O Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e a retaliação
Essa emenda que atualmente tramita no Senado da República altera à Constituição Federal, em síntese, estabelece prazos para os pedidos de vista nos julgamentos colegiados do Poder Judiciário
No Brasil não há nada de novo sobre o sol, desde o ano de 2021 tramita no Senado da República proposta de emenda à Constituição Federal n° 8 de 2021, que visa aprimorar a atuação do Supremo Tribunal Federal nos julgamentos dos processos.
Essa emenda que atualmente tramita no Senado da República altera à Constituição Federal, em síntese, estabelece prazos para os pedidos de vista nos julgamentos colegiados do Poder Judiciário, determina que somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial os tribunais possam deferir medidas cautelares que suspendam a eficácia de leis e atos normativos com efeitos para todos, suspendam atos dos presidentes dos demais poderes, suspendam a tramitação de proposições legislativas, afetem políticas públicas ou criem despesas para os demais poderes e fixa prazo para o julgamento de mérito após o deferimento de pedidos cautelares em ações de controle concentrado de constitucionalidade.
Diante disso, algumas reflexões merecem ser feitas, primeiro ponto que merece ser destacado é: o pedido de vista de um processo não será mais individual e sim coletivo pelo prazo de seis meses podendo ser renovado por mais três meses, caso haja justificação para tal. Ao meu juízo, essa modificação é acertada por estabelecer um prazo razoável para ser analisado um processo, por todos os integrantes, caso haja necessidade de uma melhor análise ou reanalise, na prática, o que se vê, em determinados julgamentos são os pedidos de vista eternos e estabelecendo um prazo determinado acabará com tal distorção nos julgamentos.
O segundo ponto e que é extremamente polêmico é a impossibilidade de uma decisão monocrática, ou seja, por a decisão de um único Ministro suspender a eficácia de uma lei ou ato normativo; ou do ato do Presidente da República, do Presidente do Senado Federal, do Presidente da Câmara dos Deputados ou do Presidente do Congresso Nacional e suspender a tramitação de um projeto de lei.
Ora, tal normativa, ao que parece conflita com princípios caros expressos na Constituição Federal que são da razoabilidade e da celeridade processual; e impedir que um único Ministro suspenda uma eventual ilegalidade praticada por membro do Congresso Nacional essa trava imposta viola o próprio Estado Democrático de Direito e a independência do poder judiciário.
Colocando na prática para isso ficar claro. Quem se lembra? da decisão monocrática do Ministro Gilmar Mendes que impossibilitou a indicação feita por Dilma Roussef para que Lula fosse Ministro da Casa Civil por existir vício de finalidade na indicação para que supostamente o mesmo pudesse ter o foro de prerrogativa de função e escapasse da ser julgado por Sérgio Moro. Caso tal PEC seja aprovada e sancionada isso não poderia ser possível. É isso que o povo brasileiro espera do parlamento?
Em relação à impossibilidade do Supremo Tribunal Federal não poder impedir a suspensão de um projeto de lei, primeiro é importante ser dito que: vigora atualmente a jurisprudência, ou seja, existem diversas decisões de que considera inviável ao Poder Judiciário impedir a tramitação de projetos de lei, porque não há controle de constitucionalidade judicial de caráter preventivo no sistema judicial brasileiro, portanto trocando em miúdos não pode um juiz suspender um projeto de lei que ainda está em tramitação.
Todavia, como tudo ou quase tudo no direito há uma exceção, e, no caso, há duas exceções há regra: a) caso a proposta de emenda à Constituição seja manifestamente ofensiva à cláusula pétrea; b) na hipótese em que a tramitação do projeto de lei ou emenda à Constituição Federal violar a regra constitucional que discipline o processo legislativo parlamentar para serem observadas as normas constitucionais do processo legislativo.
Como se percebe, caso tal proposta de emenda venha à sanção um único Ministro caso seja provocado para julgar não poderá suspender projetos de lei flagrantemente inconstitucionais ou projeto de lei que tenham vícios de iniciativa. Exemplos para ficar bem claro: a) um projeto de lei que queira acabar com voto direto; b) um projeto que conforme à lei deve ser apresentado por um governador, mas no caso concreto que apresentou foi um deputado. Ao que me parece tal mudança no texto constitucional tornará extremamente contraproducente a atividade do poder judiciário.
O terceiro ponto que merece ser destacado é em relação à fixação de prazo para o julgamento de mérito após o deferimento de pedidos cautelares em ações de controle concentrado de constitucionalidade no qual estabelece conforme o texto que será votado um prazo de 6 meses para o mérito ser julgado após o deferimento da medida cautelar, ao que, ao fim e ao cabo me parece ser um tempo razoável para acontecer um julgamento.
Por outro lado, nesse ano foi proposto o projeto de emenda à Constituição de n° 50/23 de autoria do Deputado Domingos Sávio (PL-MG), que por decreto legislativo assinado por um terço dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, após votação que deverá ter maioria qualificada, portanto três quintos, em dois turnos, em cada Casa legislativa poderá impedir os efeitos de uma decisão judicial do Supremo Tribunal Federal que tenha transitado em julgado e que extrapole os limites constitucionais. E o referido decreto será promulgado pelo presidente do Congresso Nacional e comunicado ao Supremo Tribunal Federal.
