O roteiro do golpe e os desafios das oposições

"Dia 7 deverá ser só mais um capítulo, para alimentar a rede de fake news e a realidade paralela que o sustenta", diz o ex-ministro Aloizio Mercadante em referência a Jair Bolsonaro e ao ato golpista marcado para o próximo feriado. "Ganhar e levar em 2022 vai exigir das oposições muito mais mobilização de rua", acrescenta

Aloizio Mercadante
Publicada em 30 de agosto de 2021 às 16:46

Palácio do Planalto e um ato contra Jair BolsonaroPalácio do Planalto e um ato contra Jair Bolsonaro (Foto: ABr | Ueslei Marcelino/Reuters)

Há cinco anos, um Congresso apequenado e acovardado pela pressão golpista, jurídica e mediática, aprovava o afastamento definitivo de uma gigante em coragem e dignidade: Dilma Rousseff.

Há cinco anos, o Brasil descarrilou, saiu dos trilhos da democracia, da soberania, do desenvolvimento com redução da pobreza e da desigualdade e da democracia plena. 

O golpe e a perseguição judicial e arbitrária contra o presidente Lula, já reconhecida pelo próprio STF, abriram o espaço para esta tragédia que o país atravessa.

Bolsonaro foi convidado a sair do exército como tenente, pois ele queria explodir uma bomba para reivindicar salários. Desde então, teve uma carreira parlamentar medíocre e concentrada na defesa da ditadura, da tortura e de valores obscurantista. 

Esse irresponsável tenente é o comandante supremo das FFAA. O governo dele abriga mais de 7 mil militares em cargos de confiança, mas as forças sofrem uma exposição e um brutal desgaste que não ocorria desde a redemocratização.

O desgoverno dele enfrenta uma tempestade perfeita, mais de 570 mil mortos pela Covid-19 e recorde de desemprego, com mais de 20 milhões de pessoas entre o desemprego aberto e o desalento. O custo da alimentação cresceu mais de 15,5% nos últimos 12 meses e a fome está por toda parte. 

Além disso, o litro de gasolina já atinge R$ 7, inviabilizando 25% dos profissionais em aplicativos e o diesel R$ 5, compromete a renda dos caminhoneiros. O endividamento atinge mais 62 milhões de famílias e vai se agravar, com a elevação abrupta das taxas de juros.  

Soma-se a esse cenário a severa restrição orçamentária e o comprometimento da baixa capacidade de investimento público, com R$ 41 bilhões pulverizados em emendas parlamentares. Há ainda uma grave crise hídrica e energética, falta de gestão e investimentos, com crescente possibilidade de apagão e racionamento, semelhante a 2001. 

Tudo isso para não falar no descaso com a educação, em que o quarto ministro entende que a universidade é para poucos e as crianças com deficiência prejudicam o aprendizado. O desespero e desilusão é tamanha, que até o mercado financeiro, que preservou seus ganhos extraordinários, neste país devastado, começa a manifestar alguma contrariedade. 

Bolsonaro não governa, passeia de moto, solta desaforos no cercadinho, provoca a oposição, e principalmente agride e ameaça a democracia e seus pilares.

As instituições democráticas reagem de forma crescente, ainda que tardiamente, às suas grosseiras e golpistas agressões. A CPI do Covid no Senado Federal, que revelou graves negociatas no Ministério da Saúde, a proliferação de provas das rachadinhas nos gabinetes do clã, o avanço nas investigações sobre as ilegalidades no financiamento e na proliferação das fake news estão ameaçando o futuro próximo da família Bolsonaro. 

Com isso, o presidente demonstra desespero e desorientação, agravando o completo despreparo para governar o país. A agenda defensiva dele está cada vez mais distante do país real e da sofrida vida do povo. Todo esforço do governo está concentrado no voto impresso, ameaças aos ministros do STF que estão à frente das investigações, ofensas aos opositores, a jornalistas e a veículos da imprensa, em síntese à democracia, que ele historicamente agrediu e combateu e que generosamente o elegeu.

Bolsonaro é o caos e mais do que nunca precisa do caos como rota de fuga. Depois do fracasso do desfile militar patético, está tentando mobilizar e ameaçar a democracia com o que lhe resta de apoio. Está utilizando seu governo para estabelecer um vínculo direto e populista com as polícias militares, participou de 24 formaturas das PMs, e fomenta abertamente a insubordinação e a quebra de hierarquia, com atitudes próprias de quem sempre manteve fortes vínculos com as milícias. 

Algumas lideranças evangélicas mais conservadoras foram agraciadas com uma bilionária anistia fiscal e generosos recursos do orçamento, e reforçam seus ataques à democracia. Além, da extrema direita obscurantista que o acompanha, cada vez mais cega e radicalizada.

Dia 7 será parte de um roteiro golpista, com os ataques centrados no TSE e na defesa do voto impresso, que legalmente não poderá mais ser adotado. A estratégia golpista de Bolsonaro está canalizada para deslegitimar a fragorosa derrota que se aproxima em 2022. 

Dia 7 deverá ser só mais um capítulo, para alimentar a rede de fake news e a realidade paralela que o sustenta. Mas, a estratégia golpista tem como alvo prioritário o resultado das eleições, como aconteceu na Bolívia, esteve presente no Peru e na invasão do Capitólio, patrocinada por Trump e apoiada por Bolsonaro. 

Eleitoralmente Bolsonaro caminha para uma grande derrota, mas ganhar e levar em 2022, vai exigir das oposições muito mais mobilização de rua, unidade das forças democráticas e defesa das instituições do estado democrático de direito. Os governadores precisam de pulso firme na defesa da hierarquia e disciplina das polícias militares.

Ademais, as investigações das rachadinhas, da corrupção na compra das vacinas e do financiamento ilegal da indústria das fake news nas afrontas e ameaças ao STF e Congresso Nacional precisam continuar avançando com apoio e mobilização das forças populares. A democracia vencerá o golpismo, mas será preciso muita firmeza, unidade e luta, muita luta.

Aloizio Mercadante

Aloizio Mercadante é economista, professor licenciado da PUC-SP e Unicamp, foi Deputado Federal e Senador pelo PT (SP), Ministro Chefe da Casa Civil, Ministro da Educação e Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação

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