assessor. Assessor faz o quê? Assessora, cumpre ordens".

Qual é a novidade em relação ao que o próprio Mauro Cid havia lido de um texto que levara pronto à CPI do Golpe em 11 de julho? Nenhuma. Zero.

Cid disse que sua nomeação jamais teve ingerência política, que era vinculado ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que ocupou a única função de assessoria próxima ao presidente que não é objeto da própria escolha do presidente e, o mais importante, que era de responsabilidade exclusiva das Forças Armadas selecionar e designar os militares da ajudância.

O Comando do Exército largou nota, depois da sua aparição na CPI, esclarecendo que Cid estava fardado porque é militar da ativa e fora convocado por causa de questões relativas “à função para a qual fora designado pela Força”. Cid tinha o suporte das Forças Armadas.

Só os donos de muitas certezas viram uma única leitura possível nas informações que o coronel passou à CPI, com o alerta de que fazia os esclarecimentos “para conhecimento de vossas excelências”.

Os recados foram múltiplos e aqui estão alguns deles, sem ordem hierárquica:

1.  As excelências deveriam saber que ele era homem de confiança dos militares e por isso havia sido escolhido para ficar ao lado do presidente a ser tutelado pelo Exército.

2. Fazia na ajudância de ordens um serviço atribuído exclusivamente a militares.

3. Os militares sabiam muito bem o que ele fazia sob as ordens de Bolsonaro.

4. Se alguém quisesse questionar a lisura de seus feitos, que se entendesse com as Forças Armadas.

5. Nada do que fazia no cargo teve intromissão em questões políticas.

6. Bolsonaro definia as tarefas, mas ele havia sido uma escolha do Exército e por isso estava ali na CPI fardado.

É possível acrescentar recados subliminares derivados dos citados acima. Mas nada ameniza a situação do coronel que está com a terceira turma de advogados.

A cabeça dele e as cabeças dos ex-auxiliares do entorno de Bolsonaro não funcionam direito hoje, estando presos ou não.

Mauro Cid repõe na pauta uma questão que pode definir seu futuro: por que desistiu do advogado que poderia encaminhar uma possível delação?

Desistiu porque a tática pode ser a de continuar apostando, até o cansaço, no que foi dito na CPI. Em vez da delação, a cutucada para que outros assumam responsabilidades.

Mauro Cid manda recados para os ex e os atuais comandantes das Forças Armadas, para Bolsonaro e para o entorno fardado de Bolsonaro, incluindo o GSI, mesmo que ninguém jogue boias para tirá-lo do redemoinho.

Vocês sabem muito bem o que eu fazia na ajudância de ordens, é o que Mauro Cid diz aos seus muitos comandantes.

Hoje, é esse o argumento que pretende levar à Justiça como alicerce da sua defesa. Está de volta a obediência devida.

Foi o que o advogado deixou claro nessa quarta-feira em outra entrevista ao Globo, com mais recados a Bolsonaro e aos militares:
“É exatamente essa obediência a um superior militar que há de afastar a culpabilidade dele”.

Superior militar? Vai funcionar? A cabeça do coronel diz pela manhã que sim, que uma hora dará certo. Mas o entardecer pode desfazer todas as suas convicções.

É a tábua instável que socorre o ajudante. Até um desfecho que passa a ser imprevisível.

Moisés Mendes

Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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