Não dialogar com as universidades em greve é um equívoco

"O prolongamento da greve nas universidades está criando animosidade num contingente de grande sustentação para o governo Lula", escreve Denise Assis

Fonte: Denise Assis - Publicada em 28 de maio de 2024 às 10:56

(Foto: José Cruz/ Agência Brasil )

A depender da atitude do governo, a greve das universidades que dura desde o mês de março pode acabar hoje, (27/05), num encontro previsto com a direção do movimento, ou se estender por tempo indeterminado. A maior queixa da categoria é pela atitude “autoritária” que perceberam numa nota emitida pelo Ministério de Gestão e Inovação (MGI), dando como prazo final para as negociações, esse encontro.

Não é verdade que a ministra Esther Dweck, da Gestão e Inovação, não tem falado sobre a greve das universidades, que se prolonga “perigosamente” até agora, sem que as partes tenham chegado a um acordo. A ministra tem, sim, se pronunciado, mas seu posicionamento, na visão dos grevistas, tem sido na contramão dos interesses de uma categoria que lutou bravamente contra Bolsonaro, pela manutenção das verbas destinadas ao setor, tão caro ao atual governo. A categoria foi decisiva no apoio a Lula contra o fascismo e, não a ouvir neste momento é, no mínimo, um equívoco. 

De acordo com o comando de greve, a postura tem sido de endurecimento. Sobre a opinião do ministro da Educação, Camilo Santana, o segmento aguarda notícias. Para o MGI, esse encontro de hoje teria como objetivo selar o fim da greve. Para o movimento, é mais uma etapa do diálogo.

Ao exemplificar o que chamam de postura autoritária do MGI, os grevistas trouxeram a público um trecho da nota emitida pelo ministério: “Com relação às notícias que têm sido veiculadas nas redes sociais de algumas entidades, inclusive na imprensa, de que o encontro agendado para o próximo dia 27/05/2024 seria uma reunião de continuidade do processo negocial, esclarecemos que em reunião da mesa realizada no dia 15/05/2024, o governo apresentou a sua proposta final e foi acordado com as entidades representativas dos servidores e servidoras, docentes das universidades públicas federais, que a proposta seria submetida às assembleias da categoria e que o encontro do dia 27/05 seria convocado para assinatura do Termo de Acordo, não restando portanto, margem para recepção de novas contrapropostas”, afirma o texto encaminhado pela Deret/SRT/MGI.

A categoria reagiu: “A mensagem, autoritária, ataca novamente o direito de greve das e dos docentes da Educação Federal, assim como o MGI já tentou fazer em 19 de abril. Na ocasião, na mesa de negociação com a bancada sindical, os representantes do governo apresentaram um termo que condicionava a continuidade das negociações ao encerramento das greves. Após denúncia das entidades sindicais, o ataque foi retirado. Ao afirmar que não há margem para novas contrapropostas, o governo interrompe unilateralmente o processo de negociação”. 

A interrupção das negociações não deve ser uma atitude que o ex-sindicalista, Luiz Inácio Lula da Silva, aprovaria. Logo ele, que sempre esteve à frente de rodadas de conversas com os patrões, no ressurgimento do sindicalismo, nos idos de 1970.

Para o presidente do ANDES-SN, Gustavo Seferian, “o governo federal expressa, com essa mensagem, uma imensa intransigência com o processo negocial, para além de um desrespeito com a dinâmica grevista. Ainda que as rodadas de negociação estivessem em um compasso lento, elas vinham ocorrendo com mesas e espaços de interlocução”. 

Em sua opinião, “quando o governo passa a agir de forma ultimatista, fere princípios elementares do movimento sindical e da negociação coletiva. Nós, professores e professoras em greve, queremos negociar, seguir um bom compasso de partilhas entre propostas e contrapropostas que se estabeleceu na greve, e caso a base da categoria entenda por apresentar uma nova contraproposta, será essa nossa ação no dia 27 de maio!", ressaltou Seferian, deixando claro que o movimento não pretende atender ao “ultimato” do MGI.

De acordo com o representante da ANDES, “também que, na mesa do dia 15 de maio, o Secretário de Relações do Trabalho do MGI, José Lopez Feijóo, deu a entender que assinaria com qualquer um”. Ao ressaltar que “o encontro do dia 27/05 seria convocado para assinatura do Termo de Acordo”, destacaram, “o governo reforça também a ameaça de firmar um acordo, à revelia de quase toda a categoria docente, a Proifes - entidade cartorial que não tem legitimidade e nem representatividade legal para tanto”, denunciam. 

Até agora já são 58 instituições paradas e, a depender dos ânimos, assim irão permanecer. “(...) nós vamos continuar nesse movimento”, afirmou Ari Loureiro, representante do Comando de Greve da Associação de Docentes da Universidade Federal do Pará (Adufpa Seção Sindical), no Comando Nacional de Greve (CNG) do ANDES-SN.

