O Art. 142 não é maior que o Art. 60; ou a traição!
A Constituição traz em seu rol de entrada, a saber, no Art. 1º, a sentença fundante a dizer claramente que isto aqui é um “Estado Democrático de Direito”.
(Foto: REUTERS/Washington Alves)
A Constituição Federal de 1988, por óbvio que o sejam todas as constituições estatais, é um “aquífero” principiológico. Isto é, desta fonte do direito é possível ver jorrarem todos os tipos de princípios que conjuguem fundamentos, pilares semânticos, éticos, cognitivos e morais com os quais todas as demais normas derivadas navegarão seu devir funcional no interior da sociedade.
Em síntese, numa pesquisa simples mesmo na internet será presenteado um rol enorme de princípios por que translada a CF-88, assim nos fazendo refletir a essência do somos como civilização vestidos na roupa de um Estado.
No entanto, penso que seja necessário avisar aos desavisados[1] que não existe guarida legal e principiológica aos que pretendem utilizar sua distraída cognição para invocar a falácia do Art. 142 como pressuposto de escopo constitucional. Isto é, se deu tudo errado em nosso arranjo civilizatório, seria este o evento máximo, portanto, o princípio fundamental da reordenação estatal? Não! É totalmente o contrário.
Senão, vejamos! A Constituição do Brasil traz em seu rol de entrada, a saber, no Art. 1º, a sentença fundante a dizer claramente que isto aqui é um “Estado Democrático de Direito”. Ora, não são apenas três palavras soltas. Há significantes e significados em “Estado”, em “Democrático” e em “Direito”. (E aconselho uma pesquisa mais profunda sobre estes termos, tanto na gramática linguística, quanto na política e jurídica. Por hora, iremos estender nossa impressão noutro avançar.)
O dizer a partir do Art. 1º da CF-88 tem a finalidade mesmo de chegarmos a este texto dentro do mesmo Diploma. Leiamos: “Art. 60. / § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: / II - o voto direto, secreto, universal e periódico”.
Deste dispositivo, sem pestanejar, é possível depreender um princípio magno da soberania popular em cuja semântica constrange tudo mais que se possa pensar no ferimento à democracia.
Ora, se a atitude máxima do ordenamento do Estado é sua Constituição e, por extensão hermenêutica, a mudança de suas diretrizes; e se é inadmissível qualquer proposta que tente alterar a Constituição no tangível ao sagrado culto da eleição (voto direto, secreto e periódico; leia-se: eleição nos seus ciclos previsíveis; leia-se: democracia em movimento; leia-se: soberania popular sobre quaisquer outras interpretações de poder e força), logo, invocar o Art. 142 para dizer que as Forças Armadas retomarão o poder soberano a fim de “emprestá-lo” a terceiro ou algum de seus membros, seria a maior estupidez de interpretação constitucional já consagrada institucionalmente.
Nem mesmo há que se falar na aferição de uma colisão de princípios. Não! O Art. 142, se o lemos pela luneta de Ronald Dworkin, no máximo seria comportado na Constituição como uma diretriz; ou de uma regra para uma diretriz.
Refletindo a partir de Dworkin, para quem as normas (ou standards), lido grosso modo por este articulista, dividem-se em três blocos: princípios, regras e diretrizes (políticas), os princípios ocupam uma espécie de platô circunstancial e civilizatório. Isto é, operam para uma obrigação de se realizar a justiça e a equidade. As regras conjugam a validade em sua aplicação fática. Ou seja, é uma regra aquilo que, no artefato social vale no modelo do “tudo-ou-nada”. Qualquer uso de uma norma que seja volátil sua interpretação para uso ou não-uso, não tem validade, portanto, não é regra. E diretriz obedece a um comando de ordem econômica, social, política ou de proteção. Serve a um horizonte programático, um objetivo que a civilização precisa alcançar para o bem-estar de seu povo.
