Nota de despedida – Cacique Catarino Gavião
Sua história certamente representará uma fonte de inspiração, estudo e mobilização para as lutas de hoje e de amanhã por um mundo intercultural que seja bom para todos e todas
Fonte: Acervo Familiar
A canção “Akoj té” que em língua portuguesa significa, “Onde estão?” faz parte do repertório musical do Povo Indígena Ikolen Gavião. Foi uma das músicas que o Cacique Catarino Gavião cantou na abertura da aula inaugural do curso Licenciatura em Educação Básica Intercultural que ocorreu no dia 23 de novembro de 2009 em Ji-Paraná. Um registro memorial que agora ganha um valor ainda mais simbólico e formativo.
Naquele momento histórico 50 estudantes indígenas representantes de diferentes povos ouviam atentamente a melodia ameríndia que narrava a história do surgimento da humanidade na perspectiva dos Ikolen Gavião, o povo que veio da pedra: “Ákoj té padéhréhj sá ena apako kíá, akoj té padéhréhj sá ena, apako kíá. Ixíá ágóa ká ena, apako kíá ixía ágóa ká ena, apako kíá”.
Fonte: Mário Venere (2009).
Talvez a escolha por esta música tenha ocorrido porque a sua letra estabelecia uma estreita relação com aquela situação inédita que estava ocorrendo ali: pela primeira vez um grupo significativo de indígenas ingressavam na Universidade Federal de Rondônia. E como na canção, talvez pelo ato metafórico de um pássaro do bico duro que conseguiu romper a barreira da exclusão da educação superior por meio da força problematizadora das ações afirmativas.
Fonte: Acervo Familiar.
Esta lembrança da aula inaugural emerge diante do luto que nos envolve enquanto Departamento de Educação Intercultural da Universidade Federal de Rondônia, Campus de Ji-Paraná: o Cacique Catarino Sebirop da Silva Gavião de 68 anos faleceu ontem, dia 1º de outubro de 2021 neste município em decorrência de complicações pulmonares. Foi enterrado na mesma data no Cemitério da Saudade.
A história de Catarino Gavião está diretamente relacionada a um coletivo familiar marcado por grandes lideranças – seu pai era cacique e o seu sogro também. Possivelmente este contexto formador tenha contribuído para que ele desde cedo aprendesse as lições de orientar seu povo diante das demandas postas, sobretudo pelo Estado brasileiro.
A infância foi vivenciada na 2ª metade do século XX no então Território Federal do Guaporé, mas seu processo de alfabetização ocorreu na fase adulta em língua indígena por meio do missionário da Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB) e de forma quase simultânea em língua portuguesa através do trabalho do linguista Denny Moore. Essa experiência possibilitou que compreendesse o valor do saber formal no atual contexto pós-contato. Em função disso tornou-se um guerreiro a favor da Educação Escolar Indígena e da formação docente com ações importantes para o surgimento do Projeto Açaí e da Licenciatura em Educação Básica Intercultural.
Catarino se tornou cacique muito novo, isso ocorreu por ocasião de seu casamento com Tereza Gavião, esposa indígena. Posteriormente casou-se também com uma mulher não indígena, Maria Benedita Rodrigues da Silva. Estes relacionamentos resultaram em um grande núcleo familiar com 16 filhos e filhas, muitos netos (as) e bisnetos (as).
Teve uma atuação importante no estabelecimento do contato com outros povos junto a Fundação Nacional do Indio (FUNAI). Foi um grande defensor da Terra Indígena Igarapé Lourdes e de territórios de povos aliados por ocasião da colonização nos anos oitenta. Um contexto que o levou várias vezes à capital do país e até a França. Neste período eram constantes as invasões considerando o próprio incentivo governamental na produção do processo migratório. Um problema que Catarino denunciou na primeira rádio indígena do Brasil coordenada pela União das Nações Indígenas (UNI) sob a responsabilidade de Ailton Krenak.
Fonte: Jornal O Globo – 29 de agosto de 1984.
Enfim, Catarino Gavião fez parte de uma geração de lideranças indígenas amazônidas que foram fundamentais nos processos de resistências frente a diversas situações: vivência nos seringais, denúncia da colonização, defesa dos territórios, luta por educação diferenciada e intercultural, divulgação das culturas e línguas indígenas, dentre outras. Sua história certamente representará uma fonte de inspiração, estudo e mobilização para as lutas de hoje e de amanhã por um mundo intercultural que seja bom para todos e todas.
Fonte: Departamento de Educação Intercultural/Universidade Federal de Rondônia/Campus de Ji-Paraná.
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