MPF pede a condenação das Forças Armadas por atentar contra o Estado Democrático de Direito
Tentativas de golpe contra o Estado Democrático de Direito culminaram no 8 de janeiro de 2023, destaca Denise Assis
Militares em Brasília (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Uma decisão do Ministério Público Federal do Rio Grande do Norte pode jogar por terra o argumento que vem sendo construído caprichosamente pelo Ministério da Defesa e pelo comando do Exército Brasileiro: o de que as Forças Armadas não se envolveram nos preparativos das tentativas de golpe contra o Estado Democrático de Direito, que culminaram no 8 de janeiro de 2023. Na interpretação dos procuradores da República Victor Manoel Mariz, Emanuel de Melo Ferreira e Fernando Rocha de Andrade, os comandantes das Forças Armadas à época, em nota divulgada pelos três comandantes em 11 de novembro de 2022, defenderam que a liberdade de expressão e reunião poderia ser utilizada inclusive para estimular a prática de crimes.
“A emissão da nota demonstra politização inconstitucional das Forças Armadas e estimulou a manutenção dos atos antidemocráticos e golpistas em frente aos quartéis, a partir do desenvolvimento da narrativa de que as eleições foram fraudadas, fomentando a busca pela quebra da ordem democrática”, sustentam os procuradores da República.
“As pessoas reunidas nesses acampamentos defenderam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e a necessidade de uma intervenção federal, feita por militares, para concretizar um verdadeiro golpe de Estado”, destacaram. Eles interpretaram também que: “Tratou-se de reunião realizada por associação antidemocrática, não protegida pela liberdade de expressão e reunião, incitando animosidade entre as Forças Armadas e os Poderes constituídos”.
Além de condenar a União – as Forças Armadas são forças de Estado –, o Ministério Público Federal (MPF) obteve também a condenação do deputado federal Eliéser Girão (PL) por danos morais coletivos ao fomentar atos antidemocráticos após as eleições de 2022. A União, o Estado do Rio Grande do Norte e o município de Natal também foram condenados por omissão na proteção à democracia. A sentença determina o pagamento, entre todos os réus, de R$ 5 milhões em indenizações e a exclusão de publicações em redes sociais do deputado, além da realização de evento público e ações educativas para coibir atos contra o Estado Democrático de Direito.
A ação civil pública tramita na 4ª Vara da Justiça Federal no RN sob o número 0803686-05.2023.4.05.8400. Ainda cabem recursos da decisão.
General Girão, nome pelo qual é conhecido o deputado, foi condenado a pagar R$ 2 milhões em danos morais coletivos por estimular os atos. Segundo a sentença, a atitude do parlamentar “afronta o Estado de Direito, a ordem jurídica e o regime democrático, pondo em ameaça a legitimidade do processo eleitoral e a atuação do Poder Judiciário, além de configurar discurso de ódio contra as instituições democráticas com divulgação de notícias falsas (fake news) acerca do resultado das eleições, confundindo e incitando o povo e as Forças Armadas à subversão contra a ordem democrática”. Ele deverá, ainda, apagar postagens no Instagram, Twitter (atual “X”) e Facebook em até dez dias.
O MPF também demonstrou na ação que os então comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, integrantes da União, divulgaram nota, em novembro de 2022, estimulando os acampamentos. Além de pagar indenização de R$ 2 milhões, a União deverá promover, em até 60 dias, cerimônia pública de pedido de desculpas, com participação dos comandantes.
O evento deverá ser amplamente divulgado em ao menos dois jornais de grande circulação nacional e contar com publicidade em rádio, televisão e internet. A União também fica obrigada a promover curso de formação aos militares de todo o país, com o objetivo de revisitar os atos antidemocráticos de 2022 e enfatizar o necessário respeito dos integrantes das Forças Armadas aos princípios inerentes ao Estado Democrático de Direito.
Para a Justiça Federal, “a nota emitida pelos então comandantes das Forças Armadas de fato normalizou os acampamentos e as manifestações antidemocráticas que ocorreram em face do não aceitamento do resultado das eleições, estimulando a ideia equivocada de legitimidade dos discursos de falsa insurreição e de ‘retomada do poder’, o que deu ensejo a um ambiente propício para a intentona de 8 de janeiro de 2023”. A decisão reforça que “de fato, agentes públicos militares em posição de alto comando adotaram procedimento que não se harmoniza com a legalidade nem com a neutralidade política das Forças Armadas”.
Quanto ao general Girão, segundo o MPF, ele utilizou ativamente suas redes sociais, em claro abuso da liberdade de expressão e da imunidade parlamentar, para encorajar condutas que atentavam contra a ordem democrática, inclusive a continuidade do acampamento existente à época em frente ao 16º Batalhão de Infantaria Motorizado, em Natal.
“Em postagem feita um mês antes da invasão dos prédios do STF, do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto, o réu já instigava a violência contra as instituições, especialmente o Congresso”, ressalta o MPF ao afirmar que Girão, na qualidade de deputado federal e general da reserva do Exército, foi importante articulador e motivador dos atos criminosos. “A vontade do réu em ver a concretização de um golpe de Estado, como se sabe, quase se consumou pouco mais de um mês após tal postagem, havendo nexo de causalidade entre conduta e dano.”
A União, o Estado do Rio Grande do Norte e o município de Natal também foram condenados por omissão na proteção à democracia ao permitirem a manutenção dos acampamentos e a obstrução irregular da via em frente ao 16º Batalhão de Infantaria Motorizado (Batalhão Itapiru), na capital potiguar. Em conjunto, os entes deverão pagar mais R$ 1 milhão em danos morais coletivos.
Denise Assis
Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".
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