Como se vê, caso tal medida seja posta no sistema jurídico brasileiro, nós estaríamos andando para traz e voltando 86 anos na história da nossa República. Esse tipo freio à justiça brasileira foi algo que a ditadura da era Getúlio Vargas já fez conforme constava no texto da Constituição Federal de 1937, o então presidente detinha o poder (arbitrário) e podia cassar decisões do Supremo Tribunal Federal, via decreto, e isso aconteceu em pelos menos duas oportunidades, com a edição do decreto-lei n° 1.564/39 após uma decisão polêmica que o Supremo havia declarado inconstitucional à época lei que sujeitou à incidência de imposto de renda os vencimentos pagos pelos cofres públicos estaduais e municipais; e para derrubar a decisão, Getúlio Vargas considerou que “a decisão judiciária não consulta o interesse nacional e o princípio da divisão equitativa dos poderes”. A referida decisão do presidente foi publicada no Diário Oficial da União em 8 de setembro de 1939, Seção 1, página 21.525.
Voltando ao presente, em recente entrevista o Ministro Gilmar Mendes disse que “é bom lembrar que essa ideia não tem boa origem. Isto é da ditadura Vargas, da Constituição de 1937, que chamavam de polaca. Cassava-se decisão do Supremo por decreto e foi cassado. É bom ter essa lembrança quando alguém for pensar nisso, pois tem uma má história no constitucionalismo brasileiro”.
Há uma clara guerra de braço um esse projeto que requenta àquilo que já foi sepultado pelo constitucionalismo brasileiro e querem a todo custo retirar à normalidade institucional do poder judiciário com um projeto que como bem pontuou o Ministro padece de Constitucionalidade por violar um princípio caro para nossa Democracia que é da independência do Poder Judiciário.
Colocar um cabresto no Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal é um acinte e um erro histórico que estará sendo cometido. A Corte Suprema é o poder da República que atua precipuamente para afastar eventuais ilegalidades e afastar vícios contra à Constituição Federal. Durante à história da nossa República foram vários os capítulos que o Supremo Tribunal Federal atuou firmemente em prol da democracia, mantendo a normalidade e a aplicação das normas previstas na constituição federal preservando o texto constitucional e das leis brasileiras.
Quem defende essa espécie desse tipo de poder moderador do poder judiciário não se esqueça que esse mesmo Congresso Nacional até o presente momento em muitos instantes do cotidiano brasileiro votou projetos que em nada beneficiavam à população brasileira na calada da noite.
Ademais, muito se fala acerca do problema do ativismo judicial, e esse mesmo Supremo Tribunal Federal diante da ausência de legislação específica que cabe ao Congresso Nacional fazer em uma ação proposta decide para evitar maiores prejuízos à nação brasileira. Um exemplo disso foi no caso dos julgamentos dos Mandados de Injunção n° 670, 708 e 712 que tratavam sobre o direito de greve para os servidores públicos, nesse caso foi decidido enquanto não for normatizado pelo Congresso Nacional fica valendo as regras previstas para o setor privado lei n° 7.783/1989.
São várias as lacunas deixadas pelo legislador brasileiro, recentemente à Constituição Federal fez 35 anos e em um estudo realizado, hoje, ao todo, são 165 dispositivos previstos no texto constitucional que carecem de normas complementares. Um exemplo “polêmico” é o caso do imposto sobre grandes fortunas previsto no texto constitucional desde 1988, porém até hoje não for normatizado pelos senhores parlamentares. Será que o povo brasileiro também gostaria de ver os super ricos pagando o referido imposto?
Algumas perguntas a serem feitas, tais propostas atendem o desejo da população brasileira? As referidas PEC’s estão sendo usadas como escudo e uma forma de vingança ao Supremo Tribunal Federal? Essa guerra velada de poderes faz bem para o Brasil? Quando o Congresso Nacional cruza os braços no seu dever típico de legislar e nada faz, o que fazer? Esses aprimoramentos propostos melhorarão o sistema de justiça brasileiro? São reflexões a serem feitas.
Por fim, infelizmente, percebo que o presente insiste em voltar ao passado, querem a todo custo aprovar medidas que já foram extirpadas no passado como uma forma de retaliação e que em nada agrega ao povo brasileiro, é muita pirotecnia com pitadas de autoritarismo que ainda se faz presente no cotidiano brasileiro, pobre Constituição Federal, pobre Brasil, uma coisa é certa, tem um bode no meio da sala. É isso.
Cássio Carneiro Duarte. Advogado. Pós-graduado em direito penal e processo penal, pela Escola Superior de Direito — ESD; pós-graduado em direito penal econômico, pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais — IBCCRIM, em parceria com a Universidade Coimbra — PT; pós-graduado em direito agrário e agronegócio, pela Escola Superior de Direito — ESD; pós-graduando em direito tributário e processo tributário, pela Universidade Cândido Mendes; membro da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas — ABRACRIM; membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM e voluntário do Instituto Pró-bono. E-mail: [email protected]
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