“Fechar a porta é negar o processo histórico de uma sociedade, de um governo que busca esse diálogo com a classe trabalhadora. Será uma grande traição com o movimento grevista, com quase 100 mil trabalhadores e trabalhadoras da educação que estão paralisados. Não vamos admitir, queremos manter sim o diálogo, e que seja menos intransigente e que seja mais plausível essa nossa construção e com certeza nós vamos chegar a um acordo que seja dessa base, ANDES-SN, Sinasefe e Fasubra”, afirmou Loureiro. 

Na mesma direção foi a secretária-geral do ANDES-SN, Francieli Rebelatto. “A ameaça do governo reforçando ultimato para finalizar processo de negociação no dia 27, aprofunda o desrespeito do governo com os trabalhadores(as) da educação, que estão construindo uma das maiores greves da educação federal dos últimos anos. Quem decide o momento de finalizar as negociações são os trabalhadores e trabalhadoras organizados (as) em nossas bases”, afirmou. 

Professores e técnicos recusaram a proposta do Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, que previa reajuste salarial zero em 2024 e aumento de 13,3% a 31% até 2026. Eles decidiram continuar com a greve, que também afeta outras universidades e institutos federais no país. A greve é nacional e unificada, envolvendo docentes, técnicos e discentes. Os manifestantes pedem recomposição salarial, reestruturação da carreira, revogação de atos autoritários e contrarreformas, além de isonomia entre aposentados e não aposentados. Além das universidades, estão também paralisados: 79 institutos federais e 14 campus do Colégio Pedro II. A greve afeta negativamente a vida acadêmica devido aos atrasos no calendário.  Não apenas. O meio acadêmico é formado por significativos nomes da intelectualidade. Além disso, é sabido que o colegiado de professores se constitui em verdadeiro exército de formadores de opinião. O prolongamento da greve nas universidades está criando animosidade num contingente de grande sustentação para o governo Lula. É lamentável a forma descuidada como a ministra da gestão tem encaminhado as negociações sem levar em conta as peculiaridades da categoria. Trata-se de um segmento que pode negar apoio ao governo numa hora crucial. Postemos nossos olhos no que fez a juventude na Argentina.

Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

711 artigos

Não dialogar com as universidades em greve é um equívoco

"O prolongamento da greve nas universidades está criando animosidade num contingente de grande sustentação para o governo Lula", escreve Denise Assis

Denise Assis
Publicada em 28 de maio de 2024 às 10:56

(Foto: José Cruz/ Agência Brasil )

A depender da atitude do governo, a greve das universidades que dura desde o mês de março pode acabar hoje, (27/05), num encontro previsto com a direção do movimento, ou se estender por tempo indeterminado. A maior queixa da categoria é pela atitude “autoritária” que perceberam numa nota emitida pelo Ministério de Gestão e Inovação (MGI), dando como prazo final para as negociações, esse encontro.

Não é verdade que a ministra Esther Dweck, da Gestão e Inovação, não tem falado sobre a greve das universidades, que se prolonga “perigosamente” até agora, sem que as partes tenham chegado a um acordo. A ministra tem, sim, se pronunciado, mas seu posicionamento, na visão dos grevistas, tem sido na contramão dos interesses de uma categoria que lutou bravamente contra Bolsonaro, pela manutenção das verbas destinadas ao setor, tão caro ao atual governo. A categoria foi decisiva no apoio a Lula contra o fascismo e, não a ouvir neste momento é, no mínimo, um equívoco. 

De acordo com o comando de greve, a postura tem sido de endurecimento. Sobre a opinião do ministro da Educação, Camilo Santana, o segmento aguarda notícias. Para o MGI, esse encontro de hoje teria como objetivo selar o fim da greve. Para o movimento, é mais uma etapa do diálogo.

Ao exemplificar o que chamam de postura autoritária do MGI, os grevistas trouxeram a público um trecho da nota emitida pelo ministério: “Com relação às notícias que têm sido veiculadas nas redes sociais de algumas entidades, inclusive na imprensa, de que o encontro agendado para o próximo dia 27/05/2024 seria uma reunião de continuidade do processo negocial, esclarecemos que em reunião da mesa realizada no dia 15/05/2024, o governo apresentou a sua proposta final e foi acordado com as entidades representativas dos servidores e servidoras, docentes das universidades públicas federais, que a proposta seria submetida às assembleias da categoria e que o encontro do dia 27/05 seria convocado para assinatura do Termo de Acordo, não restando portanto, margem para recepção de novas contrapropostas”, afirma o texto encaminhado pela Deret/SRT/MGI.

