Não bastassem os mortos, ainda há o oportunismo

Denise de Assis escreve sobre o oportunismo de grandes empresas que tentam faturar com doações irrisórias em meio à epidemia

Denise Assis
Publicada em 10 de agosto de 2020 às 12:33

O cenário é o de 100.667 mortos, até hoje, pela Covid-19 no Brasil. Ou seja, mal nos recuperamos do susto de atingirmos a terrível marca das 100 mil vítimas, e esse número já ficou para trás, engolido pela voracidade do coronavírus e pela incapacidade e inapetência do governo em lidar com a calamidade. Melhor “tocar a vida” e comemorar a vitória do Palmeiras.

Como se a compensar tamanho descaso, matéria publicada em 07/08/2020 às 21:26, pela Agência Brasil (agora canal oficial do governo),  atribuía à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o anúncio do recebimento de R$ 100 milhões, em doação de um grupo de empresas, para investir no aprimoramento de suas instalações que serão usadas na produção da vacina da covid-19.

“A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) recebeu a doação de uma coalisão de empresas e fundações para adequações em seu parque fabril e aquisição de equipamentos necessários à produção da vacina para covid-19, desenvolvida pela Universidade de Oxford, por meio do acordo com a AstraZeneca. A doação também auxiliará na expansão da estrutura de controle de qualidade, em função da grande demanda de testes que a nova vacina irá gerar”. O trecho, segundo a matéria da Agência Brasil, fora retirado de nota emitida pela “Agência Fiocruz de Notícias”.

E complementava: “a expansão será importante para a realização dos testes de qualidade do imunizante desde a sua primeira fase de incorporação, que consiste no recebimento de 100 milhões de doses do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) para processamento final (formulação, envase, rotulagem e embalagem), dentro de um acordo de encomenda tecnológica respaldado pelo governo”.

Nos “finalmentes”, a Agência Brasil divulgava, claro, a lista dos “grandes beneméritos” – as aspas são minhas. “A doação, de cerca de R$ 100 milhões, foi feita por Ambev, Americanas, Itaú Unibanco, Stone, Instituto Votorantim, Fundação Lemann, Fundação Brava e a Behring Family Foundation”. E advertia: “Um comitê composto por todas as empresas e fundações será formado para acompanhar as iniciativas”.

O “pool do bem” tratou logo de anunciar aos quatro cantos a benfeitoria, em forma até mesmo de peças de propaganda. A “providência” levou a que a Fiocruz colocasse as coisas em seu devido lugar, – agora, sim, em nota.

“A Fiocruz foi surpreendida, nesta sexta-feira (7/8), pela divulgação de peças publicitárias inadequadas que tratavam de uma doação para a instituição. As peças em questão abordavam a montagem e construção de uma fábrica de vacinas que seria doada à Fiocruz. Por tratar-se de uma divulgação que gera interpretações equivocadas, a Fiocruz publicou, na noite do mesmo dia (7/8), um release na tentativa de esclarecer o real objetivo do aporte financeiro que seria doado. Atenção ao tempo do verbo: “seria”.

No entanto, mais tarde, ainda na própria sexta-feira, houve a informação de que, embora as empresas já a estivessem divulgando, a doação em questão ainda não foi concluída e está em fase de tratativas. É o que se pode chamar de “oportunismo vergonhoso”, em véspera do anúncio do total de 100 mil mortes, já acrescidos dos mil casos nossos de cada dia.

Denise Assis

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada". Membro do Jornalistas pela Democracia

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