Medidas pontuais para reduzir as apelações nos Tribunais são passos para uma justiça mais eficiente

Tanto nas apelações voluntariamente apresentadas, como nas remessas de ofício, a sentença proferida pelo juiz de 1ª instância fica suspensa até que seja revista pelo Tribunal

Sergio Cavalheiro
Publicada em 17 de novembro de 2022 às 10:30
Medidas pontuais para reduzir as apelações nos Tribunais são passos para uma justiça mais eficiente

A Justiça Brasileira é vista como lenta, ineficiente e injusta. Variadas reportagens e pesquisas publicadas nos últimos anos expressam esse sentimento. Duas dessas causas centrais do problema derivam do nosso Código de Processo Civil, que prevê, como regra geral, efeito suspensivo às apelações e obrigatoriedade de apelação contra sentenças proferidas contra o Estado.

A adoção de um modelo em que as apelações normalmente não tivessem efeito suspensivo (como ocorre nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Itália, dentre outras nações) e a abolição da obrigação de recorrer de sentenças desfavoráveis ao Estado em muito contribuiria para a melhoria da Justiça.

Em nosso País o direito de apelar é amplo. A parte vencida em uma ação pode recorrer e, quando a derrota é imposta à União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas respectivas autarquias e fundações, o recurso é mandatório, ou seja, o juiz, de ofício, envia o caso ao Tribunal.

Tanto nas apelações voluntariamente apresentadas, como nas remessas de ofício, a sentença proferida pelo juiz de 1ª instância fica suspensa até que seja revista pelo Tribunal. Na prática, isso significa que quem perdeu não está obrigado a cumprir o que foi imposto na condenação até a 2ª instância emitir uma decisão.

Há, portanto, incentivo para recorrer. Mesmo quando improvável a chance de reversão do resultado, pois o apelo adia o cumprimento da obrigação. Como consequência, milhões de recursos chegam anualmente aos Tribunais.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no ano de 2020 os Tribunais Estaduais receberam 2.497.172 novos casos, julgaram 2.552.639 e ficaram em estoque 2.102.555. Desse total, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o maior do País, recebeu 765.604 novos recursos. Julgou 1.032.287 e encerrou o ano com 884.708 processos pendentes de julgamento. Os Tribunais Federais, por sua vez, fecharam 2020 com 1.170.794 casos em suas prateleiras. Receberam 542.001 novos e julgaram, dentre novos e antigos, 555.259.

Na média, cada Desembargador Estadual trabalhou 3.056 casos no ano, o que equivale a pouco mais de 8 por dia, se todos os dias fossem dias úteis. Em nível Federal, cada Desembargador atuou em 15.585 casos, média superior a 42 por dia.

Na Justiça Comum, somando-se o tempo entre 1º e 2º graus, cada caso leva em média 8 anos e meio. Na Justiça Federal, de 8 anos e 9 meses a 11 anos e 7 meses, dependendo do tipo de ação. Para cobrar uma dívida, o credor levará quase 9 anos na Justiça Estadual e, na Federal (onde o credor usualmente é o Estado), cerca de 12 anos.

Os números impressionam. Revelam a incapacidade de julgamentos de forma veloz e o impacto negativo na qualidade das decisões, como é natural se imaginar.

Impõe-se um paradoxo aos julgadores. Julgar mais rápido, dedicando menos tempo para cada causa ou dar mais atenção a cada recurso, demorando ainda mais em julgar? Qualquer das opções fica aquém do que o Brasil necessita.

O Poder Judiciário adotou caminho quantitativo para tentar melhorar o quadro. Nos últimos anos, o CNJ impôs metas volumétricas aos Tribunais, que, reconhece-se, passaram a julgar mais rápido e vêm decidindo milhares de causas anualmente, como mostram os dados.

O levantamento anual do CNJ, contudo, também ilustra que isoladamente referida via não é suficiente para sanar o problema, pois a redução do estoque de casos, quando ocorre, é baixa.

Buscar julgar mais casos por ano certamente é saudável, mas procurar melhorar a Justiça apenas sob essa ótica, sem se focar na redução da quantidade de novos casos nas Cortes, traz como efeito colateral menor qualidade das decisões, o que, em última análise, anula a tentativa de se imprimir mais velocidade na finalização dos casos.

Isso porque, decisões de menor qualidade dão ensejo a novos recursos, que são direcionados aos próprios Tribunais ou aos Tribunais Superiores, e retroalimentam os problemas de agilidade e eficiência, aumentando a sensação de injustiça. Esse ciclo no longo prazo traz severos problemas ao País.

A descrença no Judiciário enfraquece a democracia. Permite que sejam corriqueiros os ataques a este Poder (e aos seus principais integrantes), como temos assistido de uns anos para cá, o que abre indesejável margem a variados (e desvairados) discursos pregando soluções autoritárias.

Não obstante essa gravíssima questão, a ineficiência da Justiça gera insegurança jurídica. Tira a previsibilidade de quando e como as questões são decididas e a efetividade dos julgamentos, o que traz profundos efeitos negativos para a economia, que vão desde a postergação ou retração de decisões sobre investimentos até formação de preços e taxas de juros, afetando o potencial de crescimento do País.

Urgente a necessidade de buscarmos uma Justiça mais previsível e ágil e, por isso, mais justa. Uma reforma do Código de Processo Civil para se eliminar a regra geral de efeito suspensivo às apelações e para abolir a obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição nos casos em que são proferidas sentenças contra o Estado, seria um valioso passo na direção correta. Avanço ainda maior teríamos se esse passo fosse acompanhado de regra restringindo a interposição de recursos sobre temas já objeto de súmulas vinculantes dos Tribunais Superiores.

*Sergio Cavalheiro é Advogado, LL.M. em Direito Bancário, Financeiro e Empresarial pela Fordham University, NY.

Comentários

    Seja o primeiro a comentar

Envie seu Comentário

 
Winz

Envie Comentários utilizando sua conta do Facebook

Vou torcer contra a seleção

Vou torcer contra a seleção

Porém se perdermos dessa vez, poderemos fazer como os bolsomínions mais fanáticos: sairemos às ruas e exigiremos a entrega da taça. Já pensou se a FIFA acreditar na loucura?