Ministro da Defesa nos pede para esquecer o que já é História
'Múcio tenta amortecer os impactos entre governo e Forças Armadas, mas se esquece de que não há futuro sem assepsia do passado', afirma a colunista Denise Assis
José Mucio Monteiro (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
O ministro da Defesa, José Múcio, disse que está cansado dos que olham pelo retrovisor. Porém, ao defender o uso da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e da entrada em cena das Forças Armadas no dia 8 de janeiro, quem o faz é ele. Múcio defende métodos ultrapassados para manter “limpinhos” os generais que atuaram em favor da balbúrdia, do terror, conservando por tempo mais que o suportável, acampamentos estratégicos, nas portas dos quartéis.
Por “ingenuidade” ou pressa em trancar novamente nos armários as biografias dos que se omitiram ou transgrediram, o ministro exibiu ao Portal Uol (16/08), mais do que nunca, a sua função de “plástico bolha”. Múcio tenta amortecer os altos impactos entre o governo e os altos escalões das três Forças, mas se esquece de que não há futuro sem a assepsia do passado.
Não vai dar para o ministro seguir contando vantagens como as do tipo que desfiou para a dupla de entrevistadores, quando disse que agiu rápido no sábado posterior ao golpe de 8 de janeiro, ao demitir o general Júlio Arruda. Foi o presidente Lula quem exigiu, às seis horas da manhã – conforme relatos do noticiário – que ele demitisse o general, por resistir em retirar o cargo do tenente-coronel Mauro Cid, designado para comandante do batalhão de forças especiais vizinho a Brasília. Arruda é o mesmo que apontou blindados para o interventor e a tropa da PM, que chegavam ao acampamento em frente ao quartel general, na noite daquele domingo do golpe, para prender os remanescentes dos atos de terror. Não dá para esquecer. E é por isso que José Múcio nos quer desmemoriados. Nitidamente ele procura perdão para os generais.
Sim, precisamos olhar para frente, mas sem esquecer nas suas poltronas privilegiadas os que quase nos meteram numa enrascada. Difícil explicar por que o general Marcos Freire Gomes foi condescendente com os que, acampados diante do seu quartel, tramaram mandar pelos ares o aeroporto de Brasília na véspera de Natal.
Sabe por que precisamos esclarecer e explicar a função de cada um? Não é para punir os “bagrinhos”, como quer o ministro, e novamente “virar a página”, par sermos pegos na próxima curva do tempo. É para que não gastemos mais 60 anos pesquisando e apurando como foi - conforme está fazendo uma turma de arqueólogos, pesquisadores, historiadores e peritos, no prédio do DOI-CODI, em São Paulo, onde no mínimo morreram e foram “desaparecidos” cerca de 45 pessoas, nas mãos do torturador que o queridinho (Bolsonaro) dos generais elogia e defende.
Não vai nos convencer o ministro nos pedir para “passar o pano” para a sua cantilena de encarar a estrada apenas de ida. Não há caminhos sem esclarecimentos, apuração dentro dos rigores da Lei e punição. Caímos na lábia dos seus amigos do tempo da ditadura, quando fizeram (em nome da governabilidade fora das baionetas), um acordão para livrar da prisão os que agiram na repressão. Desta vez não vai dar, ministro. Não adianta falar em conciliação, quando o senhor mesmo os divide entre os que “tolerara” a vitória do candidato Lula - a quem o senhor serve -, e os que se colocaram contra, a ponto de com eles o senhor nem sequer conseguir dialogar. Haja vista a descrição do seu encontro com o fascista do Almirante Garnier, da Marinha.
É com esse tipo de gente que o senhor e nós estamos lidando. Ou se passa tudo a limpo agora – para deixar essa história contada para os seus netos –, ou vamos seguir aos tombos e cambalhotas com esses senhores, sim, vigiando as fronteiras, mas com um olho nelas outro no poder, para onde, se deixarmos, eles irão querer voltar daqui a três anos. Pelo menos enrubesça, ministro, ao nos propor isto numa manhã pós apagão. Faz escuro, mas nós precisamos sair da caverna e ver a luz.
Denise Assis
Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".
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