MPF recorre ao STF para que cliente ocasional de prostituição de adolescentes possa ser condenado com base no ECA

Segundo jurisprudência do STJ, conduta não se enquadra no crime de submeter menor à prostituição ou exploração sexual

MPF/Foto: Arquivo/Agência Brasil
Publicada em 21 de dezembro de 2021 às 17:09
MPF recorre ao STF para que cliente ocasional de prostituição de adolescentes possa ser condenado com base no ECA

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou recurso extraordinário para questionar jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que entende que o cliente ocasional de prostituição de adolescentes não pode ser enquadrado no crime previsto no artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90 - ECA). O dispositivo prevê pena de reclusão de quatro a dez anos, além de multa, para aquele que submete um menor de 18 anos à prostituição ou à exploração sexual. O MPF sustenta que, independentemente de ser uma prática habitual ou esporádica, a conduta constitui crime, conforme a Constituição Federal e diversos tratados internacionais de direitos humanos. Após ser admitido pelo STJ, o recurso foi enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 7.

O MPF defende que a questão tem repercussão geral, pois abrange não apenas aspectos jurídicos, mas também políticos, econômicos e sociais. O que está em jogo, segundo a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, é a efetiva proteção de mulheres e adolescentes à luz de dispositivos constitucionais e tratados internacionais em que o Brasil é signatário. Para ela, a interpretação jurídica que atenua a penalização de quem comete crimes contra a dignidade sexual de meninas, como no caso questionado, viola os princípios da Constituição que asseguram a proteção integral de crianças e adolescentes (art. 227) e o devido processo legal (art. 5º, inciso LIV).

A subprocuradora-geral sustenta que, além de as vítimas serem menores de idade à época dos fatos, elas são do sexo feminino, o que torna aplicável tanto as convenções e tratados internacionais de proteção às crianças e adolescentes, como também de proteção às mulheres. Dentre eles, destaca a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará (1994), e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, chamada de Carta Internacional dos Direitos da Mulher (1979).

Ela lembra que o próprio STF já reconheceu que os tratados de proteção à vida, à integridade física e à dignidade da mulher, bem como as conferências internacionais sobre a mulher realizadas pela ONU, devem conduzir os pronunciamentos do Poder Judiciário na análise de atos potencialmente violadores de direitos previstos na Constituição e que o Brasil se obrigou internacionalmente a proteger. Além disso, cita a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 1990.

Paradigma – O caso que originou o recurso extraordinário do MPF se refere a um homem condenado pelo Tribunal de Justiça no Paraná (TJPR) a oito anos e oito meses de reclusão, além do pagamento multa, por contratar programas sexuais com menores de idade. De acordo com os autos do processo, ele teria realizado ao menos três encontros sexuais com três adolescentes diferentes, entre os anos de 2002 e 2003 e em 2008. A denúncia traz ainda indícios da participação do acusado em outros programas com crianças e adolescentes e frisa que os crimes não se deram de forma isolada, mas no contexto de uma rede de exploração sexual instalada na cidade de Londrina, no norte do estado.

Com o objetivo de reverter a condenação do TJPR, o homem apresentou habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça, com pedido de liminar. A defesa alegou que manter relações sexuais com maiores de 14 anos e menores de 18, mediante pagamento e de forma consentida, não caracteriza a exploração de poder sobre elas, na medida em que não há submissão. Em outras palavras, sustentou que o condenado seria apenas um cliente ocasional de prostituição de adolescente, conduta que não se enquadraria no crime do artigo 244-A do ECA e que só teria sido tipificada após a data dos fatos, por meio da Lei 12.015, que entrou em vigor em 2009.

O pedido de liminar foi indeferido. No entanto, com base em jurisprudência do próprio STJ, o ministro relator reafirmou o entendimento de que a conduta do cliente ocasional de prostituição de adolescentes não se enquadra no crime descrito no Estatuto da Criança e do Adolescente. Com isso, concedeu ordem para trancar a ação penal e cassar a condenação proferida pelo TJPR. O MPF recorreu, mas a decisão foi confirmada pela Sexta Turma da Corte Superior. Agora, com o recurso extraordinário, o caso será analisado de forma definitiva pelo STF, que deve fixar tese sobre o assunto.

Segundo Frischeisen, “inexistem dúvidas de que o Brasil possui normas internas e tratados internacionais devidamente incorporados ao nosso sistema jurídico que visam a coibir todas as formas de exploração sexual contra vítimas mulheres”. Para ela, caso a decisão do STJ seja mantida, “não se estará dando a devida proteção do Estado que o próprio Brasil se obrigou a cumprir”.

RE 1363134

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