Dessa forma, a análise do Art. 142 não carrega conteúdo de disputa de pesos (como nos princípios), entretanto, de validade e objetivo, ao híbrido perceptível da regra e da diretriz. Ou seja: este evento que desejou o constituinte apontou para uma diretriz, a saber, a estrutura e funcionamento das Forças Armadas e a sua subordinação claríssima a um sistema societário com vista à “defesa da Pátria” e à segurança da rotina de atividade dos “poderes”; e para uma regra, qual seja, uma vez acionada, ou pelo Poder Legislativo, ou pelo Poder Judiciário, ou pelo Poder Executivo, fazer garantir a “lei e a ordem”, sendo que tanto “lei e ordem” possuem seus regramentos de operação, quanto os limites de competência dos membros dos poderes para estartar quaisquer comandos. Em tudo, a subordinação é a regra e não o contrário.[2]
Há uma insistência do constituinte originário nessa centralidade principiológica da soberania popular (não escrita, contudo, devidamente inscrita na CF-88). Vejamos o que nos diz o Parágrafo único, do Art. 1º: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Mais uma vez resta claro que mesmo os chefes dos poderes, Legislativo, Judiciário e Executivo devem satisfação integral aos donos legítimos do “Poder”: o povo. Se de um lado a CF-88 nos instrui a ideia de soberania estatal, ou seja, o Brasil é soberano, do outro, esta soberania é subordinada indubitavelmente à soberania popular. Retomemos, portanto, a colisão de todos estes dispositivos constitucionais, os princípios que deles jorram, e vejamos que o Art. 142 jamais poderá ser invocado para afrontar a máxima soberania imposta na Carta Magna do Brasil.
Portanto, esta é a síntese que oferecemos: não entendeu nada quem pensa que o Art. 142 dá direito de arbítrio aos militares para definir se chove ou se faz sol no Brasil (essa não é sua diretriz). É exatamente o contrário. O dispositivo diz – e não diz mais nada que a nossa inteligência possa depreender – que as Forças Armadas são formadas por “empregados” do povo a obedecer as dimensões que o povo criou; que o povo autorizou existir; que o povo institucionalizou; e que o povo garante seu sustento. Tudo mais é traição, ao Brasil, à sua Constituição e principalmente, ao povo, o verdadeiro detentor da maior de todas as soberanias: a popular, de onde jorrará a democracia, seu meta-princípio pétreo.
[1] As notícias que correm nesse momento é que o presidente derrota[do] Bolsonaro gostaria de lançar sua última ferpa golpista, avocando o Art. 142 para uma “mediação” fora das quatro linhas da CF-88 a impedir a posse do eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
Portanto, este texto que fiz é também e principalmente para este inútil do Bolsonaro que passou 30 anos no Congresso Nacional apenas mamando do sistema suas regalias; foi o pior Presidente da República que o Brasil já teve; e, como menino babão, não se conforma em ver a democracia devolvê-lo para o lugar de onde nunca deveria ter saído: a lato do lixo da História.
[2] Se queremos encontrar algum sobressalto principiológico neste Art. 142, fechamos seu escopo como o Princípio da Subordinação das Forças Armadas do Brasil que, colidindo por qualquer dimensão ao Princípio da Soberania Popular, este terá sempre a precedência decisória em seu favor. O contrário disso é a implantação – velada ou não – de uma nova Ditadura Militar e do rasgo autoritário da CF-88 para quem não serviria de nada o dispor mesmo do 142, sendo um texto inútil de sentido e diretriz.
Marconi Moura de Lima Burum
Mestrando em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB, pós-graduado em Direito Público e graduado em Letras. Foi Secretário de Educação e Cultura em Cidade Ocidental. Trabalha na UEG. No Brasil 247, imprime questões para o debate de uma nova estética civilizatória
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Comentários
Os manifestantes em frente aos quartéis estão lá por meio de duas premissas: Que houve fraude nas eleições; Que o eleito está irregular. E diante dessas premissas pedem o golpe militar com a manutenção do atual presidente no poder. A fraude até agora não foi provada. E a mesma justiça que condenou o eleito foi a que o soltou. Portanto não há fundamentos
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