Os atos de 08 de Janeiro de 2023: o desafio da Justiça e das defesas
Com a finalidade de esclarecer a questão, o advogado criminalista Filipe Silveira fez uma análise sobre o panorama jurídico desse caso complexo
Desde as eleições presidenciais de 2022, o Brasil tem vivido uma constante polarização política que tem levado a condutas extremas por parte da sociedade civil. Nesse período, foi possível observar o incompreensível e irracional pedido de retorno do AI-5 até o fatídico 08 de janeiro de 2022.
Diante disso, os poderes constituídos brasileiros tomaram diversas medidas de controle e proteção da democracia. Especificamente sobre os fatos ocorridos em 8 de Janeiro do ano passado, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou diversas denúncias que vêm sendo processadas e julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Com a finalidade de esclarecer a questão, o advogado criminalista Filipe Silveira fez uma análise sobre o panorama jurídico desse caso complexo.
O Julgamento no STF
O advogado esclarece que, apesar da sensibilidade do tema, alguns cuidados devem ser observados pelo sistema jurídico Brasileiro. Inicialmente destaca que o caso 08 de janeiro promove uma contradição ao manter, perante o Supremo Tribunal Federal, o processo e julgamento de pessoas que não possuem foro por prerrogativa de função.
Explica o Silveira que “o mesmo Supremo Tribunal Federal que restringiu o foro por prerrogativa de função, agora, paradoxalmente, volta a ampliar a possibilidade sob o argumento de que os fatos apurados teriam uma espécie de conexão com a apuração de todos os atos antidemocráticos. Na prática, é como se o STF estivesse rejeitando a própria jurisprudência e, ao mesmo tempo, limitando, de forma não autorizada, o direito ao juiz natural para um caso específico.”
Silveira prossegue ainda em sua crítica destacando que, no caso da operação lava-jato, o STF, em diversas oportunidades, deixou claro que o processo penal não poderia se traduzir em uma vingança “de muitos contra o acusado”, razão pela qual direitos e garantias fundamentais, como o direito ao juiz natural, deveriam ser protegidos por se tratarem de conquistas históricas, desde a Revolução Francesa, e marcam a formação do Estado Democrático de Direito.
A acusação proposta pelo MPF
O segundo ponto que merece atenção diz respeito às acusações formuladas pelo Ministério Público Federal. As pessoas envolvidas nos atos ocorridos em 08 de janeiro de 2023 têm sido denunciadas de praticar crimes como como tentativa de golpe de Estado, terrorismo, incitação ao crime e associação criminosa armada. Apesar disso, ressalta Silveira que há pontos que merecem atenção, pois, as denúncias ministeriais deveriam, ao máximo, evitar generalizações. Assim, “cabe à acusação demonstrar a participação efetiva de cada indivíduo”.
Há de se ter um certo cuidado com excessos”, acrescentou Silveira. “É necessário mais do que a simples presença em um local para implicar alguém em crimes graves como tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito”, defendeu.
As acusações existentes mostram que a Polícia Judiciária e o MPF têm apurado os fatos em quatro grandes núcleos, explicou Silveira. “Isso envolve desde aqueles que executaram os atos até os autores intelectuais, financiadores e agentes públicos que se omitiram”, disse.
Ressalta ainda que as denúncias formuladas pelo Ministério Público têm utilizado a estratégia de imputar diversos crimes aos acusados suspeitos. Nesse sentido, Silveira destaca que “É muito difícil falar genericamente de todas as acusações. É sempre prudente analisar o processo por inteiro para fazer uma avaliação criteriosa daquilo que se está acusando. Porém, não é incomum o responsável pela acusação utilizar-se de um instituto chamado de overcharging que significa o ato de imputar diversos crimes a alguém como forma de tornar ainda mais grave sua situação processual.”
Em todo o caso, a grande questão, esclarece o advogado, reside no fato de que “um processo criminal jamais pode decorrer de presunções ou ilações, ou seja, tanto a denúncia como eventual condenação de alguém deve se pautar em provas minimamente seguras sobre a participação no evento, a vontade de cometer crimes, bem como da presença dos requisitos que conformam os crimes que são imputados pelo Órgão Acusador”.
O problema atual: a ocorrência de fugas
Uma preocupação crescente é a fuga dos acusados. Segundo informações divulgadas pela imprensa brasileira e internacional, pelo menos dez indivíduos quebraram suas tornozeleiras eletrônicas e escaparam do Brasil, com destinos apontados para Argentina e Uruguai.
“A fuga configura uma tentativa de impedir o regular prosseguimento da persecução penal”, esclareceu Silveira. “O juiz pode decretar a prisão cautelar do fugitivo, utilizando cooperação internacional para sua localização e prisão”, disse ele. “A legislação brasileira prevê medidas para lidar com casos de fuga”, acrescentou o criminalista. “Em qualquer fase, seja inquérito ou processo, é possível decretar a prisão cautelar do fugitivo, inclusive fazendo uso da cooperação internacional para localizá-lo e prendê-lo”, afirmou.
As falhas no sistema de monitoramento eletrônico também são preocupantes, na visão do criminalista. “As maiores falhas residem na ausência de material humano suficiente para fiscalização”, apontou Silveira. “Isso possibilita quebra e fuga sem uma resposta estatal adequada”, pontuou.
“Para aprimorar o monitoramento, é necessário investir nas centrais de monitoramento e equipes de fiscalização”, sugeriu Silveira. “Dessa forma, seria possível melhorar a qualidade dos sinais e a cobertura”, acrescentou.
Quanto à Interpol, ela poderia desempenhar um papel crucial na captura dos fugitivos, mas questões políticas podem complicar o processo, segundo o advogado. “Diversos países adotam a postura de não extraditar pessoas condenadas por crimes políticos”, observou Silveira. “Em muitos casos, não é possível contar com a extradição dos fugitivos devido a questões políticas”, concluiu Silveira. "Isso dificulta a busca pela responsabilização dos culpados e a aplicação da justiça”.
Exemplifica o advogado que “tempos atrás, o Brasil deixou de extraditar uma pessoa acusada de crime de homicídio na Itália por compreender que se tratava de um crime político. Países como Argentina e Uruguai possuem tratados de extradição e cooperação internacional com o Brasil, porém, esses mesmos tratados vedam a extradição de pessoas quando se tratar de crime político, ou seja, eventual extradição deverá ser analisada pelas Cortes Judiciárias dos países onde os fugitivos se encontrarem”, finalizou.
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