A categoria reagiu: “A mensagem, autoritária, ataca novamente o direito de greve das e dos docentes da Educação Federal, assim como o MGI já tentou fazer em 19 de abril. Na ocasião, na mesa de negociação com a bancada sindical, os representantes do governo apresentaram um termo que condicionava a continuidade das negociações ao encerramento das greves. Após denúncia das entidades sindicais, o ataque foi retirado. Ao afirmar que não há margem para novas contrapropostas, o governo interrompe unilateralmente o processo de negociação”. 

A interrupção das negociações não deve ser uma atitude que o ex-sindicalista, Luiz Inácio Lula da Silva, aprovaria. Logo ele, que sempre esteve à frente de rodadas de conversas com os patrões, no ressurgimento do sindicalismo, nos idos de 1970.

Para o presidente do ANDES-SN, Gustavo Seferian, “o governo federal expressa, com essa mensagem, uma imensa intransigência com o processo negocial, para além de um desrespeito com a dinâmica grevista. Ainda que as rodadas de negociação estivessem em um compasso lento, elas vinham ocorrendo com mesas e espaços de interlocução”. 

Em sua opinião, “quando o governo passa a agir de forma ultimatista, fere princípios elementares do movimento sindical e da negociação coletiva. Nós, professores e professoras em greve, queremos negociar, seguir um bom compasso de partilhas entre propostas e contrapropostas que se estabeleceu na greve, e caso a base da categoria entenda por apresentar uma nova contraproposta, será essa nossa ação no dia 27 de maio!", ressaltou Seferian, deixando claro que o movimento não pretende atender ao “ultimato” do MGI.

De acordo com o representante da ANDES, “também que, na mesa do dia 15 de maio, o Secretário de Relações do Trabalho do MGI, José Lopez Feijóo, deu a entender que assinaria com qualquer um”. Ao ressaltar que “o encontro do dia 27/05 seria convocado para assinatura do Termo de Acordo”, destacaram, “o governo reforça também a ameaça de firmar um acordo, à revelia de quase toda a categoria docente, a Proifes - entidade cartorial que não tem legitimidade e nem representatividade legal para tanto”, denunciam. 

Até agora já são 58 instituições paradas e, a depender dos ânimos, assim irão permanecer. “(...) nós vamos continuar nesse movimento”, afirmou Ari Loureiro, representante do Comando de Greve da Associação de Docentes da Universidade Federal do Pará (Adufpa Seção Sindical), no Comando Nacional de Greve (CNG) do ANDES-SN.

“Fechar a porta é negar o processo histórico de uma sociedade, de um governo que busca esse diálogo com a classe trabalhadora. Será uma grande traição com o movimento grevista, com quase 100 mil trabalhadores e trabalhadoras da educação que estão paralisados. Não vamos admitir, queremos manter sim o diálogo, e que seja menos intransigente e que seja mais plausível essa nossa construção e com certeza nós vamos chegar a um acordo que seja dessa base, ANDES-SN, Sinasefe e Fasubra”, afirmou Loureiro. 

Na mesma direção foi a secretária-geral do ANDES-SN, Francieli Rebelatto. “A ameaça do governo reforçando ultimato para finalizar processo de negociação no dia 27, aprofunda o desrespeito do governo com os trabalhadores(as) da educação, que estão construindo uma das maiores greves da educação federal dos últimos anos. Quem decide o momento de finalizar as negociações são os trabalhadores e trabalhadoras organizados (as) em nossas bases”, afirmou. 

Professores e técnicos recusaram a proposta do Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, que previa reajuste salarial zero em 2024 e aumento de 13,3% a 31% até 2026. Eles decidiram continuar com a greve, que também afeta outras universidades e institutos federais no país. A greve é nacional e unificada, envolvendo docentes, técnicos e discentes. Os manifestantes pedem recomposição salarial, reestruturação da carreira, revogação de atos autoritários e contrarreformas, além de isonomia entre aposentados e não aposentados. Além das universidades, estão também paralisados: 79 institutos federais e 14 campus do Colégio Pedro II. A greve afeta negativamente a vida acadêmica devido aos atrasos no calendário.  Não apenas. O meio acadêmico é formado por significativos nomes da intelectualidade. Além disso, é sabido que o colegiado de professores se constitui em verdadeiro exército de formadores de opinião. O prolongamento da greve nas universidades está criando animosidade num contingente de grande sustentação para o governo Lula. É lamentável a forma descuidada como a ministra da gestão tem encaminhado as negociações sem levar em conta as peculiaridades da categoria. Trata-se de um segmento que pode negar apoio ao governo numa hora crucial. Postemos nossos olhos no que fez a juventude na Argentina.

Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

711 artigos

Comentários

    Seja o primeiro a comentar

Envie seu Comentário

 
NetBet

Envie Comentários utilizando sua conta do Facebook